
Mojuba ara! Convocando os saberes corporais e ancestrais da diáspora africana
Laís Salgueiro Garcez
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-17, dez. 2025
da mojuba ara como uma ação provocadora das hegemonias epistêmicas, como
uma ação que quer dar eco a tantas vozes/corpos e experiências que, no campo
da dança, já vem abrindo os caminhos para pensarmos novas histórias das danças,
formas outras de compreender o corpo e, enfim, de combater o racismo ainda
presente. Para seguir Mojubando, trago algumas das minhas experiências e
reflexões nas e das danças afrodiaspóricas.
Em ocasião do doutorado em Artes Cênicas na UNIRIO, debrucei-me em
compreender alguns gestos da dança da avamunha11que, em sua execução,
sinaliza distintas partes do corpo. Observá-los, enquanto uma linguagem não
verbal, apontou para “gramáticas das corporeidades da afrodiáspora” (Tavares,
2020), que nos fazem perceber que os movimentos carregam suas epistemologias,
deixam suas pegadas12 por toda a diáspora e nos ajudam a refletir sobre a estética
das danças negras. Para esse debate, tomo como exemplos, os gestos da dança
da avamunha em que as mãos tocam a cabeça e depois o coração13. Se numa
perspectiva moderna ocidental, a cabeça faz referência à razão contrária à emoção
de domínio do corpo (e também do coração), o que vemos nas cosmologias
afrodiaspóricas é que essas duas partes integram um todo, onde razão e emoção
não são opostas, onde cabeça e coração dançam em diálogo com o toque dos
tambores e se integram com o ambiente através das relações sociais e práticas
corporais que sustentam um coletivo.
Assim, em termos filosóficos afro-orientados, tal como exemplifica a dança
da avamunha, cabeça e coração são constantemente reverenciados como áreas
11 A avamunha é um toque e dança ritual originalmente dos Candomblés Jejê representando a viagem de Iroko
pelo mundo e que foi incorporada nas casas de Candomblé Keto abarcando alguns sentidos para os adeptos
da religião e ocorrendo em momentos cerimoniais importantes, como a suspensão de um ogan ou ekedi e
no final dos xirês guiados pelo pai ou mãe de santo. Um dos sentidos da avamunha faz referência às viagens
nos navios negreiros e às interdições sofridas pelos negros africanos no período da colonização. A dança é
caracterizada por uma sequência de gestos, que variam de terreiro para terreiro, e que acontecem no diálogo
intrínseco com as variações do rum – tambor grave – da orquestra de atabaques do terreiro de Candomblé.
12 De acordo com o martinicano Edouard Glissant (2006), “A pegada é para o caminho o mesmo que a rebelião
à intimação, que a alegria a uma paulada. Esses africanos escravizados que foram às Américas, levaram
com eles, para além das Águas Imensas, a pegada de seus deuses, de seus hábitos, de suas línguas.
Confrontando a desordem implacável do colonizador, tiveram tal condição, trançada com os sofrimentos
que padeceram, que souberam fecundar essas pegadas, criando – mais do que uma síntese – resultados
que nos deixam surpreendidos. (Glissant, 2006, p. 22-23)
13 Por exemplo, na sequência da avamunha dançada pelo Babá egbé Leandro Encarnação da Mata do Ilê Axé
Oxumarê, o toque das mãos na cabeça representa o impedimento de pensar que foi imposto pelos
colonizadores. E o toque das mãos no coração representa impedimento de amar. Ver vídeo Disponível em:
https://bit.ly/3YNBaVA. Acesso em: 19 set 2025.