1
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos -
contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Para citar este artigo:
RODRIGUES, Roberto. Danças afrodiaspóricas em contextos
urbanos - contribuições para a formação em dança no
tempo presente.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0119
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
2
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no
tempo presente1
Roberto Rodrigues2
Resumo
O presente artigo tem como objetivo contextualizar e discutir contribuições em torno das
investigações e pesquisas sobre danças afrodiaspóricas em contextos urbanos para a
formação em Dança, buscando compreender suas características, cruzamentos e desafios a
fim de ampliar e complexificar processos que se relacionam a modos de ensinar-aprender
danças. Para tanto, o texto destaca algumas danças afrodiaspóricas, suas características e
traços estéticos reminiscentes do continente africano, bem como se propõe a refletir sobre
as especificidades dos saberes-fazeres afrodiaspóricos que nos permitem compreender as
contribuições para a formação, no contexto de um curso superior em Dança.
Palavras-chave
: Danças afrodiaspóricas. Contextos urbanos. Reminiscências e traços
africanos. Formação em Dança.
Afro-diasporic dances in urban contexts - contributions to dance education in the present time
Abstract
The present article aims to contextualize and discuss contributions around the investigations
and research on Afro-diasporic dances in urban contexts for Dance education, seeking to
understand their characteristics, intersections, and challenges in order to expand and
complexify processes related to ways of teaching-learning dances. To this end, the text
highlights some Afro-diasporic dances, their characteristics, and aesthetic traits reminiscent
of the African continent, as well as proposes to reflect on the specificities of Afro-diasporic
knowledge-practices that allow us to understand their contributions to education in the
context of a higher education course in Dance.
Keywords:
Afro-diasporic dances. Urban contexts. Reminiscences and African traits. Dance
education.
Danzas afrodiaspóricas en contextos urbanos - contribuciones para la formación en danza en el
tiempo presente
Resumen
El presente artículo tiene como objetivo contextualizar y discutir contribuciones en torno a
las investigaciones y estudios sobre danzas afrodiaspóricas en contextos urbanos para la
formación en Danza, buscando comprender sus características, cruces y desafíos en busca
de ampliar y complejizar procesos que se relacionan con modos de enseñar-aprender
danzas. Para ello, el texto destaca algunas danzas afrodiaspóricas, sus características y
rasgos estéticos reminiscencias del continente africano, así como se propone reflexionar
sobre las especificidades de los saberes-haceres afrodiaspóricos que nos permiten
comprender las contribuciones para la formación en el contexto de un curso superior en
Danza.
Palabras clave
: Danzas afrodiaspóricas. Contextos urbanos. Reminiscencias y rasgos
africanos. Formación en Danza.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual realizada por Cristina Aparecida Leite. Licenciada em Letras pela Universidade
Católica de Brasília.
2 Doutorando em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB). Mestrado em Performances Culturais pela Universidade
Federal de Goiás (UFG). Especialização em Pedagogias da Dança ela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).
Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Prof. Na graduação em Artes/Dança no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, e do Mestrado Profissional em Artes Prof. - Artes.
robertoporqua@gmail.com http://lattes.cnpq.br/0721571482875890 https://orcid.org/0000-0002-9862-561X
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
3
Introdução
O presente texto tem como objetivo contextualizar e discutir algumas
contribuições em torno das investigações e pesquisas sobre danças
afrodiaspóricas na formação em Dança, suas singularidades no que tange às
reminiscências africanas em contextos urbanos, compreendendo suas
características, cruzamentos e desafios em busca de ampliar e complexificar
processos que se relacionam a modos de ensinar-aprender danças.
Para tanto, lança-se ao desafio de questionar como as especificidades do
universo dos saberes-fazeres afrorreferenciados, das danças afrodiaspóricas,
podem alargar as nossas práticas, experiências e percepções em torno do dançar,
das identificações e modos de pertencimento correlacionando os contextos
urbanos, das periferias, com os ambientes acadêmicos, particularmente com
experiências de formação superior, no contexto do curso de Licenciatura em
Dança do Instituto Federal de Goiás – Campus Aparecida de Goiânia.
As danças afrodiaspóricas constituem-se ético-estético-politicamente como
manifestações de resistências, criatividades e insurgências ao serem fabricadas e
reapropriadas a partir da incorporação, das misturas e cruzamentos entre saberes-
fazeres de povos marginalizados, oprimidos, afastados de seus territórios. De
diferentes modos constituem táticas de sobrevivência e reinvenção de si,
conectando-se, identificando-se e construindo modos de pertencimento
baseados em ancestralidades, alianças que, muitas vezes, mantêm-se firmes
através das reminiscências, dos rastros, pistas e sinais perpetuados através
daquilo que as pessoas produzem, por meio de suas culturas.
Metodologicamente, o texto parte de revisão bibliográfica e das experiências
desenvolvidas no componente curricular
Ateliê de criação em dança I danças
populares, contextos urbanos e midiáticos
, no citado curso de Licenciatura em
Dança. Pretende, então, problematizar os aspectos relacionados às características,
os traços estéticos, bem como os cruzamentos entre saberes-fazeres
afrodiaspóricos em contextos urbanos e seus desafios para a inserção e
alargamento em espaços de formação em Dança.
Para tanto, o artigo se divide em quatro sessões: a primeira, intitulada
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
4
Reminiscências africanas e afrodiaspóricas contextualizações históricas,
socioculturais e estéticas das danças
, parte para a contextualização dos saberes-
fazeres em dança a partir das diásporas, pensando especificamente as
experiências e estéticas que influenciam as chamadas Danças Urbanas, tendo as
diásporas estadunidenses uma forte dominância nesse contexto.
Na segunda sessão, intitulada
Ancestralidades africanas alguns exemplos
de danças afrodiaspóricas
, citamos dois exemplos de danças africanas que foram
trazidas e transformadas nos territórios estadunidenses, a partir das experiências
de pessoas escravizadas e que, de diferentes formas consubstanciam
cruzamentos com práticas dançantes desses territórios que passaram a ser
incorporadas e mediadas, principalmente nos contextos de celebração e
entretenimento estadunidenses e que de diferentes modos influenciaram as
práticas que foram sendo reelaboradas nos contextos urbanos brasileiros.
Na terceira sessão, intitulada
Traços de africanidades nas danças diaspóricas
características estéticas
, aponta-se alguns traços reminiscentes dos territórios
afrodiaspóricos e que constituem grande parte das práticas dançantes dos
contextos urbanos.
Na quarta e última sessão, intitulada
Remodelando questões do tempo
presente – as contribuições das danças afrodiaspóricas no contexto da formação
em Dança
, discute-se alguns dos desafios frente à inserção e problematização
desses saberes-fazeres em espaços de formação em Dança, tendo como principal
enfrentamento o não apagamento dos traços negros, em função dos diferentes
usos e mediações nos contextos educacionais.
Reminiscências africanas e afrodiaspóricas contextualizações
históricas, socioculturais e estéticas das danças
Pensar a constituição das culturas por meio do contato entre diferentes
povos é um modo interessante para compreendermos nossos contextos e
práticas dançantes, particularmente nos territórios do país renomeado Brasil por
colonizadores (os assaltantes) portugueses. As terras que aqui se encontravam
habitadas e que nada têm de “descobertas” eram chamadas pelos povos indígenas
de Pindorama. Portanto, em respeito e valorização aos que aqui estavam, ao longo
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
5
do texto, adotaremos essa nomenclatura como referência. Povos aqueles que,
desde a chegada desses mesmos assaltantes, foram violentados, escravizados,
catequizados em nome do poder, da crença na supremacia do homem branco,
cisgênero, cristão, europeu que passou a constituir diferentes modos de colonizar
os seres, seus saberes e suas existências (Quijano, 2000; Ballestrin, 2013;
Maldonado-Torres, 2007). Somos um país forjado às custas da opressão, da
violência e, portanto, do contato forçado entre diferentes raças e etnias.
Outro contato forçado que aqui se estabeleceu foi com a chegada de povos
de diferentes regiões do continente africano, trazidos em condições subumanas
para serem escravizados, tornados força de trabalho, objetificados e reduzidos à
miséria da servidão. A noção de raça passa a ser utilizada como forma de justificar
as desigualdades sociais e políticas, decorrentes desses processos de violência e
escravização no período colonial. Nessa perspectiva, os povos não-brancos
considerados primitivos, inferiores, estão à margem nas sociedades, demarcados
pela supremacia de raça, certamente aliada e interseccionada às violências de
gênero, classe, território, geração, dentre outros marcadores sociais.
Frente aos assaltos e diferentes forma de opressão, iniciam-se os processos
de mestiçagem, de mistura de povos de diferentes etnias e raças, sendo
importante destacar que tudo isso se com a violência sexual às mulheres
indígenas e africanas. Sim, somos fruto do assalto e estupro colonial que forjou a
população dita mestiça. E essa certamente foi a principal justificativa para se
fabular que em Pindorama não existe racismo, de que vivemos, desde sempre,
uma democracia racial decorrente da mestiçagem. No entanto, precisamos
considerar que as violências às populações inferiorizadas, os privilégios da
branquitude, a lógica colonial, tudo isso continua a se perpetuar mesmo com o
fim das colônias. Em diálogo com Maldonado-Torres, compreendemos que:
A colonialidade pode ser compreendida como uma lógica global de
desumanização que é capaz de existir até mesmo na ausência de
colônias formais. A “descoberta” do Novo Mundo e as formas de
escravidão que imediatamente resultaram daquele acontecimento são
alguns dos eventos-chave que serviram como fundação da colonialidade.
[...] a colonialidade envolve a expropriação de terras e recursos, mas isso
acontece não somente através de apropriação estrangeira, mas também
pelos mecanismos do mercado e dos Estados-nações modernos. Isso
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
6
leva a uma situação de ex-colônias, em que os sujeitos nativos estão
despossuídos. Não somente terras e recursos são tomados, mas as
mentes também são dominadas por formas de pensamento que
promovem a colonização e a autocolonização. Os corpos são também
explorados pelo trabalho de maneira que os mantêm em um status
inferior ao da maioria do proletariado metropolitano (Maldonado-Torres,
2018, p. 44, 48).
Em diálogo com o pesquisador, compreendemos que os processos de
colonização afetam diretamente no modo como as pessoas vivem, se veem e se
relacionam, tanto no contexto direto das relações coloniais, quanto na ausência
das colônias, perpetuando-se os diferentes modos de dominação intrinsecamente
ligados às formas de racismo que foram legitimadas durante o período colonial e
que continuam a afetar as sociedades do tempo presente.
Para pensarmos as produções culturais dançantes em contextos urbanos,
que foram sendo constituídas por meio do contato entre povos de diferentes
territórios, é preciso identificar, então, algumas proveniências, fruto dessas
misturas, para que possamos visualizar as continuidades e descontinuidades,
particularmente no que tange aos processos das diásporas, ou seja, das migrações
livres e forçadas que ao longo dos séculos foram compondo nossas práticas
culturais.
No presente artigo, vamos tratar especificamente de práticas periféricas, suas
conformações estéticas por meio dos cruzamentos de saberes-fazeres em torno
de danças afrodiaspóricas que, em Pindorama, têm sido agrupadas sob o termo
Danças Urbanas. Sem, contudo, nos aprofundarmos nas questões dessas
nomenclaturas, trataremos, aqui, de referenciá-las por danças afrodiaspóricas.
Podemos brevemente situar algumas das características que podem ser
visualizadas nos trânsitos entre os saberes-fazeres afrorreferenciados que aqui se
perpetuam por meio das diásporas. E aqui é preciso destacar que em decorrência
da dominância estadunidense em diferentes aspectos, no contexto do contato
entre países por meio dos processos do capitalismo e da globalização, certamente
a influência cultural estadunidense é bastante significativa e constituinte quando
tratamos das danças praticadas e reapropriadas, desde as periferias, nos
contextos urbanos, nos locais onde as comunidades negras se encontram, se
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
7
reconhecem e se identificam por meio das musicalidades e das danças. Portanto,
em grande medida, é preciso reconhecer que as diásporas estadunidenses
exercem grande dominância quando investigamos tais contextos.
Para destacarmos algumas dessas características, é importante mencionar
que algumas pesquisas citam reminiscências, rastros de africanidades que se
mantêm e muitas vezes são reelaboradas de acordo com os contextos em que
são inseridas, considerando que essas danças estão presentes em lugares de
celebração, lazer, entretenimento, educação, profissionalização etc. Portanto, é
fundamental pensarmos se de fato tais reminiscências continuam a ser
visibilizadas e valorizadas ou a depender de como são inseridas e compartilhadas,
acabam sendo apagadas, constituindo, então, um processo que continua a
perpetuar as violências, os silenciamentos, as opressões aos saberes-fazeres
afrorreferenciados.
Ancestralidades africanas – alguns exemplos de danças afrodiaspóricas
Citaremos alguns breves exemplos de danças africanas incorporadas e
transformadas nas diásporas estadunidenses, que direta ou indiretamente
influenciaram os contextos de criação e recriação os quais se desdobram em
modos de dançar ecoando amplamente nos saberes-fazeres em ambientes que
envolvem as urbanidades, as periferias, os contextos festivos e de celebração das
populações negras em terras de Pindorama.
O
Ring Shout
3, considerada uma das danças afro-estadunidenses mais
antigas, é provavelmente uma amálgama de diferentes circulares africanas. O
shout
era uma espécie de grito africano reelaborado nas canções entoadas pelas
pessoas negras escravizadas que procuravam se manter conectadas às suas
tradições, adaptando-se às exigências dos contextos de escravização em que
viviam, sem deixar que suas crenças e rituais fossem completamente esquecidos.
Dentre as características relacionadas à corporeidade dessas danças podemos
mencionar: a predominância do corpo inclinado para frente, joelhos flexionados e
balanço de quadris entremeados por passos que batem os calcanhares no chão.
3 Trazemos, aqui, um vídeo que possibilita visualizar essa referência:
https://www.youtube.com/watch?v=NQgrIcCtys0. Acesso em: 16 set. 2025.
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
8
A pesquisadora estadunidense Barbara S. Glass nos apresenta que:
O
Ring Shout
é a mais antiga dança de origem africana praticada
continuamente nos Estados Unidos e ainda hoje é realizada nas Ilhas do
Mar da Geórgia. Muito provavelmente um amálgama de várias danças
circulares africanas, é também a mais antiga dança religiosa afro-
americana. O
Ring Shout
floresceu entre os negros nos Estados Unidos,
sobrevivendo até os dias de hoje por uma série de razões. Em primeiro
lugar, a dança era fortemente africana e, através do seu ritual africano e
das suas características comunitárias, proporcionou uma experiência rica
e estimulante tanto para os negros escravizados como para os livres. Em
segundo lugar, os negros mantiveram o
shout
como uma tradição
folclórica dinâmica, adaptando-o constantemente às exigências e
condições, primeiro, da escravidão e, mais tarde, da vida nas
comunidades afro-americanas cristianizadas. Terceiro, formou um
repositório de conteúdos culturais e religiosos que recordavam o passado
da escravatura e aguardavam as alegrias espirituais da vida após a morte,
lembrando assim aos afro-americanos a sua orgulhosa história e o seu
futuro. Em quarto lugar, o
Shout
representava uma variedade de
características musicais e de dança africanas resilientes que se
transformaram para reaparecer continuamente nas artes culturais afro-
americanas, desde o
Cakewalk
ao
jazz
e do
rock ‘n’ roll
ao sapateado. O
Ring Shout
seria profundamente influente (Glass, 2007, p.32-33, grifo
nosso) 4.
Em diálogo com Glass (2007), compreendemos algumas características
inerentes às culturas africanas e que se perpetuam por meio das diásporas. Aqui,
a questão da comunidade e das resistências em preservar os conhecimentos
vindos do continente africano aparecem como táticas de sobrevivência, de
reelaboração de suas culturas nos territórios de escravização e que passa a
influenciar e constituir traços que vão reaparecendo em diferentes práticas
musicais e dançantes no contexto estadunidense e que, certamente, influenciaram
e se desdobraram nos contextos urbanos de Pindorama.
4 The Ring Shout is the oldest continuously practiced African derived dance in the United States and is still
performed in the Georgia Sea Islands today. Most likely an amalgamation of several African circle dances, it
is also the oldest African American religious dance. The Ring Shout flourished among blacks in the United
States, surviving into the present time for a variety of reasons. First, the dance was strongly African, and
through its African ritual and communal characteristics it provided a rich and nurturing experience for both
enslaved and free blacks. Secondly, blacks maintained the Shout as a dynamic folk tradition, constantly
adapting it to the demands and conditions of, first, slavery, and later, life in Christianized African American
communities. Third, it formed a repository of cultural and religious content that remembered the past of
slavery and looked forward to the spiritual joys of the afterlife, thus reminding African Americans of their
proud history and future. Fourth, the Shout represented a variety of resilient African musical and dance traits
that transformed themselves to reappear again and again in African American cultural arts, from the
Cakewalk to jazz and rock ’n’ roll to tap dance. The Ring Shout was to be profoundly influential (Glass, 2007,
p.32-33). (Tradução nossa).
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
9
A
Juba dance
5, é outra dança afro-estadunidense de características
marcantes relacionadas à percussividade dos pés, o que certamente demarca a
conexão com as batidas dos tambores africanos. É importante lembrar que nos
Estados Unidos o conjunto de leis denominadas
Negro Act
restringiam a liberdade
e o movimento de pessoas negras, tanto escravizadas quanto livres, e foram
promulgadas em resposta aos movimentos de revolta de pessoas escravizadas.
Muito provavelmente a adaptação de certos traços dessas danças, como no caso
de se utilizar as batidas dos pés no lugar dos tambores, é uma forma de
sobrevivência e manutenção dos traços africanos. Além disso, é importante
destacar que a
Juba dance
é uma dança que possivelmente desenvolveu o Tap
Estadunidense ou sapateado. Como nos aponta as pessoas pesquisadoras,
Franciele Rodrigues Guarienti e Fernando Flesch de Albuquerque Fernandes:
A Juba [...] foi um estilo de dança predominante no Haiti. Ligada a diversos
eventos importantes da vida, como batismo e nascimento, a Juba
também era uma dança religiosa para homenagear os ancestrais e afastar
espíritos ruins. Era considerada uma afirmação positiva da vida, pois a
força colocada nos movimentos tinha o poder de curar e dar vitalidade.
A dança foi levada para os Estados Unidos por grupos de escravos de
cultura iorubá, possivelmente oriundos do Benin, Haiti, Nigéria e Togo
(Guarienti; Fernandes, 2018, p.146-147).
Em diálogo com o exposto acima, podemos pensar em como essas danças
permitem que as pessoas afastadas de seus territórios reelaborem modos de se
conectarem com suas ancestralidades, ainda que na maioria dos casos alguns
traços sejam adaptados conforme os contextos de opressão e segregação. De
diferentes maneiras, essas pessoas constituíram táticas de resistências e
enfrentamento que acabaram por influenciar os traços estéticos das danças em
contextos urbanos que se perpetuam no tempo presente e que podemos pensá-
las por meio dessas conexões, das permanências e modificações operadas
territorialmente e ao longo das gerações.
Citar esses breves exemplos de danças que foram reelaboradas em
territórios estadunidenses, através da criatividade, resistência e modos tácitos
com que as pessoas escravizadas desenvolveram formas de se manter vivas e
5 Vídeo que exemplifica essa referência: https://www.youtube.com/watch?v=hpNdQDWgy7I. Acesso em: 16
set. 2025.
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
10
conectadas com suas ancestralidades, é uma possibilidade de compreender como
os traços africanos foram sendo mantidos e adaptados de acordo com os
contextos em que essas pessoas viviam. Além disso, refletir como algumas dessas
características, dentre elas, códigos, passos e vocabulários de movimentos foram
sendo incorporados se desdobrando em danças que foram e continuam sendo
amplamente dançadas nos diferentes territórios onde as diásporas aconteceram.
Este fato nos chama a atenção para compreendermos que grande parte do
repertório corporal de danças que foram sendo reapropriadas nos contextos
urbanos de Pindorama, tomaram de empréstimo as diásporas afro-
estadunidenses, gerando processos que demarcam os resquícios da colonialidade
e, ao mesmo tempo, flertam com as insurgências e modos de resistências das
próprias pessoas que transitam e vivem nesses territórios.
Em nossos contextos urbanos, dessas terras de Pindorama, danças
amplamente disseminadas como o
break
6, o
hip hop dance
7 e o
passinho
8 podem
ser citadas em conexão com essas diásporas. Algumas dessas aproximações
incluem os seguintes traços: ênfase no ritmo e na percussão - as três são
dançadas em musicalidades que misturam instrumentos como tambores, batidas
eletrônicas e uma forte conexão com o pulso musical; energia e intensidade de
movimentos; importância da comunidade e das dinâmicas de “batalhas” - nas três
danças citadas, frequentemente as pessoas se desafiam em “batalhas” (rachas),
praticadas em círculos (no caso do
break
e do
hip hop dance
chamados de
cyphers
); improvisação; isolamento de partes do corpo; direcionamento do corpo
- tronco direcionado para baixo, flexões de joelhos, movimentos percussivos com
pés, dentre outras.
Nas três danças mencionadas, além das características de movimentos, bem
como algumas de suas dinâmicas que possuem similaridades, é possível refletir
sobre a intrínseca relação entre as pessoas, suas ancestralidades e o modo como
6 deo que exemplifica essa referência: https://www.youtube.com/watch?v=qKZi1ZE0s0w. Acesso em: 10 nov.
2025.
7 Vídeo que exemplifica essa referência: https://www.youtube.com/watch?v=AnuuivXmezw. Acesso em: 10
nov. 2025.
8 Vídeo que exemplifica essa referência: https://www.youtube.com/watch?v=DyTEtDs97uU. Acesso em: 10
nov. 2025.
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
11
constituem processos de identificação, reconhecimento e pertencimento. Essas
danças possuem entre si a particularidade de serem manifestações que têm como
protagonistas as pessoas e seus modos de vida constituídos a partir das periferias
brasileiras. Destacamos, novamente, que a referencialidade afro-estadunidense é
uma constante entre as manifestações culturais dançantes nos contextos urbanos
periféricos. Portanto, as táticas de resistência, de sobrevivência das pessoas
negras, assim como os diferentes sentidos e significados que se enredam em torno
da celebração, da busca por reconhecimento, representatividade e participação
em comunidade, são, também, nuances que se aproximam e conectam as práticas
diaspóricas afro-estadunidenses com os nossos contextos.
O que destacamos até aqui de forma breve e reflexiva, caminha em direção
a indagarmos sobre algumas das características ético-estético-políticas presentes
nessas danças e que continuam, ou deveriam continuar sendo afirmadas por meio
dos processos de ensino-aprendizagem no contexto das danças afrodiaspóricas.
Traços de africanidades nas danças diaspóricas características
estéticas
Neste tópico tratamos de mencionar alguns traços inerentes às danças
afrodiaspóricas que de diferentes modos permanecem e/ou se adaptam de
acordo com os contextos de reapropriação dessas danças. É importante
compreender que tais características estão ligadas às ancestralidades africanas e,
por sua vez, por uma cosmologia que em muito se diferencia das visões de mundo
dualista e cartesiana fabulada nos contextos eurocentrados que amplamente
influenciaram os territórios do ocidente.
Referenciando-nos nos estudos de Marshall e Jeans Stearns (1994) sobre o
jazz, podemos elencar algumas características fundamentais das danças
afrodiaspóricas, como:
- Isolamento (movimentos que enfatizam a separação e a independência
de diferentes partes do corpo como quadris, cabeça, ombros etc.);
- Direcionamento do corpo (tronco direcionado para baixo, flexões de
joelhos, movimentos percussivos com pés);
- Energia (ênfase na força e explosão com qualidades de movimentos
vigorosas);
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
12
- Ritmo e balanço (forte senso rítmico e fluxos contínuos de movimentos,
conhecido como
swing
);
- Improvisação (liberdade para criação de movimentos desde que sejam
respeitadas as estruturas e princípios das danças).
Em geral, as pessoas dançarinas afro-estadunidenses mantiveram certos traços
africanos, incorporando-os em danças sociais seculares que posteriormente se tornaram
parte da dança dominante estadunidense. Estas danças consistiam em material de dança
muito antigo recombinado para recriar formas. As suas características subjacentes, no
entanto, podem ser observadas como reminiscências africanas e afrodiaspóricas.
Ainda sobre essas características, dialogamos com os estudos de Barbara S. Glass
que aponta os seguintes elementos:
- Vocabulário de Movimento Africano - as danças africanas movimentam
todas as partes do corpo, em contraste com muitas formas europeias
que dependem principalmente do movimento dos braços e das pernas.
Flexão angular de braços, pernas e tronco; movimento de ombros e
quadris; passos de arrastar, pisar e pular; uso assimétrico do corpo; e o
movimento fluido fazem parte das danças africanas.
- Orientação para a Terra - as pessoas dançarinas africanas muitas vezes
inclinam-se ligeiramente em direção à terra, achatam os pés contra ela
numa postura ampla e sólida e flexionam os joelhos. Diferente da postura
ereta do balé europeu tradicional, com os braços levantados para o céu
e os pés levantados na ponta dos pés. A postura africana também reflete
posturas de trabalho, especialmente trabalhos agrícolas.
- Improvisação - dentro dos padrões e tradições das antigas formas de
dança, as pessoas dançarinas africanas sentem-se livres para serem
criativas. amplo espaço para movimentos improvisados e pessoais,
desde que as improvisações estejam no ritmo da música e em
consonância com o conteúdo geral da dança.
- Formações de Círculo e Linha - muitas danças africanas são executadas
por filas ou círculos de dançarinos, como acontece com os círculos
vigorosos e rápidos e as linhas sinuosas dos dançarinos Dogon no Dama,
bem como a lenta procissão de dançarinos
Egungun
em
Yorubaland
. Na
América do Norte, algumas dessas tradições se fundiram no
Ring Shout
.
- Importância da Comunidade - as culturas tradicionais africanas
valorizam muito menos a individualidade do que a sociedade europeia
estratificada. Viver numa aldeia africana é abandonar grande parte da
necessidade de privacidade e do foco no “eu” que encontramos em toda
a sociedade ocidental.
- Polirritmos. A música africana incluía vários ritmos ao mesmo tempo, e
os africanos podiam dançar ao som de mais de um ritmo
simultaneamente.
- Percussão - em grande parte de África, a percussão domina a música
e, em muitos casos, o tambor é o instrumento principal. Frequentemente,
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
13
uma pessoa mestre define uma batida central e as outras interpelam
ritmos adicionais em torno dessa batida;
- Pantomima - muitas danças africanas refletem os movimentos da vida.
Os movimentos das danças podem, de forma estilizada, imitar o
comportamento animal, como o voo da garça, reencenar tarefas
humanas, como bater arroz, ou expressar o poder dos espíritos em
movimentos giratórios e fortes.
- Algo em mãos - muitas danças rituais africanas utilizam objetos
especiais, incluindo máscaras e fantasias, bastões, batedeiras, pedaços
de pano e outros itens;
- Competição - competir através da dança é um costume muito
difundido na África Ocidental e Central (Glass, 2007, pp. 16-17-18-19, grifo
nosso) 9.
Citar tais características é um modo de compreender como muitos dos
traços presentes nas danças afrodiaspóricas constituem modos singulares de
relações entre as pessoas, seus saberes-fazeres e suas corporeidades. Quando
contrastamos tais características com os elementos presentes nas danças ditas
acadêmicas, que em grande parte são provenientes do conhecimento centrado no
continente europeu, percebemos que as conexões entre musicalidades, modos de
9 - African Movement Vocabulary. African dance moves all parts of the body, in contrast to many European
forms that rely mostly on arm and leg movement. Angular bending of arms, legs, and torso; shoulder and
hip movement; scuffing, stamping, and hopping steps; asymmetrical use of the body; and fluid movement
are all part of African dance.
- Orientation to the Earth. The African dancer often bends slightly toward the earth, flattens the feet against
it in a wide, solid stance, and flexes the knees. Compare this to traditional European ballet’s upright posture,
with arms lifted skyward and feet raised up onto the toes. The African stance also reflects work postures,
especially agricultural labors.
- Improvisation. Within the patterns and traditions of age old dance forms, an African felt free to be creative.
A dancer could make an individual statement or give a new interpretation to a familiar gesture. Ajayi explains
how this trait surfaces in Yoruba dance: There is ample room for spontaneous and personal improvised
movements, as long as the improvisations are in rhythm with the music and in consonance with the overall
content of the dance.
- Circle and Line Formations. Many African dances are performed by lines or circles of dancers, as with the
vigorous, fast moving circles and sinuous lines of Dogon dancers in the Dama as well as the slow procession
of Egungun dancers in Yorubaland. In North America, some of these traditions coalesced in the Ring Shout.
- Importance of the Community. Traditional African culture values individuality much less than stratified
European society. To live in an African village is to let go of much of the need for privacy and the focus on
the self that we find everywhere in western society.
- Polyrhythms. African music included several rhythms at the same time, and Africans could dance to more
than one beat at once,
- Percussion. In much of Africa, percussion dominates the music, and in many cases the drum is the leading
instrument. Often, a master drummer sets a central beat, and other drummers interpolate additional
rhythms around that beat.
- Pantomime. Many African dances reflect the motions of life. Dance movement may, in a stylized fashion,
imitate animal behavior like the flight of the egret, reenact human tasks like pounding rice, or express the
power of spirits in whirling and strong movements.
- Something in Hand. African ritual dance makes use of special objects, including masks and costumes, staffs,
whisks, pieces of cloth, and other items.
- Competition. Competing through dance is a widespread custom in West and Central Africa(Glass, 2007,
p.16-17-18-19). (Tradução nossa)
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
14
dançar, forma de se identificar e pertencer aos territórios se dão de maneiras
distintas.
Os saberes-fazeres afrorreferenciados estão centrados no corpo, pensado
não apenas como “extensão de um saber reapresentado, e nem arquivo de uma
cristalização estática. Ele é sim, local de um saber em contínuo movimento de
recriação formal, remissão e transformação” (Martins, 2003, p.78). É sob esta ótica,
que discutimos, a seguir, breves contribuições e alargamentos possíveis para o
campo da Dança, a partir das práticas e experiências no contexto das danças
afrodiaspóricas.
Remodelando questões do tempo presente as contribuições das danças
afrodiaspóricas em um contexto de formação em Dança
No curso de Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Goiás Campus
Aparecida de Goiânia, as danças afrodiaspóricas em contextos urbanos são
investigadas, experimentadas e problematizadas no
Ateliê de criação em Dança I
– Danças populares
,
contextos urbanos e midiáticos
. Esse componente curricular
vem sendo desenvolvido, desde o ano de 2013, quando da criação do citado curso,
por meio de propostas que envolvem a própria ação docente, atividades
articuladas com projetos de pesquisa e extensão, visitas técnicas a espaços e
ambientes de inserção e vivência de diferentes estéticas em contextos urbanos,
bem como por parcerias e diálogos com pessoas fazedoras da cena local da
cidade de Aparecida de Goiânia e Goiânia.
Nessas investidas, nos desafiamos, constantemente, a problematizar os
diferentes usos, mediações e inserções das danças afrodiaspóricas nos espaços
educacionais, de lazer, de profissionalização, dentre outros. Nesse sentido, uma
das principais provocações, ao longo de todo o percurso das experiências, tem
sido discutir e dialogar, a partir das experiências corporais, em torno dos possíveis
apagamentos, invisibilidades, bem como apropriações culturais10 em torno dessas
10 O debate em torno da noção de apropriação cultural, nos termos de Rodney William, nos ajuda a pensar
que nos contextos onde grupos dominantes se apoderam de uma cultura inferiorizada, esvaziando de
significados suas produções, costumes, tradições e demais elementos, operam mecanismos de opressão
que, muitas das vezes, utilizam como estratégia, por exemplo, o apagamento dos traços negros, reiterando
que “o debate sobre apropriação é necessário e deve ser conduzido com seriedade” (William, 2019, p.30).
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
15
danças.
Ao longo das experimentações, das visitas, dos debates gerados em contato
com grupos, artistas e educadoras/es, temos mergulhado em processos de
compreensões, alargamentos, indagações e diferentes formas de potencializar o
ensino-aprendizagem. Buscamos construir coletivamente modos de compreender
e analisar as possibilidades de trato com esses conhecimentos, preservando suas
características, bem como dialogando em torno das possíveis incorporações,
transformações, sem que seus traços, singularidades, bem como as insurgências
e resistências sejam apagadas ou abandonadas, quando da inserção dessas
danças em ambientes formais, acadêmicos, que, muitas vezes, operam por
silenciamentos, vigilâncias e opressões aos saberes-fazeres afrorreferenciados.
Temos constantemente problematizado que, através dos conhecimentos
incorporados é possível compreender as especificidades culturais e históricas do
tempo presente, bem como reconhecer e lidar com as conexões geracionais,
territoriais, de identificações e pertencimentos. Aquilo que permanece enquanto
saberes-fazeres compartilhados e reapropriados entre as gerações, possibilita-nos
rastrear os indícios, as pistas e fragmentos que constituem essas culturas.
Desde as periferias, por exemplo, esses conhecimentos podem ser
compreendidos como uma possível epistemologia, um modo de conhecer e se
relacionar com o próprio grupo, com o contexto em que se vive, celebra, se
identifica e torna-se parte integrante desses territórios. A partir dos repertórios
corporais podemos compreender aquilo que é partilhado e compartilhado
coletivamente, sendo possível, também, identificar as agências, as singularidades.
Então, em contraposição à supremacia do conhecimento acadêmico,
elaborado e sistematizado como fontes universais e irrefutáveis, desde as
periferias, nos contextos urbanos, das festas, das
cyphers11
, das competições, dos
bailes funk, das
ballrooms12
etc., os repertórios, as práticas incorporadas é que
estão em evidência. São eles que constituem a maior parte dos processos de
11 No contexto da cultura
hip hop
, as
cyphers
podem se referenciar a formações em círculos onde as pessoas
têm a oportunidade de mostrar suas habilidades, seja na dança, nas rimas e musicalidades etc.
12
Ballroom
é uma cultura de bailes surgidas entre as comunidades LGBTQUIAPN+ afro-estadunidenses e
latinas que ganhou pessoas adeptas em diferentes países e continentes.
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
16
ensino-aprendizagem, dos compartilhamentos e relacionamentos, das alianças
firmadas nesses territórios.
Portanto, no contexto da formação superior em Dança, é preciso questionar
aquela supremacia, aquilo que perdura como formas de colonialidade e faz com
que esses saberes-fazeres estejam, em grande medida, fora dos currículos, das
práticas e investigações específicas dessa área de conhecimento13.
A escritora Leda Maria Martins nos ajuda a compreender os repertórios
afrorreferenciados como lugares de inscrição, de aprendizagens que se dão
ancorados no e pelo corpo, em performance:
Minha hipótese é a de que o corpo em performance é, não apenas,
expressão ou representação de uma ação, que nos remete
simbolicamente a um sentido, mas principalmente local de inscrição de
conhecimento, conhecimento este que se grafa no gesto, no movimento,
na coreografia; nos solfejos da vocalidade, assim como nos adereços que
performativamente o recobrem. Nesse sentido, o que no corpo se repete
não se repete apenas como hábito, mas como técnica e procedimento
de inscrição, recriação, transmissão e revisão da memória do
conhecimento, seja este estético, filosófico, metafísico, científico,
tecnológico, etc. (Martins, 2003, p.66).
Em diálogo com a escritora, compreendemos que os saberes-fazeres que
constituem as danças afrodiaspóricas são, portanto, fabricados sobre sutilezas
nem sempre formalizáveis nos termos dos conhecimentos firmados por modos
de operar cristalizados pelas epistemologias ocidentais. Suas grafias são inscritas
na pele, no contato entre as pessoas por meio de seus corpos, suas corporeidades.
Constituem um tipo de matriz referencial em parte unitária, em parte diversificada,
das pessoas que circulam e pertencem a esses territórios. Elas nascem da
experiência, da ancestralidade e das resistências do povo negro. Ainda em conexão
com Leda Maria Martins compreende-se que:
A cultura negra nas Américas é de dupla face, de dupla voz e expressa,
nos seus modos constitutivos fundacionais, a disjunção entre o que o
sistema social pressupunha que os sujeitos deviam dizer e fazer e o que,
13 Gostaria de mencionar uma importante constatação feita pela pesquisadora Djenifer Geske Nascimento.
Em sua pesquisa, ela aponta que até o ano de 2021, entre 27 cursos de Licenciatura pesquisados, somente
4 continham em seu currículo a presença das chamadas “danças urbanas” como disciplina específica. Tal
constatação nos reforça as marcas da colonialidade que ainda impera em grande parte dos currículos e
que, neste caso em específico, denota a distância e a invisibilização dos saberes-fazeres de matrizes afro-
diaspóricas que constituem as matrizes de conhecimento dessas danças.
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
17
por inúmeras práticas, realmente diziam e faziam. Nessa operação de
equilíbrio assimétrico, o deslocamento, a metamorfose e o recobrimento
são alguns dos princípios e táticas básicas operadoras da formação
cultural afro-americana, que o estudo das práticas performáticas reitera
e revela (Martins, 2003, p.69).
Em diálogo com Martins (2003), podemos pensar que as culturas negras nas
Américas estão perpassadas por relações de dominação, opressão, mas, também,
por resistências, desobediências e modos performativos que configuram os
saberes-fazeres que se constituem. É preciso, então, investigar, experienciar e
de forma ética, compromissada e engajada, dialogar em torno dos
compartilhamentos e possibilidades de inserção desses conhecimentos nos
diferentes espaços de formação em Dança.
Em contraposição aos saberes incorporados, o domínio da escrita ganhou
ampla preponderância nas epistemologias ocidentais. Nesse sentido,
paradoxalmente, ela passou a substituir as práticas de incorporação e a se colocar
contra elas. Os intensos movimentos de colonização das Américas, por exemplo,
constituem um significativo contexto em que podemos visualizar a primazia da
escrita e seu papel histórico no controle das práticas culturais. Assim, o
conhecimento científico foi se tornando o cerne das relações de legitimação da
escrita em relação a outros conhecimentos epistêmicos e mnemônicos (Taylor,
2013).
A separação entre palavra escrita e oralidade aponta, ainda no tempo
presente, para uma gama de repressões às práticas incorporadas
afrorreferenciadas e indígenas - como dança, ritual e culinária, entre outras
-
“que
muito tempo serviam para preservar um senso de identidade e de memória
comunitária e que não eram consideradas como formas de conhecimento” (Taylor,
2013, p.48).
Pensando nos próprios processos de colonização, os conhecimentos
advindos das práticas incorporadas têm frequentemente contribuído para a
manutenção de uma ordem social repressiva. O controle dos corpos,
particularmente daqueles que escapam às normatividades e centralidades do ser,
do saber e do poder, desde as experiências coloniais, perduram como forma de
apagar, silenciar e eliminar os modos de compartilhamento de conhecimentos por
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
18
vias das práticas incorporadas.
Não precisamos polarizar a relação entre esses tipos diferentes de
conhecimento para reconhecer que, frequentemente, eles têm se
mostrado antagônicos na luta pela sobrevivência ou supremacia cultural
(Taylor, 2013, p.53).
Em diálogo com Diana Taylor (2013), podemos pensar que ensinar-aprender
danças afrodiaspóricas, além de contribuir para que possamos conhecer e
explorar os repertórios culturais que nos possibilitam compreender as sociedades
por meio dos conhecimentos incorporados, é uma forma de resistir, de ampliar e
construir visões de mundo para além das convicções e traçados dicotômicos,
hierárquicos e eurocêntricos pelos quais estamos constantemente sendo
formados.
Assim, nos conectamos aos saberes-fazeres afrodiaspóricos pensando-os
como motores, propulsões de modos de dançar que singularizam e evidenciam as
alianças, os pactos, os benefícios que as comunidades, as famílias, as
houses14
, as
crews15
, os guetos proporcionam aos indivíduos sempre referenciados e
afirmando-se por meio de seus coletivos. As danças afrodiaspóricas podem ser
pensadas, então, como:
[...] poéticas que deflagram modos não convencionais de fixação e difusão
de conhecimentos [...] certamente, essa maneira de produzir e
compartilhar conhecimentos, por meio do corpo, fratura a lógica do
textocentrismo como fenômeno preponderante do próprio
conhecimento legitimado em nossa sociedade, levando-nos a romper
com os sentidos civilizatórios modernos e com a ideia mecânica que
opera as bases das epistemologias ocidentais. Nesse sentido, a
experiência com o conhecimento corporificado passa a se relacionar com
a ideia de criação, onde o pensamento é movimento do corpo e uma
forma de organizar as experiências com sabedorias e tecnologias
ancestrais (Oliveira, 2023, p.145).
Em diálogo com Victor Hugo Neves de Oliveira (2023), podemos pensar que
as danças afrodiaspóricas em suas diferentes inserções seja nas ruas, nos palcos,
14
Houses
, no contexto aqui apontado, refere-se a espaços físicos e simbólicos nos territórios das culturas
Ballrooms
destinados ao acolhimento ou grupo de afeto, uma família escolhida, formada por pessoas da
comunidade LGBTQIAPN+ que oferecem apoio mútuo, acolhimento e uma estrutura familiar substituta
quando as famílias tradicionais rejeitam seus membros.
15
Crews
, no contexto da cultura
hip hop
são grupos, uma espécie de família formada por pessoas com
interesses em comum que se apoiam mutuamente e colaboram nos seus projetos.
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
19
nas batalhas, nas escolas, nas universidades, nos apresentam toda uma
complexidade de tecnologias fabricadas no próprio convívio, nas experiências e
tecnologias ancestrais que as próprias pessoas pertencentes e protagonistas de
seus territórios constituem.
Das danças rituais, às festividades em que as musicalidades do
soul,
do
funk
,
do
rap,
do
house
,
dentre inúmeros gêneros musicais e dançantes, as sabedorias
ancestrais do povo negro recriam, constantemente, os repertórios, fundamentos,
corporeidades, traços e relações ético-estético-políticas enredadas nas práticas
dançantes que aí circulam.
Talvez possamos prospectar que nos diferentes contextos de ensino-
aprendizagem em danças, os saberes-fazeres afrorreferenciados, as danças
afrodiaspóricas estejam presentes, respeitando, certamente, as especificidades
dos territórios, das diferentes estéticas e suas técnicas, os aspectos geracionais,
as experiências e protagonismos das diferentes pessoas, grupos/coletivos que
produzem, disseminam e compartilham conhecimentos nos diferentes territórios
e contextos urbanos do tempo presente.
Em diálogo com o pesquisador Luiz Antonio Simas, em seu livro intitulado
O
corpo encantado das ruas
, podemos pensar em como os saberes das ruas, das
periferias, dos diferentes contextos nas urbanidades são extremamente
sofisticados. E tal sofisticação é da ordem da inteireza dos corpos, dos
compartilhamentos, das oralidades, das conexões ancestrais que proporcionam
trocas e experiências que por si nos ensinam e manifestam as corporeidades das
ruas, dos bailes, dos guetos, dos palcos onde essas danças se inserem, dentre
muitos outros espaços onde elas possam almejar estar. As ruas, as danças
afrodiaspóricas e toda as suas sabedorias ancestrais têm sonoridades (Simas,
2024), sofisticadas pedagogias feitas de falas, respostas do corpo fundamentadas
em modos de viver e se relacionar.
Desde as narrativas colonizadoras, aprendemos a separar arte e cotidiano;
arte e cultura; erudito e popular; dentre outras tantas cisões e separações das
instâncias que legitimam e deslegitimam as experiências que perpassam os
diferentes corpos e as corporeidades. Dificilmente, o cotidiano é visto pelos
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
20
discursos vinculados ao campo da dança como arte, desde as experiências e
narrativas das próprias pessoas, com suas formas específicas de reapropriação,
incorporação, entre outras tantas possibilidades de experienciar e de construir
diferentes sentidos.
Nas danças afrodiaspóricas se aprende fazendo, praticando, compartilhando,
pertencendo, formulando conexões ancestrais pautadas por trocas, mediações,
protagonismos e a fabricação de corporeidades que se expandem, se afirmam,
resistem e se expressam, tendo as próprias relações, as alianças e pactos entre
as pessoas e suas experiências dançantes como lócus, lugar de reconhecimento,
partilha e construção de saberes-fazeres de modo singular, distinto e
contrapondo-se a muitos valores e modos opressores e discriminatórios que
imperam em muitos espaços de circulação e produção das culturas.
Considerações Finais
O presente texto propôs reflexões em torno das contribuições das danças
afrodiaspóricas na formação em Dança. Partindo de contextualizações
socioculturais estéticas e políticas, é possível compreender que os protagonismos
das pessoas negras constituem o arcabouço e toda a trama de relações que
caracterizam os saberes-fazeres dessas danças.
Como um continuum dos processos de resistência, criatividade, criação e
recriação, as pessoas dançantes conseguem se manter vivas e conectadas às suas
ancestralidades por meio de suas corporeidades que, por sua vez, constituem os
traços, fundamentos, técnicas e estéticas das danças afrodiaspóricas.
Considerando que as cosmologias africanas partem de compreensões singulares,
de relações próprias com as musicalidades, as comunidades, modos de ser e de
pertencer, é fundamental que esses saberes-fazeres adentrem os diferentes
espaços de formação em Dança, para que possamos, quem sabe, desfazer as
amarras coloniais que ainda se mantêm estruturadas sob opressões, violências e
apagamentos que continuam a se perpetuar nos territórios planetários e, aqui
especificamente, nessas terras de Pindorama.
Seja nas rodas, nos campeonatos, nas periferias, nos palcos, nas academias
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
21
e universidades, é preciso dialogar diretamente com esses saberes-fazeres e, mais
do que isso, construir pontes de diálogo, ocupação, entradas e tomada de posições
nos diferentes contextos educacionais. Certamente, o meio mais eficaz para isso,
é a formação continuada, as parcerias e as trocas de conhecimento entre pessoas
e espaços onde essas danças são produzidas e disseminadas.
Referências
BALLESTRIN, Luciana Maria de Aragão. América Latina e o giro decolonial.
Revista
brasileira de ciência política
, n. 11, p. 89-117, 2013.
BATALHA BREAK DANCE: Rhythm and Blues Records. Página do Youtube.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qKZi1ZE0s0w. Acesso em: 10
nov. 2025.
GLASS, Barbara S.
African American Dance
: as illustrated history. North Carolina:
McFarland & Company, 2007.
GUARIENTI, Franciele Rodrigues; FERNANDES, Fernando Flesch de Albuquerque.
Tap Dance: uma breve passagem sobre a história do sapateado americano. In:
OLIVEIRA, Susan de Oliveira; Guarienti, Franciele Rodrigues (org.).
Geopoéticas
Diaspóricas
. 1ª ed. Florianópolis: BU/UFSC, 2018.
HIP HOP DANCE BRASIL: Fb Drinks. Página do Youtube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=AnuuivXmezw. Acesso em: 10 nov. 2025.
JUBA DANCE: The dance of African slaves in American plantations. Página do
Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hpNdQDWgy7I.
Acesso em: 16 set. 2025.
MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al
desarrollo de um concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón.
El giro decolonial: reflexiones para uma diversidad epistémica más allá del
capitalismo global
. Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales
Contemporáneos y Pontifícia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, Bogotá, 2007.
MALDONADO- TORRES, Nelson. Analítica da colonialidade e da decolonialidade:
algumas dimensões básicas. In: BERNARDINO-COSTA; TORRES, Joaze Nelson
Maldonado; GROSFOGUEL, Ramón (org.).
Decolonialidade e pensamento
afrodiaspórico
. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.
MARTINS, Leda Maria. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. In:
Letras
, [S. l.], n. 26, p. 63–81, 2003. Disponível em:
https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11881. Acesso em: 21 nov. 2024.
Danças afrodiaspóricas em contextos urbanos - contribuições para a formação em dança no tempo presente
Roberto Rodrigues
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
22
MIGNOLO, W.
Desobediencia epistémica
: retórica de la modernidade, lógica de la
colonialidad y gramática de la descolonialidad. Argentina: Ediciones del signo, 2010.
NASCIMENTO, Djenifer Geske.
A in-visibilidade das danças urbanas nos cursos de
Licenciatura em Dança no Brasil
. Dissertação (Mestrado em Educação) -
Universidade Federal de Santa Maria, 2021.
OLIVEIRA, Victor Hugo Neves de. Danças familiares pretas: breves conceituações.
Revista Aspas
, São Paulo, V.3, n. 2, 2023. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/aspas/article/view/230946. Acesso em: 04 out. 2024.
PASSINHO FODA: Imperadores da Dança Oficial. Página do Youtube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=DyTEtDs97uU. Acesso em: 10 nov. 2025.
PLANTATION DANCE RING SHOUT. Página do Youtube. Publicado em 01 de maio de
2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NQgrIcCtys0. Acesso em:
16 set. 2025.
QUIJANO, A. Colonialidad del poder y casificacion social.
Journal of world-systems
research
, v. 11, n. 2, p. 342-386, 2000.
SIMAS, Luiz Antonio.
O corpo encantado das ruas
. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2024.
STEARNS, M. W.; STEARNS, J.
Jazz Dance
: The Story of American Vernacular Dance.
New York: Capo Press, 1994.
TAYLOR, Diana.
O arquivo e o repertório
: performance e memória cultural nas
Américas. Trad. Eliana Lourenço de Lima Reis. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
WILLIAM, Rodney.
Apropriação cultural
. São Paulo: Pólen, 2019.
Recebido em: 16/09/25
Aprovado em: 07/11/25
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br