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Currículo e racismo: análise curricular das
licenciaturas em Artes Cênicas no ensino superior
Erico José Souza de Oliveira
Glaucilene Ferreira Soares
Para citar este artigo:
OLIVEIRA, Erico José Souza de; SOARES, Glaucilene Ferreira.
Currículo e racismo: análise curricular das licenciaturas em
Artes Cênicas no ensino superior. Urdimento Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.3, n.56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0114
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Erico José Souza de Oliveira | Glaucilene Ferreira Soares
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
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Currículo e racismo1: análise curricular das licenciaturas em Artes Cênicas no ensino superior2
Erico José Souza de Oliveira3
Glaucilene Ferreira Soares4
Resumo
Este artigo focou na negligência quanto à inserção de conteúdos da cultura africana,
afrodiaspórica e de povos originários no Ensino Superior, como orientam a Resolução
001/04 e o Parecer nº 003/04 do CNE, assim como na ausência de formação docente sobre
tais temáticas nas Universidades e na consequente dificuldade na implementação de
currículos antirracistas. A principal hipótese é que o racismo existente no país, disfarçado e
endossado pelo Mito da Democracia Racial, é a base de um pensamento colonial que perdura
até os dias atuais, por meio de um projeto de branquitude que avaliza uma postura de
violação das leis e dos direitos a um currículo pluriepistêmico.
Palavras-chave: Currículo. Racismo. Artes Cênicas. Democracia racial. Branquitude.
Curriculum and racism: curriculum analysis of bachelor’s programs in Performing Arts (Theater
Education) in Higher Education
Abstract
This article addressed the negligence regarding the inclusion of content related to African
and Afrodiasporic cultures and Indigenous peoples in Higher Education, as mandated by
Resolution n. 001/04 and Report n. 003/04 of the National Council of Education, as well as
the lack of faculty training on these themes in universities, and the consequent challenges in
implementing antiracist curricula. The main hypothesis is that the racism present in the
country - disguised and legitimized by the Myth of Racial Democracy - forms the basis of a
colonial thought that persists today through a whiteness project, which enables the violation
of the Law and the denial of rights to a pluriepistemic curriculum.
Keywords: Curriculum. Racism. Performing Arts. Racial democracy. Whiteness.
Currículo y racismo: análisis curricular de las Licenciaturas en Artes Escénicas (Educación
Teatral) en la educación superior
Resumen
Este artículo enfocó la negligencia en cuanto a la inserción de contenidos de la cultura
africana, afrodiaspórica y de los pueblos originarios en la Educación Superior, como se orienta
en la Resolución n. 001/04 y el Dictamen n. 003/04 del Consejo Nacional de Educación, así
como la ausencia de una formación docente acerca de estas temáticas en las universidades
y la consecuente dificultad en la implementación de currículos antirracistas. La principal
hipótesis es que el racismo existente en el país, disfrazado y respaldado por el Mito de la
Democracia Racial, constituye la base de un pensamiento colonial que perdura hasta la
actualidad por medio de un proyecto de blanquitud que avala una postura de violación de
las leyes y de los derechos a un currículo pluriepistémico.
Palabras clave: Currículo. Racismo. Artes Escénicas. Democracia racial. Blanquitud.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada pelo professor Éverton de Jesus Santos. Doutorado em Letras pela
Universidade Federal de Sergipe.
2 Pesquisa institucional em andamento em nível nacional que faz parte do projeto ARTES CÊNICAS E UNIVERSIDADE:
(re)pensamento curricular de intervenções antirracistas, financiada pelo CNPq através da Chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº
40/2022-PRÓ-HUMANIDADES (Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Humanidades).
3 Pós-doutorado em Artes do Espetáculo na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis, Paris 8, França. Pós-doutorado em
História da Encenação na UniversiSorbonne Nouvelle Paris, Paris 3 França. Doutorado e Mestrado em Artes Cênicas
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduação Licenciatura em Educação Artística, Habilitação em Teatro - pela
Universidade Federal de Pernambuco (UDPE). Prof. Titular da Universidade de Brasília (UnB).
ericojoses@yahoo.com.br http://lattes.cnpq.br/3116783239543777 https://orcid.org/0000-0001-9738-0406
4 Mestranda e Graduação em Artes Cênicas na Universidade de Brasília (UnB). glaufsoares33@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/8680784848930625 https://orcid.org/0009-0008-2881-3405
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Racismo e branquitude em nível superior
É, no mínimo, intrigante perceber que a discussão curricular no seio das Artes
Cênicas universitárias é praticamente inexistente quando se trata da
obrigatoriedade de inserção de conteúdos negrorreferenciados em seu
pensamento político-pedagógico. Pouquíssimos/as são os/as docentes-
pesquisadores/as que devotam sua atenção a essas questões, e isso está
diretamente relacionado à quantidade esmagadora de professores/as não negros
nos 25 Departamentos de Licenciatura em Artes Cênicas (Teatro)5 espalhados pelo
Brasil, que insistem em não se comprometer com a pauta antirracista de forma
efetiva e substancial.
Apesar das políticas de ações afirmativas implementadas pelo Governo
Federal, inclusive a Lei 12.990/2014, mais conhecida como Lei de cotas em
concursos públicos, o quadro docente universitário permanece distante da
realidade racial brasileira e, onze anos após sua instauração, o que se constata é
que ela não vem sendo cumprida na maioria das Universidades, sendo alvo,
inclusive, de ações do Ministério Público Federal para seu cumprimento6.
Essa constatação reflete e fortalece o que a professora Maria Aparecida Silva
Bento define com Pacto da Branquitude (2002, p. 7), a saber:
Alianças intergrupais entre brancos são forjadas e caracterizam-se pela
ambuiguidade, pela negação de um problema racial, pelo silenciamento,
pela interdição de negros em espaço de poder, pelo permanente esforço
de exclusão moral, afetiva, econômica, política dos negros, no universo
social [...] Branquitude como preservação de hierarquias raciais, como
pacto entre iguais, encontra um território particularmente fecundo nas
Organizações, as quais são essencialmente reprodutoras e
conservadoras.
5 Cinco na região Norte (UFAC, UNIR, UFT, UNIFAP e UFPA); nove na região Nordeste (UFMA, UFPI, UFC, UFRN,
UFPB, UFPE, UFAL, UFS e UFBA); três na região Centro-Oeste (UnB, UFG e UFGD); cinco na região Sudeste
(UFMG, UFU, UFOP, UFSJ e UNIRIO) e três na região Sul (UFRGS, UFPEL e UFSM).
6 Dentre inúmeros casos ocorridos em todo o Brasil, ver como exemplos localizados:
https://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2024/10/09/acordo-ufs-mpf.ghtml;
https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2021/11/08/mpf-pede-na-justica-que-a-ufpb-anule-concurso-e-
inclua-cotas-para-pessoas-negras-e-com-deficiencia.ghtml; https://www.conjur.com.br/2018-dez-18/mpf-
ajuiza-acao-ufpr-respeite-cotas-negros-concurso/; https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-
cidadania/ministerio-publico-se-manifesta-contra-cota-racial-em-concurso-da-usp-com-apenas-uma-
vaga/. Acesso em: 13 set. 2025.
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Indubitavelmente, as Instituições de Ensino Superior são organizações que se
inserem nas definições da pesquisadora como locais de perpetuação e
manutenção das tecnologias do racismo. Bento (2016), em seu trabalho de
décadas de pesquisa e implementação de programas institucionais de combate
às desigualdades raciais, observa que uma prática efetiva de silêncio, omissão
e distorção do lugar e das responsabilidades de brancos/as no tratamento do
racismo brasileiro, os/as quais, na grande maioria dos casos, não se consideram
agentes diretos das desigualdades e, consequentemente, não se tornam objeto de
estudo do problema.
É nesse lugar que a autora localiza uma espécie de pacto, um acordo tácito
entre brancos/as que não se reconhecem racializados/as e parte essencial na
permanência das desigualdades raciais e sociais do Brasil, mantendo, por meio de
seus silêncios e dos corporativismos institucionais, seus privilégios seculares.
Em seu artigo “Artes Cênicas Negras no Brasil: das memórias aos desafios na
formação acadêmica”, a professora Amélia Vitória de Souza Conrado (2017) buscou
analisar os motivos pelos quais os conhecimentos afro-brasileiros não conseguem
ser incorporados aos conteúdos curriculares das Escolas de Teatro, Dança, Música
e Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, mesmo com a
existência de leis de reparação e programas de políticas e ações afirmativas
provindos de lutas sociais negras.
A autora sinaliza que as relações de poder nos ambientes universitários ainda
são marcadas pelo “colonialismo epistemológico”, pela discriminação e pelo
preconceito contra a presença negra, expressos por atos de racismo de
professores/as, diretores/as e estudantes em relação a funcionários/as, discentes
e docentes que se comprometem com essas referências étnico-culturais. Esse
ponto é crucial para se compreender as estruturas racistas dentro das
universidades brasileiras.
Em “Construindo um currículo negro: notas sobre identidade, diferença e
aliança no campo das danças negras”, o professor Fernando Marques Camargo
Ferraz (2021) localizou o embate ideológico sobre o pensamento curricular nos
cursos de Dança em nível superior, os quais ainda se incomodam com a existência
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formal e curricularizada de disciplinas afro-orientadas num universo de
epistemologia majoritariamente branca.
O autor indaga sobre o uso da noção de identidade como uma forma rígida e
não como dispositivo interpretativo de significados diversos (Gilroy, 2007), isto é,
como convocação de alteridades. Essa prática reverbera em um lugar lacunar e
de ausência pluriepistemológica no pensamento curricular da Escola de Dança da
Universidade Federal da Bahia, sem visibilidade para as epistemologias negras no
percurso formativo da graduação e nas linhas de pesquisa de seu Programa de
Pós-Graduação (PPGDANÇA-UFBA).
A professora Alexandra Gouvêa Dumas dedicou seu segundo Pós-Doutorado,
realizado na Universidade de Brasília entre 2022 e 2023, à discussão curricular,
com ênfase no Bacharelado em Direção Teatral da Escola de Teatro da UFBA,
sinalizando a ausência completa de conteúdos étnico-raciais no PPC e no
ementário do curso.
Entre suas principais publicações estão os artigos “Currículo e Decolonização:
discussões iniciais no campo do Teatro (Direção Teatral-UFBA)”, “Nomear é
dominar? Universalização do teatro e o silenciamento epistêmico sobre
manifestações cênicas afro-brasileiras”, ambos de 2022, e “Encontros e
desencontros de saberes: culturas populares+, teatro e universidade”, de 2023,
que versam sobre a centralidade excludente do teatro branco-ocidental como
promotor do racismo epistêmico e estético nas universidades brasileiras, além das
ausências das intituladas culturas populares nos currículos. Para desenvolver sua
argumentação, a estudiosa parte da ampliação da análise dos Projetos
Pedagógicos de Cursos (PPCs) e das grades curriculares de cursos de Graduação
em Teatro de Universidades Federais localizadas no Nordeste do Brasil.
Em 2020, o professor Erico José Souza de Oliveira oficializou, junto ao
Decanato de Pesquisa e Inovação da UnB, uma pesquisa que vinha desenvolvendo
desde 2016 sobre as narrativas de docentes-pesquisadores/as das Artes Cênicas
com relação às discussões decoloniais em diálogo com as culturas negras do país
e o pensamento político-pedagógico de seus respectivos departamentos.
Intitulada Artes Cênicas e Decolonialidade, a investigação se propôs a analisar
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uma média de cem artigos de revistas especializadas da área sobre o tema, de
2011 a 2022, e constatou que existe uma enorme disparidade entre a retórica
decolonial de tais docentes e a realidade curricular de seus cursos, que não
refletem suas reflexões acadêmicas em suas estruturas curriculares, o que denota
contradições intelectuais e éticas enormes, para dizer o mínimo.
Esse abismo entre teoria decolonial e sua não aplicabilidade refletida na
estrutura primal dos cursos, isto é, em seu pensamento político-ideológico-
pedagógico e sua grade curricular, chamou nossa atenção, e resolvemos
aprofundar essa questão: por um lado, o professor Erico José Souza de Oliveira
transformou essa pesquisa numa tese para obtenção de progressão funcional para
o cargo de Professor Titular da UnB, defendida em 12 de dezembro de 2022. Por
outro, Glaucilene Ferreira Soares, à época graduanda, realizou uma pesquisa de
Iniciação Científica sobre o que chamou de “carômetro” das bibliografias de cursos
de Licenciatura em Teatro7.
Breve sobrevoo por lutas e conquistas negras
Para tratarmos da indigesta e complexa questão do racismo no Brasil com
enfoque no Ensino Superior brasileiro, é importante iniciarmos o tema a partir da
percepção de um dos maiores combatentes das causas negras no seio das Artes
Cênicas, Abdias do Nascimento (1978, p. 95):
Tampouco na universalidade da Universidade brasileira o mundo negro-
africano tem acesso. O modelo europeu ou norte-americano se repete, e
as populações afro-brasileiras são tangidas para longe do chão
universitário como gado leproso. Falar em identidade negra numa
universidade do país é o mesmo que provocar todas as iras do inferno, e
constitui um difícil desafio aos raros universitários afro-brasileiros.
Torna-se importante frisar que tal argumentação do autor data de 1978 (ano
de publicação de O Genocídio do Negro Brasileiro: processo de um racismo
mascarado), o que indica que a discussão sobre o papel da Universidade brasileira
no combate ao racismo tem, pelo menos, cinquenta anos, se usarmos essa fonte
como um possível marco histórico. Porém, sabemos que essa luta é bem anterior.
7 Mais à frente, trataremos da metodologia do carômetro.
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Seja pela temática étnico-racial, seja pelos/as raros/as professores/as
negros/as no corpo docente universitário, podemos constatar que a realidade
mudou muito pouco em comparação com a época na qual Abdias do Nascimento
lançou seu incontornável livro.
Também é importante salientar que os inúmeros movimentos sociais negros
criados desde o período da escravização de africanos/as foram responsáveis pelas
lutas e conquistas das pautas étnico-raciais no projeto de educação brasileira ao
longo dos tempos. Alguns marcos importantes desses movimentos, a partir da
década de 1940, são listados por Walter de Oliveira Campos (2013, p. 3):
Nesse contexto, a imprensa negra, extinta durante o Estado Novo,
ressurge, destacando-se periódicos como Senzala, criado em 1946, e
Quilombo, em 1948. Dois eventos importantes para a militância negra
ocorreram nesse período: a Convenção Nacional do Negro (1945) e o
Primeiro Congresso do Negro Brasileiro (1950).
Lembremos que esses movimentos, associados a ações da Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a denúncias de
racismo recorrentes no país, impulsionaram o deputado federal Afonso Arinos
(27/11/1905-28/08/1990) a criar projetos de lei abordando tal temática, sendo o
mais conhecido o de número 562/1950, do qual derivou a Lei 1.390/1951, que
trata como contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de
raça ou de cor8.
Obviamente, a Lei Afonso Arinos, proposta por um político branco e membro
da União Democrática Nacional (UDN), partido conservador, serviu muito mais para
um apaziguamento das tensões raciais da época do que para uma reivindicação
de igualdade racial no país, que, mesmo apesar de sua importância histórica,
essa pode ser considerada uma lei quase que ineficaz, assim como as que aqui
estão sendo tratadas.
Um ano após a lei supracitada, o referido deputado, sob pressão de
movimentos negros organizados, também propôs o projeto de lei, que versava
8 Documento consultado por meio do link:
https://www.camara.leg.br/internet/sileg/Prop_lista.asp?Autor=0&ideCadastro=130887&Limite=N&tipoProp=2
Acesso em: 9 set. 2025.
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sobre
A obrigatoriedade da exposição de noções gerais, de natureza
antropológica, histórica, jurídica e ética, contra a discriminação racial, na
execução do Programa de História do Brasil, relativo à Terceira Série do
Curso Ginasial e no que concerne ao desenvolvimento do ponto referente
à abolição9.
Curiosamente, ao contrário da Lei 1.390/1951, o projeto de lei mencionado
que indicava o estudo de conteúdos étnico-raciais no ensino de História do
Brasil, ainda que somente para uma série do Curso Ginasial foi arquivado no
mesmo dia de sua leitura no Plenário da Câmara do Senado, em 31 de outubro de
1952, denotando o desprezo e o racismo dos políticos brasileiros quanto à revisão
da História do Brasil em perspectiva negrocentrada.
Campos (2013, p. 1) explicita o porquê dessa postura política: “[...] o texto da
lei reflete não somente um trabalho de elaboração técnico-jurídica, mas também,
as influências políticas e ideológicas do corpo legislativo e o influxo das
circunstâncias históricas do momento da produção da lei”. Ou seja, desde sempre
o país virou as costas para as demandas negras sobre sua história e sua educação
através de várias estratégias políticas e institucionais.
Após duas décadas de regime ditatorial de cunho cívico-militar no país (1964
a 1985), o engajamento direto de movimentos negros no período da abertura
democrática, entre 1985 e 1988, gerou alguns avanços. Ações efetivas começaram
a se tornar palpáveis, anos mais tarde, por meio da Assembleia Nacional
Constituinte, momento no qual foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, a
Constituição Cidadã.
Para aprofundar esta argumentação, é preciso recorrer a um breve histórico
sobre a implementação dos conteúdos africanos e afro-brasileiros no sistema
educacional do Brasil, por meio da Lei 10.639, de 2003, com perspectivas
relatadas pela antropóloga e pesquisadora Nilma Lino Gomes (2013, p. 22):
A aprovação e a paulatina implementação dessa legislação sinaliza
avanços na efetivação de direitos sociais educacionais e implica o
9 Documento consultado por meio do link:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=205107#tramitacoes.
Acesso em: 9 set. 2025.
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reconhecimento da necessidade de superação de imaginários,
representações sociais, discursos e práticas racistas na educação escolar
[...] Implica, também, uma postura estatal de intervenção e construção
de uma política educacional que leve em consideração a diversidade e
que se contrapõe à presença do racismo e de seus efeitos, seja na política
educacional mais ampla, na organização e funcionamento da educação
escolar, nos currículos da formação inicial e continuada de professores,
nas práticas pedagógicas e nas relações sociais na escola.
Ao perceber que a exequibilidade dessa lei direcionada ao Ensino Básico
(Fundamental e Médio) – necessitaria que o Ensino Superior incluísse as mesmas
diretrizes na formação de licenciandos/as que, por consequência, atuariam nas
escolas, foi criada uma comissão10 que elaborou um parecer circunstanciado,
publicado no Diário Oficial da União em 19 de maio de 200411, embasando a
Resolução 1/200412, a qual instituiu mecanismos para a aplicação da lei de
obrigatoriedade de ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras nas
universidades.
Na referida Resolução, fica evidente a responsabilidade das Instituições de
Ensino Superior com o fomento e a inserção dos conteúdos africanos e afro-
brasileiros em seus cursos, conforme o inciso 1º do Art. 1º (Brasil, 2004b, p. 1):
As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas
e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das
Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e
temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos
explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004.
O estímulo a atividades de professores/as sobre os temas étnico-raciais
também é considerado e indicado pelo § 2° do Art. 3º da Resolução (Brasil, 2004b,
p. 2): “As coordenações pedagógicas promoverão o aprofundamento de estudos,
para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos
e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares”, assim como a
10 Sob relatoria da professora Dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e com os membros conselheiros Carlos
Roberto Jamil Cury, Francisca Novantino Pinto de Ângelo e Marília Ancona-Lopez.
11 Documento consultado por meio do link: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf. Acesso
em: 12 set. 2025.
12 Documento consultado por meio do link:
https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_res01_04.pdf?query=etnico%20racial. Acesso
em: 12 set. 2025.
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promoção de formação continuada de docentes, detalhada no Parecer 3 (Brasil,
2004a, p. 8):
Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não
negros, além de ter acesso a conhecimentos básicos tidos como
fundamentais para a vida integrada à sociedade, exercício profissional
competente, recebam formação que os capacite para forjar novas
relações étnico-raciais [...] Daí a necessidade de se insistir e investir para
que os professores, além de sólida formação na área específica de
atuação, recebam formação que os capacite não a compreender a
importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a
lidar positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias pedagógicas
que possam auxiliar a reeducá-las.
Para esse intento são exaustivamente indicadas as formações de
professores/as negros/as e não negros/as em questões étnico-raciais, através de
grupos de trabalho e de parcerias com núcleos universitários, como Núcleos de
Estudos Afro-Brasileiros (Neabs), por exemplo, e entidades da sociedade civil que
possam assessorar no letramento racial docente, conforme preconiza o Art.
(2004a, p. 20):
Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais
de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais
negros, instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e
pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade
de buscar subsídios e trocar experiências para planos institucionais,
planos pedagógicos, planos e projetos de ensino.
Outra demanda explícita no Parecer (Brasil, 2004a, p. 14) é a indicação de
inclusão das temáticas étnico-raciais de forma vertical no Ensino Superior, a partir
de sua inserção na matriz curricular dos cursos, e não como componentes
isolados no pensamento curricular:
Inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz
curricular, tanto dos cursos de licenciatura para Educação Infantil, os
anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média,
Educação de Jovens e Adultos, como de processos de formação
continuada de professores, inclusive de docentes no Ensino Superior.
Burlas e ilegalidades universitárias via Mito da Democracia Racial
Ao invés da realização dessas metas indicadas pelo Parecer e pela Resolução
de 2004, o que presenciamos é uma completa ausência de conhecimento desses
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documentos legais no ambiente acadêmico das Artes Cênicas, além da criação de
subterfúgios que inviabilizam o exercício e o avanço das questões raciais no seio
universitário.
Dentre tais subterfúgios estão:
1 A criação de disciplinas específicas de conteúdos negros destinadas,
geralmente, aos/às pouquíssimos/as professores/as negros/as dos
Departamentos;
2 – O isolamento das questões étnico-raciais do pensamento curricular geral
dos cursos, a partir da criação de uma ou duas disciplinas que tratem desses
temas;
3 O tratamento de apêndice dado às temáticas raciais nos conteúdos das
disciplinas, ao invés de uma abordagem epistemológica e transversal.
Esses procedimentos contrariam diretamente as normativas legais ora
expostas – na medida em que a proposta é que esses conteúdos dialoguem com
as diversas disciplinas ofertadas pelos cursos, numa atitude pluriepistêmica de
horizontalidade de conhecimentos de matrizes distintas –, assim como
contribuem para o aumento do abismo em relação a uma postura de inclusão e
prática antirracista no ambiente universitário, tornando os Departamentos da área
das Artes Cênicas ilegais perante as demandas de inclusão étnico-racial no
currículo.
Também limitam e obrigam os/as professores/as negros/as a se fixarem nos
conteúdos negrorreferenciados, com pseudoargumentos acerca da legitimidade e
representatividade, assim como desobrigam professores/as não negros/as a se
comprometerem tanto com sua própria formação étnico-racial quanto com seu
letramento racial, os/as isentando da responsabilidade ética, política e pedagógica
de contribuir com a causa antirracista, num cômodo lugar de manutenção de seus
privilégios.
Mais uma vez, recorremos à veemência de Abdias do Nascimento (1978, p.
95) a respeito do sistema educacional brasileiro:
O sistema educacional é usado como aparelhamento de controle nesta
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estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino
brasileiro elementar, secundário, universitário o elenco das matérias
ensinadas [...] constitui um ritual da formalidade e da ostentação da
Europa, e, mais recentemente, dos Estados Unidos.
Essas práticas de perpetuação de exclusão racial no ambiente universitário,
através de mecanismos que incentivam a manutenção de privilégios brancos ao
invés de ações efetivas que promovam uma real perspectiva de igualdade racial
em ambientes de poder, contribuem para o que Nilma Lino Gomes sinaliza como
a continuidade da desigualdade racial no país, veementemente negada pelo corpo
docente branco das instituições universitárias, mas escancarada por análises
referendadas por ativistas e atuantes do movimento negro, nas quais “[...] todas as
pesquisas oficiais realizadas nos últimos anos apontam como o campo
educacional tem produzido e reproduzido no seu interior um quadro de
desigualdades raciais” (Gomes, 2011, p. 112).
Aliás, Nilma Lino Gomes é categórica quanto à resistência das Instituições de
Ensino Superior ao emprego de uma substancial e profunda proposta educacional
que erradique o racismo da sociedade brasileira e crie possibilidades de igualdade
econômica, política, social e cultural para negros/as como um processo de
emancipação, por meio das leis, resoluções e normativas oficiais:
O desencadeamento desse processo não significa o seu completo
enraizamento na prática das escolas da educação básica, na educação
superior e nos processos de formação inicial e continuada de
professores(as). A lei e as diretrizes entram em confronto com as práticas
e com o imaginário racial presentes na estrutura e no funcionamento da
educação brasileira, tais como o mito da democracia racial, o racismo
ambíguo, a ideologia do branqueamento e a naturalização das
desigualdades raciais (Gomes, 2011, p. 116).
Seguindo o pensamento da autora citada, entrecruzamos o diálogo com
Bento (2016), que localiza no lugar da construção do Mito da Democracia Racial o
estímulo ao branqueamento da população negra no Brasil, dando à elite branca os
argumentos necessários para permanecer em seus lugares de privilégio e para a
manutenção do racismo à brasileira, ancorados na construção de um imaginário
sociológico da década de 1930, via Gilberto Freyre:
Em sua obra, Freyre postula que a distância social entre dominantes e
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dominados é modificada pelo cruzamento inter-racial que apaga as
contradições e harmoniza as diferenças levando a uma diluição de
conflitos. Ao postular a conciliação entre as raças e suavizar o conflito,
ele nega o preconceito e a discriminação, possibilitando a compreensão
de que o “insucesso dos mestiços e negros” deve-se a eles próprios
(Bento, 2016, p. 53).
Por sua vez, Campos (2013, p. 4) define sinteticamente o que vem a ser o Mito
da Democracia Racial:
Trata-se da crença de que no Brasil as populações de diferentes raças
conviveriam de forma harmoniosa, imagem essa difundida não apenas no
próprio país, mas também no exterior. Um dos maiores arquitetos dessa
ideologia é o sociólogo Gilberto Freyre, mentor da chamada “fábula das
três raças”, expressão que designa a ideologia pela qual a identidade
cultural e racial brasileira se forma a partir da integração harmoniosa
entre o branco, o negro e o índio [sic].
No rastro dessas discussões, intelectuais, acadêmicos/as e políticos/as
brancos/as se empenham na ideia de uma identidade nacional, conclamando a
existência de uma raça única, a raça brasileira, chamada por Freyre de “metaraça”,
com o objetivo de inibir associações ativistas em prol do Pan-Africanismo, inclusive
proibindo a imigração de negros/as norte-americanos/as que queriam entrar no
Brasil nos idos de 1920.
É Nascimento (1978, p. 93) quem traz uma aguda percepção acerca da
questão da Democracia Racial, estilo especificamente brasileiro de lidar com as
questões raciais sob o manto da igualdade, liberdade e fraternidade:
Devemos compreender “democracia racial” como significando a metáfora
perfeita para designar o racismo estilo brasileiro: não tão óbvio como o
racismo dos Estados Unidos e nem legalizado qual o apartheid da África
do Sul, mas eficazmente institucionalizado nos níveis oficiais de governo
assim como difuso no tecido social, psicológico, econômico, político e
cultural da sociedade do país.
Na concepção de Nascimento (1978), é essa mentalidade que autoriza o
extermínio secular de negros/as no Brasil e, consequentemente, de suas práticas
culturais, em uma história não oficial de massacres em todas as estruturas das
sociedades brasileiras. Neste caso, a Democracia Racial seria uma máquina de
morte e epistemicídio na qual haveria um único privilégio para a população
negra: tornar-se branca.
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Evidentemente, as instituições educacionais do país, sobretudo as de nível
superior, assimilam esse imaginário social e reproduzem o racismo à brasileira
como estratégia de aniquilamento da população negra e de suas epistemologias.
É a partir das colocações expostas que questionamos o que impede o
cumprimento do Parecer e da Resolução supracitados no âmbito dos cursos de
Licenciatura em Artes Cênicas (Teatro) das Universidades Federais brasileiras. Para
responder a essa questão, nos interessa investigar como esses cursos vêm
tratando a aplicabilidade dessas diretrizes e como isso se expressa nos seus
Projetos Político-Pedagógicos, no pensamento curricular dos cursos e ao longo de
seus componentes curriculares (ementas, conteúdos programáticos, objetivos e
referências).
A principal hipótese é que o racismo existente no país, disfarçado e
endossado pelo Mito da Democracia Racial, é a base de um pensamento colonial
que perdura até os dias atuais por meio de um projeto de branquitude que avaliza
uma postura de violação das leis e dos direitos à cidadania, à educação, à arte e à
cultura, através da prática secular de epistemicídios perpetuados pelo
pensamento educacional brasileiro. Esse encaminhamento tenta dialogar também
com a reflexão da professora Nilma Lino Gomes (2019, p. 13), que questiona: “O
que os currículos têm a aprender com os processos educativos construídos pelo
Movimento Negro ao longo da nossa história social, política e educacional?”.
“Carômetro” como metodologia de pesquisa
Na primeira fase da pesquisa, foram analisados os seguintes documentos
institucionais: PPCs (Projetos Pedagógicos de Cursos), ementas e as referências
bibliográficas básicas que constam nos currículos das Licenciaturas em Artes
Cênicas da Universidade de Brasília, sob a batuta de Glaucilene Ferreira Soares; da
Universidade Federal da Bahia, sob o comando de Ana Cristina Souza (Zaê Zambê),
e da Universidade Federal de Sergipe, sob a ótica de Yasmim Rabelo, todas
bolsistas vinculadas ao CNPq.
Para essa análise, foi criada pela bolsista Glaucilene Ferreira Soares a
metodologia do “carômetro” a fim de mostrar, por meio de fotos, os rostos que
configuram os currículos das Artes Cênicas nas Instituições Federais, através das
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bibliografias das disciplinas e dos componentes curriculares dos cursos
supracitados, além de detectar a presença do racismo institucional, observando-
se que quase a totalidade dos/as autoras/es é branca.
Para analisar as referências bibliográficas, a partir das fotografias de
autores/as, foram utilizadas como base as normas de bancas de
heteroidentificação, referendando o processo do “carômetro” como uma pesquisa
de imagem feita por meio da internet (Google, Currículo Lattes, Escavador, sites
de Universidades, etc.) na busca pelo nome completo do/a autor/a.
Com esse banco de imagens, foi criado um quadro-síntese com fotos, ficando
nítido quantas pessoas negras e quantas pessoas brancas estruturam os
currículos das Artes Cênicas universitárias no país. Também foi possível perceber
quantos homens e quantas mulheres são referência para a área, assim como suas
localizações geográficas.
A segunda fase da pesquisa com o “carômetro”, mantendo a mesma
metodologia de análise, catalogação e confecção dos mapas visuais dos/as
autores/as, consistiu em propor debates e reflexões sobre os currículos de outras
universidades (UFG – Universidade Federal de Goiás, UFSC – Universidade Federal
de Santa Catarina, e UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul), tendo
como direcionamento as questões das Leis, Pareceres e Resoluções que tratam
das temáticas étnico-raciais na Educação Básica e Superior, com o objetivo de
demonstrar, a partir dos dados analisados, o que existe de conteúdos antirracistas,
além de identificar como o racismo opera dentro dos currículos das Artes Cênicas
na academia13.
Como direcionamento analítico dos documentos dos cursos, fomos
orientados/as a partir das seguintes questões: o que de antirracismo nos
currículos analisados? Quantas/os são as/os autoras/es negras/os que estruturam
13 Como resultado parcial do projeto foi realizado o Seminário Pedagógico: Currículo e Racismo no dia 17 de
agosto de 2023, com o tema Currículo e Artes Cênicas: Considerações Iniciais, com a participação das
bolsistas de Iniciação Científica do CNPq Ana Cristina Souza (Zaê Zambê) (Especialização em Direitos
Humanos e Contemporaneidade pela UFBA em 2020, Licenciatura em Ciências Sociais pela UFBA em 2009
e Licenciatura em Teatro pela UFBA, em andamento); Yasmin Rabelo (atriz e licencianda em Teatro pela
UFS) e Glau Soares (artista preta, licenciada em Artes Cênicas pela UnB, produtora cultural com experiência
em eventos culturais, preparadora de elenco para audiovisual e mestranda em Artes Cênicas pela UnB. Ver:
https://www.youtube.com/@CurriculoAntirracista/streams.
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as referências bibliográficas básicas? Quantas disciplinas abordam em seus
conteúdos assuntos antirracistas?
Para responder a essas perguntas, foram lidos os projetos pedagógicos, as
ementas, as referências bibliográficas e as tabelas que demonstram o quantitativo
de disciplinas obrigatórias dos cursos de Licenciatura em Teatro das Instituições
de Ensino Superior, observando se havia ou não conteúdos afrorreferenciados e
antirracistas.
Tivemos, então, com essa metodologia uma análise do racismo vigente nos
currículos e passamos a entender que, como, nas Artes Cênicas, o que existe é
aquilo que se a ver, possibilitando a criação de imaginários, conhecimentos e
formas pedagógicas de ensino, tais currículos têm um direcionamento intencional
para um tipo de conhecimento único, pautado numa agenda específica: a de
perpetuação de uma ideologia branca, eurocêntrica e racista.
Essas análises, portanto, ampliaram a percepção de que há uma recorrência
narrativa quanto à invisibilidade das questões étnico-raciais nas Instituições de
Ensino Superior, além de um direcionamento político-ideológico em jogo nessas
escolhas. Com isso, fica evidente que, quando existem ausências e lacunas de
referenciais negros e indígenas, as artes podem ser extremamente opressoras e
excludentes.
A análise das ementas curriculares e dos Projetos Pedagógicos de Curso
(PPC’s) das Licenciaturas em Artes Cênicas da UNB, UFG, UFRGS e UFSC revela um
quadro alarmante de desigualdade racial no campo das referências bibliográficas
acadêmicas. Nessas instituições investigadas a presença de autoras/es negras/os
é mínima, diante do predomínio esmagador de referências brancas. Na UnB, por
exemplo, entre 40 disciplinas obrigatórias foram identificadas/os 118 autores
brancos para apenas 2 autoras negras; na UFG, 75 autores brancos para 01 único
autor negro entre 25 disciplinas; e na UFSC, o cenário é semelhante, com 72
autores brancos frente a 3 autoras negras, além de apenas uma disciplina que se
apoia explicitamente em referenciais negros. Mesmo a UFRGS, que apresenta uma
quantidade de referências negras um pouco mais elevada entre as instituições
analisadas, ainda demonstra uma disparidade gritante: 111 autores brancos contra
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6 autoras/es negras/os.
Esses dados evidenciam uma estrutura curricular majoritariamente
eurocentrada, que naturaliza a exclusão das epistemologias negras, não cumpre
as políticas afirmativas de fato e reforça a hegemonia de uma produção de
conhecimento branca e masculina como norma universal. A ínfima presença de
referências negras não é apenas uma questão quantitativa, mas indica um projeto
formativo-genocida que marginaliza outras formas de pensamento e de formação
cênica.
Em perspectiva, essa ausência sistemática de referências negras nos
currículos compromete a formação crítica das/os estudantes, perpetua
desigualdades raciais no campo das artes e silencia a contribuição histórica e
estética de artistas, pensadoras/es negros/as. Assim, os dados não apenas expõem
uma lacuna, mas denunciam uma estrutura excludente que ainda precisa ser
radicalmente revista, caso se pretenda construir uma educação verdadeiramente
plural e antirracista nas Artes Cênicas.
Conclusões nada surpreendentes
Os currículos e PPCs são documentos que apontam o caminho em que os/as
docentes universitários/as irão se basear para construir suas disciplinas e seus
componentes curriculares durante os quatro anos de curso, para que os/as
licenciados/as em Teatro possam relacioná-los com suas experiências
pedagógicas na sociedade como um todo, seja em escolas, Organizações Não
Governamentais, entidades institucionais, espetáculos, debates, simpósios, ou
comunidades, ruas e vielas.
Mas, se, no processo de formação dessas profissões, percebemos que
existe uma história, uma epistemologia (no caso a brancocêntrica) sendo contada
e construída a partir da arte da cena, logo podemos constatar que os currículos
do século XXI apesar de mais de duas décadas da obrigatoriedade da inclusão
de conteúdos negros e indígenas em seus cursos estão prenhes de uma urdidura
racista, contribuindo, consequentemente, com o epistemicídio secular desses
povos.
Entendendo que o racismo é um pacto político-social que determina
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privilégios e benefícios apenas para as pessoas brancas, o racismo institucional e
estrutural faz o mesmo exercício de tentar reduzir e/ou destruir o protagonismo
de pessoas negras em espaços educacionais, de tomada de decisões e de poder,
continuando o ciclo secular de violências e apagamento dessa parcela da
população brasileira.
Apesar das reformulações de PPCs e da Resolução da CNE/CP 01/2004,
que instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e
indígena no Ensino Superior, ainda assim, e infelizmente, pouco se tem avançado
quando pensamos em formas de ensino e aprendizagem pluriepistêmicas e,
quando analisamos os currículos das Artes Cênicas, isso ainda é mais grave, pois
bibliografias negras não alcançam nem 2% (dois por cento) de suas referências
bibliográficas básicas.
São mais de vinte anos de uma das leis mais importantes para as populações
negras e indígenas do Brasil, fruto de séculos de resistência e insistência para que
elas fossem efetivamente criadas na esperança de uma reconfiguração das
instituições educacionais em prol de uma mudança estrutural do quadro da
história da educação, fortalecendo e incluindo a educação racial e indígena no
Brasil em escolas e Instituições de Ensino Superior.
No entanto, ao finalizar esta etapa da presente pesquisa, ficam dúvidas,
questionamentos, tristezas e a percepção de um país racista, sobretudo em sua
filosofia educacional institucional. Com esse mapeamento, as perguntas são
inevitáveis: onde estão os/as autores/as negros/as? Onde estão as referências dos
povos originários? Por que tanto epistemicídio?
Trata-se de mais um flagrante nada surpreendente sobre as formas nefastas
do racismo à brasileira. Não mais como ignorar tanto racismo. É preciso, para
poder lidar com esses apagamentos e reverter esse jogo infame, assumir que o
sistema educacional, de forma escancarada, vem perpetuando esse aniquilamento
das populações negras e indígenas. Autoproclamar-se antirracista ou decolonial
não é suficiente para uma virada epistemológica nas Artes Cênicas.
O que presenciamos são currículos reformulados recentemente, atualizados
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em 2019, por exemplo, maquiados com cara de inclusão e cumprimento das leis,
sem que sejam concretamente aplicadas as indicações legais. Seria por falta de
entender as diretrizes e resoluções governamentais? Onde e como é preciso
avançar? De que maneira a branquitude poderia perceber e trabalhar para que a
educação seja equânime em termos epistemológicos?
O legado escravocrata vivenciado na história do país, legitimando um
imaginário de inferioridade e desqualificação do povo negro até os dias atuais, o
alijou dos lugares de saber e poder, deixando a cargo da branquitude o registro e
a formulação da história do Brasil. Caberia, apenas, à população negra a insistência
em não morrer enquanto coletividade e subjetividade de fazeres e saberes? Seria
somente sua a responsabilidade de ter suas culturas e sua história escritas,
documentadas e praticadas enquanto processo educador? A branquitude que
domina e gira essa roda não deveria ter uma real postura ética para desconstruir
o monstro ceifador de negruras?
A análise curricular dos cursos de Artes Cênicas das Universidades brasileiras
se torna repetitiva, visto que são as mesmas caras (os mesmos caras) que figuram
como cânones da área. Na sua maioria, são homens brancos, estrangeiros, de
óculos. Um mesmo padrão, um mesmo modo operante de formação
praticamente nada de autores/as negros/as.
A pesquisa, consequentemente, apresentou desafios em relação à avaliação
de rostos brancos e rostos negros, e com isso algumas dúvidas surgiram no
processo do “carômetro”: autores/as negros/as de tez clara, fotografias com
efeitos, imagens com resoluções ruins. Com exceção de Conceição Evaristo, Elisa
Lucinda, Kabengele Munanga, Leda Maria Martins, Marcos Alexandre, entre
outros/as, grandes referências pretas, por terem a pele preta, não foram motivo
de dúvidas. Talvez essas questões sejam desafios também para as bancas de
heteroidentificação, que processos de miscigenação são um tema a ser
pesquisado quando se pensa em negritude e branquitude.
As análises curriculares dos cursos de Licenciatura em Artes Cênicas das
Universidades Federais brasileiras pesquisadas tencionam uma proposição
curricular que abranja as questões étnico-raciais e indígenas, fazendo ver que,
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ainda hoje, esses cursos mantêm sua história e perpetuação através de referências
brancas, eurocêntricas e americanizadas.
Dentre os currículos analisados, três mencionam as leis e algumas disciplinas
voltadas para o estudo da cultura afro-brasileira, porém são ilhas num oceano de
conteúdos brancocêntricos. Já na questão indígena, a situação é ainda mais grave.
Por isso a importância e o quanto nos custa debater os currículos das
instituições educacionais do Brasil para esperançar o fim dos racismos
educacionais, artísticos e sociais.
Seguimos com os objetivos de cobrar por referenciais negros, indígenas e
antirracistas em tais cursos, além de continuar denunciando o racismo vigente nos
currículos e nas estruturas institucionais das Artes Cênicas universitárias, o qual,
em pleno século XXI, inviabiliza a aplicabilidade das Leis no 10.639/2003 e
11.654/2008, voltadas ao Ensino Básico, e da Resolução CNE/CP 01/2004, voltada
ao Ensino Superior.
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Universidade do Estado de Santa Catarina
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