1
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar:
experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito
Ana Beatriz Gonçalves Santos
Paloma Pincó de Oliveira
Para citar este artigo:
BRITO, Nayara Macedo Barbosa de; SANTOS, Ana Beatriz
Gonçalves; OLIVEIRA, Paloma Pincó de. Terreiro do brincar,
terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura
em Teatro da URCA.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0302
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
2
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA1
Nayara Macedo Barbosa de Brito2
Ana Beatriz Gonçalves Santos3
Paloma Pincó de Oliveira4
Resumo
Propomos retomar as experiências de ensino-aprendizagem realizadas no âmbito de um
componente curricular do Curso de Licenciatura em Teatro da URCA. Tomando como faróis
de orientação epistemológica as reflexões que Luiz Rufino (2019) e Luiz Antonio Simas (2019)
vêm animando no campo da Educação decolonial nos últimos anos, chegamos a duas
diferentes proposições pedagógicas: numa delas, brincadeiras de rua foram adotadas como
ferramenta educativa para trabalhar as relações entre infâncias e cidade; na outra, o contato
com um mestre do saber popular se desdobrou em práticas artístico-pedagógicas de Teatro.
São essas proposições que apresentamos e discutimos nesta ocasião.
Palavras-chave:
Educação decolonial. Formação docente. Teatro.
Playing land, ancestor land: experiences in the Theatre Teacher Education program at URCA
Abstract
We propose to revisit the teaching-learning experiences carried out within the scope of a
curricular component of the Theatre Teacher Education Program at URCA. Taking as
epistemological guiding lights the reflections developed by Luiz Rufino (2019) and Luiz
Antonio Simas (2019) in the field of decolonial education in recent years, we arrived at two
different pedagogical propositions: in one of them, street child plays were adopted as an
educational tool to explore the relations between childhoods and the city; in the other one,
the contact with a master of popular knowledge unfolded into artistic-pedagogical practices
in Theatre. These are the propositions we present and discuss on this occasion.
Keywords
: Decolonial education. Teacher training. Theater.
Patio del jugar, patio de ancestralizar: experiencias en el curso de Licenciatura en Teatro de la URCA
Resumen
Proponemos retomar las experiencias de ensino-aprendizaje realizadas en el marco de un
componente curricular de la Licenciatura en Teatro de la URCA. Tomando como faros de
orientación epistemológica las reflexiones que Luiz Rufino (2019) y Luiz Antonio Simas (2019)
vienen animando en el campo de la educación decolonial en los últimos años, llegamos a
dos diferentes proposiciones pedagógicas: en una de ellas, los juegos de calle fueron
adoptados como herramienta educativa para trabajar las relaciones entre infancias y ciudad;
en la otra, el contacto con un maestro del saber popular se desdobló en prácticas artístico-
pedagógicas de Teatro. Son estas proposiciones las que presentamos y discutimos en esta
ocasión.
Palabras clave
: Educación decolonial. Formación docente. Teatro.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Andrezza Maria Gomes Cachoeira. Bacharelado em
Letras pela Universidade Federal de Pernambuco.
2 Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado em Artes Cênicas pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Profa. Adjunta I do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Regional do
Cariri (URCA). nayara.macedo@urca.br
http://lattes.cnpq.br/7520909340905274 https://orcid.org/0000-0003-2458-2714
3 Graduanda em Teatro pela Universidade Regional do Cariri (URCA). ana.beatriz1@urca.br
http://lattes.cnpq.br/0832036985640291 https://orcid.org/0009-0004-5803-5721
4 Graduanda em Artes Visuais pela Universidade Regional do Cariri (URCA). paloma.pianco@urca.br
https://lattes.cnpq.br/6265689240897341 https://orcid.org/0009-0006-1867-3037
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
3
Propomos, no espaço deste artigo escrito a seis mãos por uma professora e
duas estudantes, retomar as experiências de ensino-aprendizagem realizadas no
âmbito de um componente curricular optativo do Curso de Licenciatura em Teatro
da Universidade Regional do Cariri, nos semestres letivos de 2024.1 e 2024.2. Antes
de abordarmos essas experiências, no entanto, gostaríamos de situá-las no
contexto do currículo do atual Projeto Pedagógico do Curso, em voga desde 2019.
Esse currículo possui, como parte do chamado Núcleo de Formação Didático-
Pedagógica, componentes obrigatórios a exemplo de Culturas Ameríndias (60h) e
Cultura Africana e Afro-Brasileira (60h), que se apresentam como fundamentais
para que as pessoas egressas estejam preparadas para cumprir, por exemplo, o
que dispõe a Lei 11.645/2008, que alterou a LDB, tornando obrigatória a inclusão
das histórias e culturas afro-brasileira e indígena no currículo oficial da educação
básica no país.
Não obstante esses componentes, no chamado Núcleo de Formação
Optativa do Curso, consta a oferta de dois Tópicos Especiais em Formação
Didático-Pedagógica (60h), cujas ementas preveem a “Investigação aprofundada
de temáticas específicas em Formação Didático-Pedagógica, permitindo a
atualização constante de seus conteúdos e o aprofundamento em áreas de
interesse dos corpos discente e docente” (URCA, 2018, p. 68).
Aproveitando a oportunidade da abertura dada pela ementa do referido
componente, e em se tratando de um Curso de Licenciatura, isto é, de formação
docente, decidimos orientar nossa discussão para o campo da Educação
decolonial. Em ambos os semestres letivos em que ministramos o componente,
iniciamos com a partilha de nossas próprias experiências com educação da
professora e das estudantes matriculadas –, compartilhando relatos mediados por
alguns exercícios-estímulo para refletir, ao final, sobre as implicações de cada uma
dessas experiências nas nossas trajetórias pessoais, como estudantes, docentes e
cidadãs no mundo.
Essa provocação inicial foi didaticamente proposta como prática
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
4
sensibilizadora para adentrarmos na leitura da Introdução do livro
Ensinando a
transgredir
:
a educação como prática da liberdade
, tomando a experiência descrita
ali, por bell hooks (2013), como ponto de partida para toda a discussão desdobrada
ao longo das aulas seguintes. Nesse texto, hooks (2013), uma das principais
referências no campo da Educação na contemporaneidade, faz um relato bastante
representativo da diferença entre uma educação pensada como prática da
liberdade e uma educação voltada para o reforço do sistema de dominação e,
no seu caso, da infeliz passagem de um paradigma a outro.
A autora conta que, quando criança, no contexto do
apartheid
no sul dos
Estados Unidos, frequentou uma escola de segregação que recebia apenas
estudantes negras/os e cujo quadro docente era quase completamente formado
por professoras negras, que tinham um “zelo messiânico” por transformar a vida
das/os estudantes.
Aprendemos desde cedo que nossa devoção ao estudo, à vida do
intelecto, era um ato contra-hegemônico, um modo fundamental de
resistir a todas as estratégias brancas de colonização racista. Embora não
definissem nem formulassem essas práticas em termos teóricos, minhas
professoras praticavam uma pedagogia revolucionária de resistência,
uma pedagogia profundamente anticolonial (hooks, 2013, p. 10-11).
Hooks conta que esse projeto anticolonial teve fim com as políticas de
integração racial. Paradoxalmente, não porque tal perspectiva não se fizesse mais
necessária, mas porque, nas escolas frequentadas por estudantes de ambas as
raças, negra e branca, a educação era praticada como um sistema bancário
(expressão que a autora adota em franco diálogo com Paulo Freire [2019]), com o
conhecimento se resumindo a pura informação e os professores, brancos,
reforçando estereótipos racistas.
Nesse ponto de seu relato, hooks aponta para uma questão que passamos a
perseguir no componente de Tópicos Especiais em Formação Didático-
Pedagógica. A autora afirma que, quando estudava na escola de segregação racial,
com professoras e colegas negras/os, no seu bairro de origem, ir para a aula “era
pura alegria. [...] A escola era o lugar do êxtase do prazer e do perigo” (hooks,
2013, p.11). Por sua vez, na escola de integração racial, foi o tédio que se colocou à
frente do entusiasmo experienciado antes.
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
5
Dando um salto no tempo e no espaço de nossas referências, chegamos, a
partir desse relato-paradigma-ponto de partida, nas reflexões que dois
professores e pensadores brasileiros vem animando (a palavra não poderia ser
mais adequada) nos últimos anos: Luiz Rufino e Luiz Antonio Simas. A lógica
colonial operada nas escolas sob a forma que, outrora, Paulo Freire (2019) chamou
de “educação bancária”, na qual se estimula apenas a memorização e posterior
uso de informações (hooks, 2013, p. 14); Rufino (2019, p. 269) a critica na medida
em que entende que essa lógica credibiliza o sujeito apenas enquanto uma peça
produtiva da engrenagem capitalista, “engendra[ndo-o] na condição permanente
de desencante”. Como, então, tornar a sala de aula – ou, de maneira mais ampla,
os ambientes de aprendizagem – um espaço de entusiasmo e encantamento?
Brincadeiras de rua como ferramenta educativa
Ao longo do nosso desenvolvimento, ainda crianças, somos ensinadas que
nem tudo é brincadeira, que certas coisas precisam ser entendidas de forma séria
isto é, desencantada. A pergunta “quer que eu desenhe?”, por exemplo, é motivo
de chacota para quem não entendeu alguma coisa. Mas onde está o problema em
se desenhar para que alguém possa compreender melhor? Esse exemplo traduz
como as formas de aprendizagem com que temos contato em nossa
escolarização são rígidas, não abrindo espaço para outras possibilidades de se
aprender. À medida que vamos nos tornando adolescentes e, depois, adultas, fica
ainda mais forte a ideia (e a prática) de que não podemos aprender brincando,
desenhando, se divertindo. Para algumas pessoas, a educação como encante
preconizada por Simas e Rufino (2020) se apresenta como algo inferior.
Nas brincadeiras de rua, paralelamente à vivência na escola, a criança
aprende com o Outro, com as regras do jogo e com a quebra dessas regras e
isso também é educação. Não é apenas a sala de aula, não é apenas um espaço
formal de ensino muitas vezes “quadrado” em sua forma e conteúdo – que faz
a educação, mas as pessoas, independentemente de onde estejam. Para Simas
(2019), em
O corpo encantado das ruas
, a escola é, geralmente, normativa,
padroniza comportamentos e corpos, ao contrário da rua, que permite o convívio
entre os diferentes. O encantamento estaria, então, no conhecimento que cada
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
6
ser humano é capaz de produzir através da própria experiência e que é diferente
daquele adquirido através da educação colonial, repassado de forma
sistematizada e fragmentada. Nas vivências pessoais, o conhecimento que vem do
contato verdadeiro com o Outro traz de volta o encante.
A partir da leitura do livro indicado acima, uma primeira aula do componente
de Tópicos Especiais em Formação Didático-Pedagógica, ministrada no semestre
letivo de 2024.2, foi realizada fora da sala de aula, na área aberta do Centro de
Artes da URCA. Ali, ao ar livre, sobre o chão de terra e cercadas de verde, pudemos
disponibilizar os nossos corpos para relembrar brincadeiras de rua praticadas em
nossas infâncias... e brincar. Reativamos em nossos corpos-mentes clássicos
como “pega-pega”, passando pela variação do “trisca-atrepa” e por outras
brincadeiras, como as que envolvem um bater ritmado de mãos enquanto se canta
cantigas como “Aranha Caranguejeira”, “Soco-soco, Bate-bate”, “Com quem será?”,
etc. Tomamos um tempo da nossa manhã para nos entregar e atualizar essas
memórias. Ao final, refletimos: como estamos nos sentindo agora, após
brincarmos/jogarmos? Como nos sentimos durante as brincadeiras? Como ficou
nossa relação com o tempo e o mundo fora? Que ensinamentos podemos
adotar para nossa prática como docentes?
A dificuldade que percebemos em lembrar das brincadeiras, isto é, em
lembrar como se brinca, nos levou a pensar que o corpo adulto, mesmo o de
docente e estudantes de um centro de artes, não está mais acostumado a se
entregar ao lúdico em sua rotina, principalmente na vida acadêmica. Foi
interessante fazer o nosso corpo acessar novamente esses movimentos e notar o
quanto as brincadeiras são um dos principais meios pelos quais o ser humano
começa a sua socialização, sendo através delas que conhecemos outras pessoas
e, com isso, outras formas de aprendizagem.
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
7
Figura 1 - Arte de divulgação da aula aberta
ministrada por Paloma Piancó
Aqui, peço a licença para assumir a primeira pessoa neste relato: inspirada
por essa manhã e pela leitura de
O corpo encantado das ruas
, ao elaborar o plano
de aula que eu deveria apresentar e aplicar à guisa de primeira atividade avaliativa
do componente, busquei discutir um pouco mais a respeito das “Brincadeiras de
rua como ferramenta educativa” – tema-título que atribuí à minha aula. O objetivo
foi refletir sobre a importância das brincadeiras de rua que experimentamos na
infância, e que seguem ao nosso dispor, mas que não são valorizadas como um
instrumento de aprendizagem.
O tema escolhido para essa aula-exercício foi estimulado pelo
atravessamento que a leitura do capítulo “A cidade e as crianças”, do livro de Simas
(2019), provocou em mim. Percebi que algo em mim já se conectava com o tema
da importância das brincadeiras em nossas vidas e como elas, de certa forma, nos
ensina(ra)m algo, principalmente sobre a nossa convivência com o Outro. Mas
através dos estudos nesse componente curricular pude me dar conta de que o
aprendizado com as brincadeiras vai além do “aprender brincando”, isto é, que
essa prática se configura, também, como uma ação decolonial.
Nesse sentido, na aula que ministrei no dia 10 de abril de 2025, iniciamos
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
8
ativando um pouco da nossa memória, escrevendo como se davam as brincadeiras
na nossa infância, atentando, inclusive, para as diferenças geracionais. Ao
compartilhar os escritos, na sequência, comentamos sobre a figura do “café com
leite”, que é aquela pessoa que, nas brincadeiras, é dispensada de seguir todas as
regras, em geral, por ser a mais nova do grupo. Refletimos como, até uma certa
idade, ser café com leite é um privilégio, mas que, quanto mais preparada a pessoa
se sente para jogar de “igual para igual”, ser atribuída a esse lugar se torna uma
frustração, quando não uma ofensa. Frustração, decepção… Esse primeiro
momento da aula nos levou a refletir que, muito além do prazer, essas
experiências/sentimentos também existem no jogo, funcionando, desse modo,
como um espaço de aprendizagem.
Outro tópico levantado em nossos escritos foram os conflitos
intersubjetivos. Nós recordamos que, nos jogos, também existiam regras,
impostas, geralmente, pela pessoa mais velha do grupo e que, dependendo da
brincadeira, havia exclusões e até injustiças, mas que essas diferenças, na maioria
das vezes, eram resolvidas brincando. Entendemos, assim, que o brincar pode não
ser apenas um ato de diversão, mas um espaço de construção e respeito ao jogo;
muitas vezes é a partir do conflito que se constrói um aprendizado. Esse
entendimento é partilhado por Simone Silva e Theles Costa (2020) no artigo
A
importância dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil
, que também tomamos
como referência para a elaboração do nosso plano de aula.
Com as brincadeiras, a criança torna-se capaz de explorar e refletir sobre
a realidade em que estão inseridas, buscando soluções e hipóteses para
possíveis conflitos e questionando algumas regras, incorporando valores,
apropriando-se de diversas linguagens corporais, promovendo a
autoimagem, autoestima e conduzindo a imaginação e criatividade,
permitindo assim a constituição de um pensamento crítico e uma visão
ampla (Silva; Costa, 2020, p. 85).
Na sequência de nossa aula, exibimos um trecho de uma entrevista5 com
Simas, em que o autor levanta alguns pontos discutidos no livro que tomamos
como referência. O que ele lamenta é justamente o fato de as ruas, espaço ímpar
para a realização das brincadeiras da/na infância, terem se desencantado. Antes
5 Disponível em: https://youtu.be/YEqjiNQb7IA?si=0Ox0CrIt1EuZ-oCS. Acesso em: 15 set. 2025.
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
9
lugares de encontro, hoje são apenas lugares de passagem para carros e
mercadorias, enquanto o terreiro de brincar se transmutou na tela do celular,
dentro das nossas casas protegidas por grades.
A contrapelo dessa experiência de desencantamento, finalizamos a aula com
um exercício prático, elegido a partir de uma busca feita em diferentes sites6 sobre
brincadeiras tradicionais de origem africana e indígena. O exercício proposto foi a
construção de uma peteca. Embora conhecida por muitos, poucas pessoas sabem
de sua origem indígena tupi, com a palavra significando “tapear”.
Após cada uma construir sua própria peteca com materiais recicláveis
jornal, sacolas plásticas, mas também papel alumínio e fita adesiva, para um
melhor acabamento –, tiramos o momento final da aula para jogarmos com elas.
Agora, com o espírito mais livre e certas de que o terreiro do brincar na rua, no
pátio ou na sala de aula – pode encantar os processos de ensino-aprendizagem.
Corpo-Território
Nem de brincadeiras de rua vivem as reflexões de Luiz Antonio Simas.
Profundamente atravessado pelas manifestações culturais e religiosas populares
brasileiras, o autor nos estimula, no mesmo livro mencionado antes (Simas, 2019),
a buscar o encantamento nessas tradições. Foi com esse enfoque que, no
componente ministrado no semestre letivo anterior (2024.1), realizamos uma visita
a um mestre de saber popular da região do Cariri cearense: o mestre Aécio de
Zaira. O contato direto com ele, no espaço onde atua (a PROCEM/Casa Luz), foi
proposto como metodologia de investigação, através da qual buscamos identificar
os princípios que orientam suas práticas e levá-los para o ensino de Teatro,
utilizando-os na estruturação de procedimentos que organizem práticas artístico-
pedagógicas dentro dessa linguagem.
6
10 brincadeiras africanas e indígenas para explorar na escola
. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/18551/5-brincadeiras-africanas-para-voce-ensinar-aos-seus-
alunos?gad_source=1&gclid=CjwKCAjw47i_BhBTEiwAaJfPpnLyISxjQXGUAfbLfmBW0bUFqzG6DAvlSFt4jKcwO
dUithTQG2sXKRoC2ggQAvD_Bw; e Catálogo de jogos e brincadeiras africanas e afro-brasileiras. Disponível
em: https://anansi.ceert.org.br/biblioteca-pdf/catalogo-jogos.pdf. Acesso em: 06 abr. 2025.
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
10
Figuras 2 e 3 - À esquerda, o mestre Aécio de Zaira em seu ateliê, em visita realizada no dia
1 nov. 2024. À direita, uma das estruturas criadas por ele. Fotos: Nayara Brito.
Na tarde que passamos com o mestre Aécio, ele compartilhou memórias da
sua infância, explicando-nos sua árvore genealógica, sua ancestralidade e
espiritualidade afro-indígena como precursoras do seu fazer artístico. Após um
primeiro momento de conversa, ele abriu o seu ateliê e nos mostrou o trabalho
que realiza como
luthier
e como professor em oficinas de construção de
instrumentos musicais a partir de materiais reciclados. Mas, algo particularmente
interessante de observar, em especial para uma turma de um curso de Teatro, foi
que, além dos inúmeros instrumentos dispostos ali, havia também estruturas
multifacetadas (ver foto à direita acima, na Figura 3) criadas pelo mestre, que as
utiliza nos espetáculos cênico-musicais que elabora (ver Figuras 4 e 5).
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
11
Figuras 4 e 5 - Performance “Nave”. Apresentação realizada no dia 12 set. 2025 na Galeria
da RFFSA, Crato (CE). Acima, elenco da performance. Abaixo, em destaque,
mestre Aécio em performance. Fotos: Nayara Brito.
Na aula seguinte à visita ao mestre, a proposta foi que retomássemos a
experiência daquele encontro, identificando os seguintes princípios a partir de sua
fala e de seu trabalho: coletividade/cooperatividade, ludicidade e magia. Na
sequência, realizamos uma prática de improvisação a partir do seguinte pré-texto:
um grupo de animais está migrando de um território para outro. De repente, um
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
12
dos animais se machuca e não pode seguir caminhando. O que o grupo faz? Deixa-
o para trás ou encontra uma forma de carregá-lo?7 Na instrução do improviso, foi
indicada a impossibilidade de usar as mãos e a fala verbal, devendo o problema
ser solucionado apenas com o corpo. Esperava-se, com isso, o desenvolvimento
da cooperação para a resolução de um problema dado. Assim foi que princípios
observados na prática de um mestre do saber popular foram organizados em uma
prática de ensino-aprendizagem de Teatro.
Aqui, também peço a licença para assumir a primeira pessoa neste relato.
Mais do que os aspectos pedagógicos que eu pudesse (e pude) desenvolver, a
experiência nesse componente, associada a de outro que cursei no mesmo
semestre, voltado para a construção de processos de encenação, e associada à
minha vivência no Terreiro de Umbanda Reino de Oxalá e Caboclo Cobra Coral
(Crato-CE), mobilizaram a prática artística que desenvolvi a partir dali.
Percebi como, em terreiros como o do mestre Aécio e como o religioso, que
frequento, o “material pedagógico” não é um livro, mas a voz, a voz dos mais
velhos, a voz das entidades e que, mesmo elas, com seus graus de evolução
elevadíssimos, falam o simples para que a gente entenda o que elas estão falando
e, com toda a humildade do mundo, ainda perguntam: “Fez o entendedor?”. Se a
resposta for não, elas ensinam que pito é cigarro, que casuá é casa/terreiro, e tôco
é vela; que Ajeum está relacionado com a comida e que gimbo é dinheiro.
Dentro das religiões de matrizes africanas, uma relação muito forte com
os mais velhos, eles são uma biblioteca viva de conhecimentos e fundamentos e
é através deles que o nosso Orí é fortalecido, porque representam a nossa
ancestralidade. Foi a partir desse entendimento que passei à construção de um
exercício cênico o qual intitulei “Corpo-Território”.
A dramaturgia desse exercício foi inspirada na história de uma personagem
de um livro que escrevi: a história de Babi, criança de 11 anos que perde o pai,
Chico, no mar. Um velho pesqueiro havia dado um aviso para esse pai, também
ele pescador; isto é, havia falado que não se pescava à noite e que o mar tinha
suas armadilhas. Mas Chico não ouviu o pescador experiente e acabou se
7 Esse pré-texto foi inspirado na peça didática
Aquele que diz sim e Aquele que diz não
, de Bertolt Brecht.
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
13
perdendo nas profundezas. Ao buscar recuperá-lo, Babi passa três dias à deriva
até que um grupo de pescadores a resgatam e a levam para uma vila. Lá, ela é
entregue a uma mãe de santo, que termina de criá-la.
No exercício cênico, composto por nove solilóquios, além da perspectiva da
filha, a versão de diferentes pescadores em relação à partida de Chico, assim
como a perspectiva do próprio pai que, na primeira cena, desencarnado, conta
onde foi parar. No entanto, mais do que as narrativas trazidas por cada
personagem, as cenas possuem uma visualidade e uma corporeidade que dizem
muito fortemente da matriz cultural à qual estão vinculadas.
Figura 6 e 7 - À esquerda, o ator Francisco Moisés em cena como "O Desencarnado"
(Chico) em
Corpo-Território
. À direita, a diretora e atriz Bhia Müller (nome artístico de Ana
Beatriz Gonçalves) como "O Berimbau que conta o passado", no mesmo exercício cênico.
Fotos: Cecília Maria
A cena em que atuo (Figura 7 à direita), por exemplo, é toda construída a
partir de danças e de músicas que vão compondo uma dramaturgia que não se
estrutura a partir da narrativa de um pescador, mas que, num movimento-tempo
espiralar (Martins, 2021), aponta para o sangue derramado durante a época da
escravidão no Brasil, para a resistência do povo negro, para a perseguição aos
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
14
capoeiristas e para a fuga para os quilombos. Os figurinos e adereços cênicos
adotados localizam a cena no campo imagético das religiões afro-brasileiras. O
chapéu de palha, em especial, carrega significados simbólicos poderosos dentro
de várias tradições espirituais e culturais. Na Umbanda, ele é comumente
associado ao orixá Omolu e traz consigo a ideia de proteção espiritual contra
energias negativas, que o chapéu cobre a cabeça, considerada o centro da
consciência e da espiritualidade em muitas crenças.
Corpo-Território
não é um exercício cênico, não é só uma pesquisa. É uma
prática de
alembramento
. É sobre todos aqueles que pisaram nessa terra e foram
para debaixo dela de forma muito violenta; é de todos aqueles que não puderam
usar suas vozes, dançar o seu coco, bater a sua macumba, balançar seu maracá.
Conclusão
Refletindo sobre os impactos da colonialidade, no artigo
Pedagogia das
Encruzilhadas: Exu como educação
, Rufino (2019, p. 265) ressalta três aspectos
que considera emergenciais para a transgressão a esse modelo: “o primeiro é [...]
que a problemática da política do conhecimento é também étnico-racial, o
segundo é o fortalecimento de um modo de educação intercultural e o terceiro
são as elaborações de pedagogias decoloniais”.
No âmbito das experiências de ensino-aprendizagem aqui discutidas, os
aspectos destacados acima foram abrangidos a partir de uma variedade de
práticas resultadas não apenas do arcabouço teórico que as embasou, mas,
fundamentalmente, pelo encontro entre a docente e cada estudante matriculada
no componente Tópicos Especiais em Formação Didático-Pedagógica (I e II). A
valorização da presença de cada pessoa em sala de aula e a tomada de suas
contribuições como recursos (hooks, 2013) conduziram os processos pedagógicos
mais entusiasticamente, mais “encantatoriamente”.
O caráter decolonial das pedagogias que elaboramos conjuntamente passou
tanto pelo aspecto étnico-racial, na medida em que o tema das religiões de
matrizes africanas atravessou toda a discussão do componente ministrado em
2024.1, tornando-se o cerne do processo criativo empreendido pela estudante no
mesmo período; como pelo aspecto intercultural, na medida em que professora e
Terreiro do brincar, terreiro de ancestrar: experiências no curso de Licenciatura em Teatro da URCA
Nayara Macedo Barbosa de Brito | Ana Beatriz Gonçalves Santos | Paloma Pincó de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
15
estudantes advínhamos de diferentes estados brasileiros e tínhamos diferentes
experiências culturais e, em especial, religiosas, e em que essas diferenças foram
consideradas na construção do conhecimento as diferentes proposições
pedagógicas resultantes dos respectivos semestres letivos sendo prova disso.
Esperamos, com este relato-discussão, contribuir com o campo da Educação
investida em práticas de liberdade e encantamento e que tem na decolonialidade
a saída mais promissora. No que diz respeito aos cursos de formação docente, em
especial na área de Artes, essa perspectiva (a)parece, agora, incontornável.
Sigamos no seu encalço.
Referências
FREIRE, Paulo.
Pedagogia do oprimido
. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2019.
hooks, bell.
Ensinando a transgredir
: a educação como prática da liberdade. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
MARTINS, Leda Maria.
Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela
.
Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
RUFINO, Luís; SIMAS, Luiz Antonio.
Encantamento
: sobre política de vida. Rio de
Janeiro: Mórula editorial, 2020.
RUFINO, Luiz. Pedagogia das Encruzilhadas: Exu como educação.
Revista Exitus
,
Santarém, v.9, n. 4, p.262-289, out./dez. 2019.
SILVA, Simone; COSTA, Thales. A importância dos jogos e brincadeiras na Educação
Infantil.
Revista MultiAtual
, Formiga, v.1, n. 4, p.82-95, 2020.
SIMAS, Luiz Antonio.
O corpo encantado das ruas. Rio de Janeiro
: Civilização
Brasileira, 2019.
UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI (URCA).
Projeto Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Teatro
. Crato, 2018. Documento interno.
Recebido em: 18/09/2025
Aprovado em: 07/11/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
Centro de Artes, Design e Moda CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br