
Vegetar o pensamento e a sensibilidade por plantropocenos possíveis
Daniela Cassinelli
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-13, dez. 2025
de profundas, e emaranhadas, histórias” (Van Dooren; Kirksey; e Münster, 2016,
p.41). Como aponta Ailton Krenak, “nas narrativas de mundo onde só o humano
age, essa centralidade silencia todas as outras presenças” (Krenak, 2022, p.37).
Como, então, tornar a ouvir essas outras presenças, especialmente as plantas?
Como mobilizar o pensamento vegetal, como provoca Evando Nascimento?
“Importam quais estórias produzem mundo, quais mundos produzem
estórias”, diz Donna Haraway (2023, p.27). Ursula Le Guin sabia disso, ao
questionar-se sobre a história do herói, aquele que dispõe de uma lança e vai atrás
de aventuras, como caçar mamutes. Em contraposição à narrativa do herói, com
suas varas e lanças e espadas, Le Guin apresenta a narrativa como bolsa, cabaça,
rede. Ao contrário do que se pensa, o principal alimento dos seres humanos nos
períodos da dita pré-história eram vegetais, não animais. Isto significa que a
primeira tecnologia humana provavelmente foi um recipiente e não uma arma,
algo para que se pudesse armazenar sementes, folhas, nozes.
Se ser humano significa fazer uma arma e matar com ela, então eu não era
humana, declara Le Guin. No entanto, se ser humano significa coletar algo
comestível ou belo e guardá-lo em um saco, bolsa, casca ou rede, então, enfim,
poderia ser humana. “É a história que faz a diferença. É a história que escondeu
minha humanidade de mim, a história que os caçadores de mamutes contaram
sobre atacar, empurrar, estuprar, matar, sobre o Herói” (Le Guin, 2021, p.21). A
história do assassino. A história do colonizador. Não a história da vida.
Enquanto ouvíamos as palavras de Le Guin, costurávamos bolsas em uma
sala modesta do Instituto de Psicologia. Esse exercício de ouvir uma história
enquanto se tece é uma prática ancestral associada ao dom narrativo. Segundo
Walter Benjamin (1985, p.205):
Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde
quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque
ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. Quanto mais o ouvinte
se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é
ouvido. Quando o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as
histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-
las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo. E assim
essa rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida, há
milênios, em torno das mais antigas formas de trabalho manual.