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A raça interroga a prática pedagógica: por uma
educação antirracista nas aulas de artes cênicas
Andreza Bittencourt Cavalcanti
Raphael Pompeu
Paulo Melgaço da Silva Junior
Para citar este artigo:
CAVALCANTI, Andreza Bittencourt; POMPEU, Raphael; SILVA
JUNIOR, Paulo Melgaço da. A raça interroga a prática
pedagógica: por uma educação antirracista nas aulas de
artes cênicas.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 4, n. 53, dez. 2024.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0205
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Andreza Bittencourt Cavalcanti | Raphael Pompeu | Paulo Melgaço da Silva Junior
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-25, dez. 2025
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A raça interroga a prática pedagógica: por uma educação antirracista nas aulas de artes cênicas1
Andreza Bittencourt Cavalcanti2
Raphael Pompeu3
Paulo Melgaço da Silva Junior4
Resumo
O objetivo central deste artigo é refletir sobre as possibilidades de uma educação antirracista
nas aulas de artes cênicas. Assim, foram apresentadas duas práticas pedagógicas
desenvolvidas na educação básica que utilizaram a literatura e o RPG para discutir negritude,
branquitude, representatividade com crianças com idade entre 9 e 11 anos, de duas classes
sociais distintas. Para tal, foram utilizadas as abordagens metodológicas da pesquisa-ação.
Os dados do estudo mostraram a importância das aulas de teatro como potencializador do
diálogo entre as diferenças e como as ações desenvolvidas poderiam contribuir para uma
educação transformadora.
Palavras-chave
: Educação antirracista. Raça. Negritude. Branquitude. Artes Cênicas.
Race interrogates pedagogical practice: towards an anti-racist education in performing arts classes
Abstract
The central objective of this article is to reflect on the possibilities an anti-racist education
in performing arts classes. Thus, we presented two pedagogical practices developed in basic
education that used literature and role-playing games to discuss Blackness, Whiteness, and
representation with children aged 9 to 11 from two different social classes. To this end, we
employed action research methodological approaches. The study data demonstrated the
importance of theater classes as a potentializer of dialogue across differences and how the
actions developed could contribute to transformative education.
Keywords:
Anti-racist education. Race. Blackness. Whiteness. Performing arts.
La raza interroga la práctica pedagógica: hacia una educación antirracista en las clases de artes
escénicas
Resumen
El objetivo central de este artículo es reflexionar sobre las posibilidades de una educación
antirracista en las clases de artes escénicas. Por ello, presentamos dos prácticas pedagógicas
desarrolladas en educación básica que utilizaron la literatura y juegos de rol para abordar la
negritud, la blancura y la representación con niños de 9 a 11 años de dos clases sociales
diferentes. Para ello, empleamos enfoques metodológicos de investigación-acción. Los datos
de le studio demostraron la importancia de las clases de teatro como potenciadoras del
diálogo entre las diferencias y cómo las acciones desarrolladas podrían contribuir a una
educación transformadora.
Palabras clave
: Educación antirracista. Raza. Negritud. Blancura. Artes escénicas.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por José Sena. Doutorado em Linguística Aplicada pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
2 Mestrado profissional em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em
Artes Cênicas (UNIRIO). Curso técnico/profissionalizante em Formação profissional do ator pela Casa das Artes de
Laranjeiras (CAL), Rio de Janeiro. andrezabittencourt@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/1499940877856072 https://orcid.org/0009-0006-8255-6433
3 Mestrado em Ensino das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Bacharelado em
Artes Cênicas pela Faculdade CAL de Laranjeiras. Técnico em Artes Dramáticas pela Escola Martins Penna (ETET).
raphael_pompeu@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/5984436852402644 https://orcid.org/0009-0003-5459-4078
4 Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorado em Educação pela UFRJ.
pmelgaco@uol.com.br http://lattes.cnpq.br/8573001420943301 https://orcid.org/0000-0002-4301-9305
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Introdução
Quando Maldonado-Torres cunhou, em 2005, o termo Giro Decolonial, era um
caminho de resistência teórico, prático, político e epistemológico à lógica da
modernidade/colonialidade. Anos antes, Quijano (2001) já havia nos mostrado que
a raça, apesar de não estar relacionada à biologia, serviu para configurar o processo
de classificação do sistema mundo e hierarquizar os seres humanos. Foi o
pensador que nos provocou a refletir a relação entre colonialismo e colonialidade5,
destacando que embora o período colonial tenha terminado, ainda vivemos
marcados pelo pensamento instaurado naquele momento, que determinou a
subalternização, desumanização e muito sofrimento.
Assim, desde o final da década de 1990, o grupo modernidade/colonialidade
vem difundindo, compartilhando noções, raciocínios e conceitos que lhe conferem
uma identidade e um vocabulário próprio, contribuindo para a renovação analítica
e utópica das ciências sociais latino-americanas do século XXI (Ballestrin, 2013).
Com isso, vem mostrando a importância de reconhecer, valorizar conhecimentos
outros, problematizar e decolonizar os pensamentos. Ao longo destes últimos
anos, diversos estudiosos de diferentes áreas de conhecimentos têm discutido e
construído possibilidades decoloniais em busca de justiça social e igualdade de
direitos. Neste sentido, nos interessa pensar nas possibilidades que o ensino de
teatro possui para desenvolver projetos e propostas em prol da luta antirracista
que reconheça e valorize negros, indígenas, dentre diferentes grupos alvo do
racismo, como sujeitos, e não como ‘o outro’ da branquitude.
Nesta perspectiva, defendemos o argumento de que escola é o primeiro
núcleo social que a criança conhece fora da família, podendo questionar ou
reforçar as visões de mundo concebidas pelo grupo familiar. Acreditamos que se
trata de um espaço ideal para buscar a inteligibilidade para todos os sujeitos,
propor possibilidades de pensar em vidas que não são pensadas ou reconhecidas
5 Para Quijano (2001) a colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do
poder capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo
como pedra angular do referido padrão de poder e opera em cada um dos planos, meios e dimensões,
materiais e subjetivos, da existência social quotidiana e da escala societal. Origina-se e mundializa-se a partir
da América.
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como tais. Com isso, apoiados pela legislação vigente, entre elas, as leis 10.639/03
(Brasil, 2003) e 11.645/08 (Brasil, 2008), professores (as) de diferentes disciplinas
podem desenvolver importantes trabalhos que problematizem os processos e
pensamentos colonizadores e subalternizantes. Aqui, é importante destacar que
mais do que pensar a decolonialidade nos interessa pensar nas insurgências,
práticas pedagógicas que problematizam as questões raciais.
O objetivo central deste artigo é refletir sobre as possibilidades e os caminhos
que as aulas de artes cênicas podem desenvolver para implementar uma
educação antirracista. Para tal, apresentamos duas práticas pedagógicas
desenvolvidas por uma professora e um professor da educação básica6, em
turmas de educação formal e não formal.
A metodologia da pesquisa ação guiou a realização dos trabalhos por
considerar a possibilidade de refletir sobre a prática pedagógica e, ao mesmo
tempo, promover intervenções no cotidiano, visando provocar mudanças de
entendimento e fomentar o respeito às diferenças culturais a partir de uma ação
sistemática (Silva Junior, P. M.; Leal, R. P; Ivenicki, A 2019). Ou seja, trata-se de uma
proposta de teorização que dialoga com o mundo contemporâneo, com as práticas
sociais que as pessoas vivem, que permite desenhos de pesquisa que considerem
diretamente os interesses que trabalham, agem no contexto de aplicação.
No intuito de apresentar a discussão proposta, o presente artigo está
organizado da seguinte maneira: no primeiro momento apresentamos as questões
raciais no Brasil. No próximo momento, colocamos a branquitude em questão, a
seguir, enfatizamos o teatro em prol de uma educação antirracista. Nas duas
seções seguintes, discutimos as práticas em sala aula, uma utilizando a literatura
negra e a outra o RPG. Por fim, as considerações.
Um olhar sobre as questões raciais no Brasil pós abolição
O discurso eugenista marcou o final do século XIX ao difundir a ideia de que
um país com a maioria da população branca seria mais desenvolvido e estaria no
rumo do progresso. No Brasil pós-abolição, constituído por uma enorme
6 As pesquisas foram desenvolvidas ao longo do mestrado e defendidas respectivamente em 2024 e 2025.
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população negra e pobre, um laboratório para os intelectuais eugenistas foi
instaurado, assim como, a expectativa de que essa população desaparecesse. Esse
processo já acontecia com aqueles que sobreviviam aos horrores da escravidão e
que não tinham mais corpo para produzir, eram descartados qual lixo humano
indesejável (Nascimento, [2016], 1977, p. 79).
Essa busca pela brancura era baseada na ideia de que o sangue branco era
superior a qualquer outro, portanto, durante a mistura, progressivamente, todos
se tornariam brancos. O médico e diretor do Museu Nacional, João Batista de
Lacerda, representou o Brasil no Congresso Universal das Raças, em Paris (1911),
defendendo a ideia do embranquecimento. Ele acreditava que em 100 anos os
mestiços desapareceriam do Brasil. Com essa teoria, o Brasil é transformado num
“espetáculo das raças” (Schwarcz, 1993).
A ideia de que as raças passariam por um processo acelerado de cruzamento
e seriam depuradas mediante uma seleção natural (ou talvez milagrosa), levando
a supor que o Brasil seria algum dia branco (Bento, 2022) jamais aconteceu. O
Brasil falhou na política higienista. A teoria do embranquecimento foi
comprovadamente derrotada. Fazer da miscigenação brasileira uma construção
positiva era o que restava para conseguir o apoio internacional. O Brasil precisava
se justificar e afirmar que a boa convivência com a diversidade racial era possível.
É criado o conceito de democracia racial, mais uma narrativa é produzida, mais
uma vez a linguagem em ação difunde o discurso de que somos uma única nação.
que não se pode eliminá-los, junte-se a eles. Desde que “eles” continuem no
mesmo lugar.
Arthur Ramos foi um grande articulador desse pensamento que constitui a
formação do povo brasileiro. Ele era contra a ciência das raças, mas entendia que
culturalmente a população africana era inferior e que socializando com a cultura
branca, a população brasileira poderia se tornar um exemplo de nação.
Outro intelectual branco responsável pela propagação do ideário da
democracia racial é Gilberto Freyre. Através de sua literatura, ele idealizou as
relações do período colonial brasileiro como harmoniosas. Em
Casa-Grande e
Senzala
(1933/2006) é narrado o romance de uma escravizada com um senhor de
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engenho. Ao romantizar a miscigenação, se propaga, assim, a ideia de que vivemos
em um país integrado, multicultural e diverso. Era mais um discurso construído
para perpetuar as relações de poder no Brasil. O branco não escraviza mais, agora
ele ajuda a população negra dando casa e comida em troca de trabalho. Não
mudança na relação. apenas mudança no discurso. Está a consolidação da
hierarquia racial.
Quando uma patroa branca ajuda sua empregada negra, seja comprando
presentes para seus filhos, doando roupas, seja colaborando financeiramente na
compra de materiais para a construção da sua casa, ou repartindo os restos da
ceia de Natal7, a patroa se considera um ser humano benevolente e caridoso, e a
empregada negra se sente grata e subserviente. O que Ronaldo Salles Jr.(2006) vai
nomear de cordialidade racial. 8
O conceito de democracia racial construiu um tipo de racismo bem específico
que existe aqui. Um racismo sem racistas. Um racismo que ninguém sabe de onde
vem. Um racismo evidente para quem sofre e “invisível” para quem pratica.
O mito da democracia racial pode ser compreendido, então, como uma
corrente ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre
brancos e negros no Brasil como fruto do racismo, afirmando que existe
entre estes dois grupos raciais, uma situação de igualdade de
oportunidade e de tratamento. Esse mito pretende, de um lado, negar a
discriminação racial contra os negros no Brasil, e, de outro lado, perpetuar
estereótipos, preconceitos e discriminações construídos sobre esse
grupo racial (Gomes, 2017, p. 57).
Esse sistema é tão perverso que quanto mais ele nega a discriminação racial,
mais ele reforça estereótipos, preconceitos e discriminações sobre a população
negra, pois se existe uma equiparação racial no Brasil, ou seja, negros e brancos
possuem as mesmas oportunidades desde a formação desta nação, as
desigualdades sociais que existem se devem à incapacidade de determinados
7 Referência ao conto “Maria”, de Conceição Evaristo.
8 A cordialidade é uma espécie de tolerância com reservas, associada ao clientelismo e ao patrimonialismo
nas relações sociais, reproduzindo relações de dependência e paternalismo. A associação entre cordialidade,
clientelismo e patrimonialismo parece ser parte da explicação da manutenção de um racismo institucional
não-oficial relações sociais difusas e informais que se infiltram e “aparelham” as instituições oficiais. A
articulação de cordialidade, clientelismo e patrimonialismo configura o que denominamos de “complexo de
Tia Anastácia”, no qual a pessoa negra aparece “como se fosse da família” ou como sendo “quase da família”.
Essa proximidade social quase nunca transpõe o limite do como se ou do quase (Salles Jr, 2006, p. 230).
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grupos ascenderem, no caso, negros e indígenas. Para reforçar essa lógica, são
apontados alguns negros que obtiveram “sucesso”, como exemplo de democracia.
É comum ouvirmos que se no Brasil existisse racismo alguns negros nunca teriam
ascendido socialmente (Gomes, 2017). É nesse sentido que o período pós-
abolicionista perpetua o pensamento colonialista e, apesar de acabar com a
escravização, mantém e reforça a hierarquização das raças. Um poder que está
enraizado em nossa sociedade e que, para ser combatido, é preciso desconstruir
o pensamento de que a raça branca é superior. Assim, a proposta da próxima
seção é discutir a branquitude.
Branco também é raça
Discutir branquitude é discutir sobre os atravessamentos que acontecem a
partir da problematização do grupo racial branco em nossa sociedade. Assim, é
necessário colocar uma lente sobre a pessoa branca para se entender a dinâmica
em que o racismo se estrutura, mantém-se e se fortalece, e a responsabilidade
que recai sobre eles, na perpetuação ou desestabilização das dinâmicas de
opressão de quem detém o poder. Dentro desse processo, é na mão da raça
branca que o controle e o domínio sobre os outros corpos são centralizados. Esse
poder passa a ser sistematizado em vantagens sociais e privilégios das quais esse
grupo restrito passa a ser detentor, fazendo a sua manutenção e garantindo que
perpetue. Podemos entender esses “acordos tácitos, como pactos não
verbalizados, não formalizados. Pactos feitos para se manter em situação de
privilégio, higienizados da usurpação que os constitui” (Bento, 2022, p.120).
É a esse sistema de poder, que garante a manutenção de privilégios e
vantagens sociais, que damos o nome de branquitude.
[...] a branquitude é entendida como uma posição em que sujeitos que
ocupam esta posição foram sistematicamente privilegiados no que diz
respeito ao acesso a recursos materiais e simbólicos, gerados
inicialmente pelo colonialismo e pelo imperialismo, e que se mantêm e
são preservados na contemporaneidade. Portanto, para se entender a
branquitude é importante entender de que forma se constroem as
estruturas de poder concretas em que as desigualdades raciais se
ancoram. Por isso, é necessário entender as formas de poder da
branquitude, onde ela realmente produz efeitos e materialidades
(Schucman, 2012, p. 23).
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É com a necessidade de entendimento sobre as formas que essa branquitude
encontra de manter e manifestar seu poder dentro de seus espaços de privilégios
que precisamos refletir um pouco mais sobre os lugares que ocupamos nessa
equação. Logo, se somos o resultado dos produtos do “eu” e do “eu em relação”,
é importante que as pessoas brancas estejam sempre atentas à agência, enquanto
pessoas brancas, frente à branquitude, pois são socialmente privilegiadas. Se
reconhecer enquanto pessoa racializada branca, que está inserida no grupo racial
branco, o qual possui vantagens e privilégios garantidos pelo sistema de poder da
branquitude é o imperativo. E, ao se reconhecer, lutar para abrir esses espaços
privilegiados para pessoas não-brancas também ocuparem, ao invés de somente
alimentar o sistema racista no qual vivemos.
Nesse sentido, compreendemos que o ensino de teatro, utilizando a
legislação vigente e compreendendo os discursos que constituíram a racialização
no Brasil, pode contribuir para uma educação antirracista. A proposta é agir por
dois caminhos: o primeiro busca valorizar identidades negras, mostrar narrativas
outras, e o segundo questionar privilégios e pactos da branquitude, como
destacaremos na próxima seção.
A legislação e o ensino de teatro: possibilidades de trabalho em prol de
uma educação antirracista
Sou uma mulher preta, favelada, da periferia da periferia,
o que eu ouvi durante a minha infância e adolescência é
que mulheres pretas retintas e pobres como eu não
poderiam ser artistas. Que acabaria se prostituindo,
engravidando cedo e deixando o filho pra mãe, pra
família criar. Eu quebrei a estatística. Eu fui salva
pela arte e pela educação. O teatro me salvou.
Dani Ornellas
O contundente depoimento de Dani Ornellas nos faz refletir sobre a
importância da arte no cotidiano escolar e o quanto o fazer teatral é potente para
um processo de fortalecimento da autoestima, do autoconhecimento, da
percepção do outro, do pensamento coletivo, do olhar crítico e da afirmação de
ser quem você é. Nesse sentido, argumentamos que o teatro-educação
antirracista pode contribuir para apresentarmos outras narrativas, diferentes
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daquelas construídas e consolidadas pela colonialidade. Assim, a proposta é
problematizar as mazelas, o sofrimento, a discriminação e o apagamento a que os
povos negros foram submetidos. Ao mesmo tempo, interessa interrogar os
supostos privilégios e pactos da branquitude. Brito e Pinheiro (2024) destacam que
o teatro-educação antirracista é aquele que reconhece as várias dimensões do
racismo à brasileira: estrutural, subjetivo, cultural, epistêmico, institucional,
considerando as pessoas negras e indígenas como seres humanos e buscando
novas perspectivas.
É nessa perspectiva que Brito e Pinheiro (2024) afirmam que a linguagem
teatral está localizada no sonho, um lugar de pertencimento no qual histórias
ganham realidade. Os processos ganham outros sentidos, para além daqueles
valorizados pelo pensamento ocidental colonizador. Com isso, “educar se torna
preparar o corpo para sentir, aprender e sonhar. Pode ser também para sonhar,
aprender e sentir. Ou ainda, aprender, sentir e sonhar” (Munduruku, apud, Brito e
Pinheiro, 2024, p 319).
Na história do teatro brasileiro, nós temos o maior exemplo de como o teatro
pode estar a serviço de uma luta antirracista. Através da criação do Teatro
Experimental do Negro (TEN), Abdias do Nascimento revolucionou a cena teatral
brasileira e abalou as estruturas da sociedade ao usar a linguagem e o espaço da
criação teatral para além da formação artística. Abdias desenvolveu um projeto de
teatro e educação visando uma formação política que problematizava o poder
hegemônico. E fez isso através da negritude.
Um teatro negro do Brasil teria de partir do conhecimento prévio da
realidade histórica, na qual exerceria sua influência e cumpriria sua
missão revolucionária. Engajado a esses propósitos foi que surgiu o TEM,
que fundamentalmente propunha-se a resgatar, no Brasil, os valores da
cultura negro-africana degradados e negados pela violência da cultura
branco-europeia, propunha-se a valorização social do negro através da
educação, da cultura e da arte. Teríamos que agir urgentemente em duas
frentes: promover, de um lado, a denúncia dos equívocos e da alienação
dos estudos sobre o afro-brasileiro; de outro, fazer com que o próprio
negro tomasse consciência da situação objetiva em que se achava
inserido (Nascimento, [2016],1968 p. 198)
Ele afirmava que era fundamental que a população negra conhecesse a sua
história e realizou essa ação social através do TEN. Na base do projeto estava o
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fortalecimento da autoestima, da identidade cultural e da estética negras com
base na valorização da matriz cultural africana e de vários projetos de intervenção
social (Almada, 2009, p. 80). Esta iniciativa inspirou diversos grupos e coletivos
negros a desenvolverem trabalhos que permitiram divulgar e comunicar as lutas
e realidades negras por meio de práticas artísticas. Com isso, propiciou um fazer
teatral inclusivo, que também tem em seu cerne o compromisso com a educação
(Sales, 2023).
Assim, Sales (2023) apresenta os signos de teatralidade do teatro negro que
podem servir como guia para estruturação de jogos e de trabalhos pedagógicos
em sala de aula: identidade, cidadania, atos rituais e ancestralidade. Acreditamos
que trabalhar estes elementos nas aulas de artes cênicas, em conjunto com a
problematização de privilégios e pactos da branquitude pode contribuir para a
construção de um teatro-educação antirracista.
Hoje, como resultado da luta do movimento negro por políticas públicas de
ação afirmativa, nós temos respaldo legal para continuar a desconstruir a história
eurocêntrica. As leis 10.639/03 e 11.645/08 que obrigam o ensino da história e
cultura afro-brasileira e indígena nas escolas representam uma conquista
histórica. Elas são importantíssimas para o Brasil, porque, com elas, o Estado
reconhece a necessidade do combate ao preconceito, ao racismo e à
discriminação na busca pela redução das desigualdades. O Estado assume que
desigualdades raciais no Brasil. A Lei nos respalda para fazer da sala de aula uma
luta diária antirracista, nos garante o direito de cumprir nossa obrigação nessa luta
cidadã de todas e todos e nos possibilita romper com a perpetuação de uma
história hegemônica. Com isso, nas duas próximas seções apresentamos dois
trabalhos realizados em sala de aula, no chão da escola, que indicam caminhos e
possibilidades para o desenvolvimento de uma educação antirracista.
Entre literatura, teatro e crianças negras: a busca pela valorização da
representatividade
A escola é um dos primeiros espaços onde crianças negras vivem as dores
do racismo. Além da proteção que essas crianças necessitam, é imprescindível
sensibilizar, discutir, refletir, criticar a narrativa que nos foi imposta. Não podemos
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continuar a reproduzir a história europeia branca como a única existente. Do
mesmo jeito que a escola não pode continuar se apresentando como uma
experiência de negação, de distorções e de perpetuação do racismo ao invisibilizar
e silenciar outras narrativas.
O teatro-educação antirracista pautado nas ideias de Krenak (2019)
amplia as nossas possibilidades de sonharmos mundos aparentemente
impossíveis em que todos nós possamos compartilhar experiências, sem
excluirmos outras tantas (Brito e Pinheiro, 2023, p. 319).
Em acordo com Brito e Pinheiro (2023), essa pesquisa teve como norteador
do processo a literatura infantojuvenil negra Alafiá a princesa guerreira de Sinara
Rúbia com o intuito de ampliar possibilidades, sonhar outros mundos e descortinar
histórias invisibilizadas pelo sistema hegemônico. O projeto foi realizado em uma
escola pública localizada na Zona Norte Carioca. Destacamos que essa turma do
5º ano era composta por 70% de estudantes negros/as. As aulas aconteciam uma
vez por semana, por 1h40. Como a escola não tem uma sala de Artes Cênicas, as
aulas aconteciam em uma sala de aula comum.
Ao longo do processo, o contato com a literatura negra foi constante. Eles/as
participaram de duas contações de histórias ao longo da pesquisa. “Os Tesouros
de Monifa” de Sonia Rosa e “Renatinha” de Claudia Gomes Cruz. O grupo conheceu
vários livros de literatura infantojuvenil negra sempre acompanhado de fotografias
dos/as autores/as com o objetivo de provocar a percepção de que pessoas negras
estão em todos os espaços, ampliando a visão que o sistema racista insiste em
limitar para nossas crianças.
A gente quer construir no imaginário coletivo social infantil outra
perspectiva, uma identidade de potência, de positivação, de altivez. Então,
eu acredito que a gente precisa representar pessoas negras na literatura
infantil em um lugar de poder, de ocupar os espaços de poder da nossa
sociedade (Pinheiro, 2023).9
A literatura infantojuvenil negra é um instrumento potente de valorização da
representatividade negra. Ele pode ampliar as possibilidades de se enxergar no
9 https://almapreta.com.br/almapretinha-conteudo/literatura-infantil-negra-desconstroi-estereotipos-
desde-a-primeira-infancia/?g
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mundo, perceber que é possível estar em outras funções que não sejam as
subalternizadas e acreditar em novos caminhos (Carvalho e Silva Junior, 2023).
Alafiá é uma personagem que é construída nessa perspectiva de identidade
de potência, de positividade e de altivez (Pinheiro, 2023). Sinara Rúbia nos
apresenta a história do Brasil a partir do ponto de vista de quem foi sequestrado,
de quem resistiu e salvou muitas vidas no período da escravização. É um texto
que faz uma reflexão histórica e permite ao educador abordar este período do
nosso país através da resistência negra. Uma história que descoloniza o olhar. O
estudo dessa literatura pode iniciar um processo de consciência racial e o fazer
teatral oferece o suporte necessário para a canalização dessa compreensão. Aliado
ao estudo do texto está o processo de resgate da memória familiar de cada
criança: quem são suas princesas guerreiras? Durante a criação do espetáculo, que
foi a contação da história de Alafiá, reservamos um momento para homenagear
essas guerreiras que fazem parte cotidianamente da vida das crianças.
O impacto desta literatura infantojuvenil negra aconteceu desde o primeiro
contato das crianças com o livro. Elas/es não tinham lido nenhum livro no qual
uma mulher negra era princesa. Um dos comentários quase que coletivo foi:
“Nunca vi uma história assim”. O que comprova a perpetuação do discurso
hegemônico (Fanon, [2020], 1952) e afirma o conceito de teatro-educação
antirracista de Linda Smith, a partir da ideia de que é preciso contarmos outras
histórias (Smitch, 2018 apud Brito e Pinheiro, 2024 p 319).
Dentre os comentários sobre o livro, destacamos: “Ela salva seu povo e faz o
que ela quer, mesmo sendo difícil” (Thaís, 10 anos), “Uma princesa africana que
virou uma guerreira para defender seu povo que serviu de exemplo para outras
mulheres” (Yan, 10 anos), “Eu gostei porque fala de princesa e africano” (Sandra, 10
anos), “Ela era a mais linda do reino dela” (Alice, 10 anos), “Alafiá é nosso escudo”
(Yan, 10 anos). Ao admirarem Alafiá tanto por suas atitudes quanto por sua beleza,
compreendendo essa personagem como um escudo, uma proteção, as crianças
estão valorizando a identidade negra. Segundo Sales (2023, p. 55) “A identidade é
o movimento que corporifica a consciência de ser e de pertencer a determinado
grupo social. A identidade é o gesto que corporifica a consciência de ser e fazer
parte do grupo ao qual se sente pertencente”.
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A partir dessa valorização da identidade, discutimos a fundamentação racista
da história do Brasil. Apresentamos a trajetória de Zacimba Gaba e propusemos
que eles/as fizessem relações com Alafiá. Refletimos que, por mais que seja uma
ficção, é baseada em histórias reais que aconteceram em nosso país. Através da
utilização de um texto literário exploramos o desenvolvimento do pensamento
crítico-reflexivo (Rio de Janeiro, 2020, p.13), afirmando o quanto a literatura é um
instrumento de ampliação do conhecimento. Nesta pesquisa, utilizamos o teatro
como ferramenta para potencializar a palavra que havia sensibilizado nossas
crianças.
Todo o processo de criação do espetáculo se deu a partir da utilização do
livro como objeto cênico. Essa ideia surgiu a partir da fala: “Alafiá é nosso escudo”.
Com essa imagem, do livro como escudo, iniciamos os ensaios. Como o roteiro foi
construído junto com a cena, estar com o livro era uma necessidade para contar
essa história.
O trabalho foi ganhando corpo e de fato se transformando em uma contação
de história coletiva. Todas eram Alafiá e guerreiros/as em algum momento e se
revezavam na narrativa da história. A palavra conduziu o processo. De acordo com
Jecupé (2020 apud Brito e Pinheiro 2024, p. 320) é no teatro que a palavra tem o
seu poder mais sublime. Essa construção acontece através da liberdade que as
crianças vão descobrindo no processo criativo e pela força da palavra como é dita
por cada um/a deles/as, pelo entendimento do que eles/as estão dizendo. Além
do livro ser nosso objeto de cena, ele também foi inspiração de desenhos cênicos.
Várias imagens do livro viraram cena. Propusemos um exercício de quadros vivos.
É um exercício muito potente para a criação de cenas. Junto a esse exercício
também utilizamos a transformação de objetos. São exercícios que desenvolvem
a habilidade de identificar possibilidades cênicas em texto não teatral e em
imagens tendo como objeto de conhecimento o texto visual (Rio de Janeiro, 2020),
no caso as ilustrações do livro Alafiá, a princesa guerreira.
Dessa forma, chegamos ao final da história de Alafiá quando ela se casa com
um grande guerreiro e se transforma em uma guerreira quilombola. Chegou o
momento no qual homenagearíamos as guerreiras e/ou guerreiros da vida de cada
criança. A ideia era falar o título do espetáculo: “Quantas Alafiás passaram por
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aqui…” e na sequência os nomes dos homenageados. Entretanto, o título nos levou
a uma reflexão: “Será que passaram? Será que ainda passam? Será que ainda
precisaremos de Alafiás? E assim chegamos à conclusão de que três discentes
falariam cada uma em um tempo verbal diferente: “Quantas Alafiás passaram por
aqui? Quantas ainda passam? Quantas ainda passarão? Problematizamos que a
luta antirracista está avançando, mas que ainda temos muito a caminhar e que
Alafiás ainda estarão surgindo e nascendo para dar continuidade e jamais perder
a esperança (Gomes, 2017).
O nome homenageado por cada criança foi realizado cenicamente através da
gravação das vozes e com cada criança levantando papéis com os nomes escritos.
Essa escolha aconteceu porque percebemos que era difícil para algumas crianças
falarem sozinhas. Dessa forma, a gravação acolheu a todos/as porque se sentiram
mais a vontade. Segundo Pinheiro (2023 apud Brito e Pinheiro 2024, p. 323), nas
rodas de conversa, os momentos de escuta são mais importantes do que os de
fala. Neste aspecto, o teatro-educação antirracista é libertador, pois é na roda que
ele acontece. O teatro dentro da escola precisa abraçar a todos/as os/as
envolvidos/as, independente de habilidades específicas para o trabalho de
atuação. Por isso, um/a estudante que deseja estar em cena, mas que ainda não
se sente à vontade em falar um texto, precisa ser incentivado a participar dentro
das possibilidades que ele/a apresenta.
É fundamental que o docente conduza as aulas de teatro compreendendo
que este/a discente está em processo. A linguagem teatral é muito generosa neste
sentido porque o fazer teatral envolve muitas funções. Tivemos estudantes neste
processo que não entraram em cena, mas que colaboraram com a construção do
roteiro e auxiliando durante os ensaios.
Aliás, refletir sobre essa generosidade do teatro e ampliar esse olhar para a
luta antirracista foi uma das defesas desta pesquisa. Dentro do currículo da Rede
Municipal do Rio de Janeiro esta disciplina tem total possibilidade de desenvolver
um trabalho com base na representatividade negra. Seja pela literatura, pela
música, pelas artes visuais, pela história do continente africano, pela história afro-
brasileira, pela biografia dos vários/ intelectuais negros/as, enfim... são muitas
possibilidades. O teatro tem essa liberdade. Todo tema pode se transformar numa
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improvisação, numa performance ou para quem prefere, num espetáculo.
Teoricamente o espetáculo estava pronto. Quando terminavam a história,
eles/as faziam a homenagem aos guerreiros e guerreiras da vida deles/as.
Entretanto, como o teatro é vivo, e os atravessamentos fazem parte do processo
criativo, fomos atropelados por um terrível acontecimento. No dia 17 de agosto,
Mãe Bernadete é brutalmente assassinada a tiros. Uma mulher negra, ialorixá,
matriarca do Quilombo Pitanga dos Palmares, uma liderança política que passou
a vida lutando pelos direitos quilombolas. Eles/as precisavam saber desse fato.
Quando conversamos com as crianças, algumas sabiam. Viram na televisão,
sabiam que uma Mãe de Santo havia sido assassinada. Falamos sobre a luta de
Mãe Bernardete, sobre o assassinato de seu filho Binho do Quilombo e também
sobre o extermínio de lideranças negras nesse país. Eles/as lembraram de Marielle
Franco (diário de bordo, dia 18/08/2023).
Mãe Bernadete e Marielle Franco foram brutalmente assassinadas porque
resistiam, denunciavam, lutavam contra o sistema da branquitude. O que
demonstra que a perpetuação do extermínio em função da manutenção do
sistema supremacista ainda é presente e atual. Ao final da conversa, associamos
Mãe Bernardete a Alafiá. Ela era mais uma Alafiá. Que conquistou muitas coisas,
através de sua luta coletiva, salvou muitas vidas. Dessa forma, retomamos o
conceito de ancestralidade. De acordo com Sales (2023) a ancestralidade é uma
das referências centrais do teatro negro: “Nesse sentido, não me refiro apenas à
ancestralidade ligada as religiões de matrizes africanas, mas a ancestralidade
enquanto valorização de pessoas que desenvolveram bons feitos na terra,
principalmente em prol do coletivo e que precisam ser saudadas” (Sales, 2023 p.
43). Decidimos que Mãe Bernardete tinha que estar em nossa apresentação.
Precisávamos falar sobre esse extermínio. Sugerimos uma faixa pedindo justiça a
Mãe Bernardete. O espetáculo terminava com essa imagem e com a voz de Elza
Soares clamando por justiça.
Chegou o dia da estreia. O teatro tem esse encanto. A gente sabe o que
está fazendo quando encontramos a plateia. Quando temos o outro. Aquele para
quem construímos. Sem plateia não teatro. Pode ser um, pode ser mil. Não
importa. O ator se entrega ao outro. Essa experiência é um constante exercício de
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praticar a solidariedade, a resiliência e a empatia com o outro, a coletividade (Rio
de Janeiro, 2020) e a afirmação de ser quem você é.
Tivemos falhas em cena e eles/as iam resolvendo. Nunca tiveram contato
com a linguagem teatral e em menos de 1 ano de trabalho estavam em cena, em
cima de um palco profissional, contando uma história que os sensibilizou, que faz
sentido para suas vidas, homenageando as pessoas que amam e denunciando o
racismo no Brasil, praticando o pensamento crítico-reflexivo (Nascimento, [2016],
1968).
Eles/as se surpreenderam com a reação da plateia. E se emocionaram ao
final da apresentação. No retorno à escola, fomos ouvindo as impressões. Eles/as
perguntaram sobre a Sinara Rúbia. Falaram que gostariam de conhecê-la. Sinara
é uma mulher negra que também se tornou uma referência e um espelho para as
crianças. Eles/as gravaram mensagens para ela: “Seu livro foi uma inspiração pra
gente, a gente fez até um teatro, eu pretendo fazer mais teatro, adorei a
oportunidade de fazer o teatro com o seu livro porque ele me ensinou muitas
coisas, eu acho que ele é uma revolução pra gente porque tem muitas escolas que
não falam sobre racismo então esse livro foi muito importante para o nosso
aprendizado” (Yara, 10 anos, diário de bordo, dia 29/08/2023).
Essas falas constatam a importância de um trabalho a partir da
representatividade negra, através da literatura utilizando o teatro como ferramenta
para potencializar e auxiliar a leitura de mundo de nossos/as estudantes.
Destacamos as palavras empoderamento, oportunidade e revolução porque as
três, dentro de cada fala, apresentam um sinal de movimento, de uma possível
desestruturação do que as crianças entendiam como normatizado. As duas
últimas falas relatam o desejo de continuar a fazer teatro, de compreender que é
possível outras experiências aproximando a arte do cotidiano destas crianças.
É preciso ressaltar que são crianças negras periféricas que veem seus sonhos
extintos pelo racismo e que essas falas são esperança e certeza de que a educação
antirracista é o caminho para a desconstrução ou reconstrução de uma sociedade
mais justa e igualitária. Um pensamento/ação que foi construído com a criação do
Teatro Experimental do Negro quando teve como proposta a valorização social do
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negro através da educação, da cultura e da arte (Nascimento, [2016], 1968).
Jogos teatrais e o RPG problematizando a branquitude
Quando pensamos sobre as aulas de teatro e o processo de se criar uma
cena teatral ou até mesmo um espetáculo, encontramos muitas similaridades
entre o teatro e a estrutura do
RPG
em si. Ao se jogar, o tempo e o espaço se
deslocam de um lugar do tempo concreto para o tempo lúdico. Dentro desse
deslocamento, dessa suspensão da realidade pela ludicidade, ficam mais propícias
as relações entre indivíduos.
Esta pesquisa foi desenvolvida em uma turma de teatro extraclasse de uma
escola privada de prestígio na cidade de Niterói e com uma comunidade de pais e
alunos com alto poder aquisitivo. Dentro deste contexto, o grupo era formado por
dezesseis meninas brancas, entre sete e dez anos, moradoras da zona sul da
cidade. E como discutir uma educação antirracista com crianças dentro deste
recorte social e racial?
Na tentativa de responder essa pergunta, não podemos deixar de levar em
consideração que esta experiência da pesquisa teria que se apoiar nas dinâmicas
que acontecem dentro do grupo racial branco, operando nas dimensões de poder
da branquitude. Este jogar aconteceu protegido por estas fortalezas. Foi dentro
dessa consciência que começamos a indagar sobre como adentrar essa fortaleza
para trazer os questionamentos que pensariam a raça branca e seus privilégios
com as alunas. Para fazer isso, necessitávamos do jogo engajado. A proposta era
colocar em questão as estratégias do racismo, enquanto sistema de dominação
que trabalha com a ideia de superioridade de certas pessoas (brancas) em
detrimento a outras (não brancas), em aniquilar ou reconhecer de pensamento
que não aquelas da branquitude (Brito, Pinheiro. 2024).
Assim, começamos a tentar estratégias que possibilitassem a discussão de
temas ligados às questões étnico-raciais, mas em um contexto não expositivo e
não tradicional. A escolha para tal foi o jogo chamado
role-playing game
,
popularmente conhecido como
RPG
, que em tradução livre significa “jogo de
interpretação de papéis”. É um jogo que tem uma situação-problema em que as
participantes e os participantes têm que solucionar desafios através de escolhas
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que dão o rumo da história. Podemos dividi-lo em
duas partes principais: o sistema e a ambientação. Como em todo jogo
de estratégia, existem regras que definem o que um personagem pode
fazer ou não, e é disso que se caracteriza o sistema, ou seja, ele se
configura no conjunto de regras que norteia a sessão de jogo. a
ambientação é o cenário onde a aventura irá ocorrer. (Rodrigues; Costa,
2016, p. 238).
Ou seja, toda partida de RPG tem uma ambientação, ou seja, uma narrativa
que cria o cenário em que os personagens do jogo estarão. Toda sessão pode ser
composta de várias missões, também conhecidas como fases, que são novos
desafios que têm que ser solucionados para se chegar à fase final, que é a questão
principal daquela partida. Cada uma dessas narrativas tem por objetivo
reposicionar pessoas indígenas em lugares de direito onde foram excluídos ao
longo dos processos históricos pulverizadores (Brito, Pinheiro 2024). Ao mesmo
tempo, fazendo com que a branquitude repense e problematize seus privilégios e
pactos.
Koudela discorre acerca da relação que se estabelece no jogo a partir das
regras e dos participantes:
Por meio do envolvimento criado pela relação do jogo, o participante
desenvolve liberdade pessoal dentro do limite de regras estabelecidas e
cria técnicas e habilidades pessoais necessárias para o jogo. À medida
que interioriza essas habilidades e essa liberdade ou espontaneidade, ele
se transforma em um jogador criativo (2017, p. 45).
Essa relação que o jogo teatral proporciona também é muito presente no
RPG. A interiorização de habilidades relacionadas à criação de técnicas criativas
para superar regras e desafios pensados pelo jogo é uma das máximas dos
jogadores de RPG. Além do fato de que você está sempre em grupo no jogo, em
um time, o que proporciona esse senso de cooperação social, de ética e de
respeito aos limites e decisões do outro, tendo que lidar com suas próprias
frustrações e conquistas em prol de um bem comum e não individual. Koudela
(2017, p.45) diz que “os jogos são sociais, baseados em problemas a serem
solucionados. O problema a ser solucionado é o objeto do jogo. As regras do jogo
incluem a estrutura (Onde, Quem, O Que) e o objeto (Foco) mais o acordo de
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grupo”. Em conjunto com as indicações da autora, trouxemos signos, símbolos da
cultura indígena para a criação dos mapas e cartas.
Não foi intenção com esse projeto, desenvolver exímias jogadoras de RPG. A
proposta foi despertar essa habilidade, a espontaneidade e a criatividade baseadas
na relação, não só com o jogo, mas com os jogadores, com o contexto em que se
está jogando e com os desafios que se apresentam para serem solucionados. É
como utilizar da alegoria de um reino encantado para se pensar o mundo real.
Fazendo um paralelo com a realidade, em situações postas em sociedade, uma
aluna pode vir a presenciar um ato racista, praticado por outra colega, por
exemplo, e, uma vez que tenha desenvolvido a sensibilidade, a perspicácia, a
liberdade e a técnica para se posicionar, poderá se manifestar contra esse ato.
O objetivo geral da pesquisa foi realizar um resgate histórico e a valorização
da cultura africana e indígena brasileira, de acordo com as leis 10.639/2003 e
11.645/2008 e de tensionar a branquitude. Para isso, a utilização de jogos teatrais
como missões de uma trama de RPG. A narrativa foi situada no território de
Pindorama, pré-colonização portuguesa. O alunado assumiu papeis e, a partir de
suas escolhas frente aos desafios propostos pelos exercícios, questões como
racismo, privilégios e vantagens sociais do grupo racial branco foram discutidos,
pois para se entender a branquitude é necessário compreender como “se
constroem as estruturas de poder concretas em que as desigualdades raciais [...]
é necessário entender as formas de poder da branquitude, onde ela realmente
produz efeitos e materialidades” (Schucman, 2012, p. 23).
O projeto iniciou com aulas acerca do contexto da construção social de
Niterói, a partir das guerras e as alianças que aconteceram entre os portugueses
e os temiminós, liderados por Araribóia, para expulsar os franceses e assim fundar
a cidade. Logo em seguida, falamos sobre os nomes que a cidade recebeu, o
processo de urbanização e como seriam as relações raciais e com a natureza, se
os indígenas não tivessem sido massacrados e sim se tornado aliados na
construção da cidade. O que desencadeou uma série de questionamentos que
surgiram a partir da cor de pele, dos tipos de cabelos e condição social.
Embora tivesse sido dada a possibilidade, nenhum dos grupos criou uma
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missão em que os indígenas fossem libertos e/ou que se modificasse a relação
entre eles e os brancos. O mote era comum a todos os grupos: vocês poderão
voltar no tempo, antes da chegada dos portugueses, e terão a oportunidade de
modificar algo na nossa história. Todas as histórias criadas pelas alunas eram
sobre sair daquele lugar. Resolver as missões e voltar para casa.
Percebemos que o contato com a história da invasão de Pindorama, a
colonização especificamente de Niterói, e a descoberta de que as ruas onde
muitas delas moram levam nomes de etnias dizimadas não bastou para despertar
a urgência de mudança da história. Possivelmente, isso se deu porque essa
questão não apresenta nenhum tipo de urgência para essas meninas. A
branquitude segue protegida e gozando das facilidades de livre circulação, de
mobilidade social e de riquezas. De domínio. De poder. Qual urgência seria
despertada em crianças que não tem a dimensão real do que seria a dificuldade
social? E mesmo que, de forma empática, elas pudessem pensar nessa mudança,
a partir do momento em que seu conforto era colocado em xeque,
automaticamente, a escolha era pela opção em que seus desejos e vontades
fossem acatados, como o voltar para casa logo para estar com sua família e seus
bens.
Ao perceber essa questão, trouxe um novo dado para o jogo como tentativa
de tensionar ainda mais as discussões: os
NPCs
(
Non-personcharacters
), ou seja,
um personagem que não é interpretado por ninguém e sim pelo Mestre do jogo
(DelDebbio, 2004). Enquanto estratégia, o NPC seria a maneira de trazer o assunto
sobre os privilégios da branquitude de forma mais direta para o grupo de meninas,
sem que houvesse a necessidade de que eu, o professor, fosse a pessoa a
questionar a turma. Criamos um
NPC
que trouxe duas caixas, as quais apontavam
possíveis caminhos para aquele grupo. Cada escolha teria uma consequência. Uma
das propostas que as caixas traziam eram:
CAIXA 1: Usar o pó da Aróbia, pó mágico criado em uma das histórias por um
dos grupos de meninas para dialogar com os portugueses, o que faria com que
tivessem que esperar 40 anos em Pindorama até a chegada dos colonizadores.
CAIXA 2: Poderiam usar o da Aróbia para curar os indígenas doentes e
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voltar para casa naquele momento.
A maioria das alunas votou para que pudessem usar o mágico, curar os
indígenas e, assim, voltar logo para casa. Depois, as alunas foram questionadas
sobre o porquê dessa escolha, de preferirem a Caixa 2, mesmo sabendo que
tinham a chance de mudar completamente a história do Brasil e salvar milhares
de indígenas. A seguir, destacamos uma das falas ditas, a qual usei para
problematizar a questão de privilégio: “Eu quero... não porque... eu não quero ser
egoísta, porque eu quero curar os indígenas. Eu não quero dialogar com os
portugueses, eu não quero fazer isso. Eu quero curar logo os indígenas e ainda
poder ficar na minha casa. Isso é um benefício” (A.M., diário de campo, 13/08/2024).
Foi a partir dessa fala que encontramos a porta de entrada para uma tentativa
de aprofundamento sobre os privilégios da branquitude nesse dia. Conversamos
sobre o que ela entendia sobre benefício e ela me explicou dizendo que era algo
bom que se ganhava, como poder ficar em casa, com a família. Abrimos a conversa
para a turma perguntando se todos concordavam e se tinham outros exemplos a
acrescentar. A discussão sobre os benefícios, que a partir daquele momento,
dissemos a elas que usaria a palavra “privilégio”, durou duas aulas. Primeiro
aprofundamos o entendimento sobre o privilégio e o que elas achavam que tinham
como privilégios em suas famílias. Todas trouxeram questões que envolviam a
posse, casa, carros etc. Depois comparamos a outras pessoas em nossa sociedade
que talvez não tivessem as mesmas condições delas, e a maioria apresentou
argumentos meritocráticos para justificar o porquê suas famílias tinham e outras
não. Refletir sobre o lugar que ocupam na sociedade, a partir de suas posses e sua
raça, é começar a pensar sobre seu lugar social e quais os fatores que as levam
até ali.
O jogo do
RPG
, dentro da aula do teatro, foi utilizado como uma estratégia
para possibilitar um deslocamento da zona de conforto social e racial, ao tratar
sobre um grupo de meninas brancas e de classe média alta. Ao não cogitarem
mudar a história, por não quererem perder privilégios, demonstraram que não
havia urgência em resolver algo que não afetava suas vidas diretamente. Muito
pelo contrário, preferiram que a história continuasse sendo a história, tal qual a
conhecemos, já que o preço era a perda de vantagens e confortos sociais.
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Acreditamos que refletir sobre essas questões, proporciona um benefício na
construção de identidades de meninas brancas, ao se reconhecerem como tais,
racializadas, e não mais como o dito “padrão”. Ao se discutir e problematizar esse
lugar de privilégio do grupo racial branco, possibilitamos um chamado a
responsabilização histórica pelo sistema racista. Existe um tensionar que é
proporcionado através do jogo, ainda que alegórico, mas que revela as
consequências que a dominação racial teve na nossa história brasileira.
Para essas meninas, o projeto foi conduzido com o desejo de que a cidadania
racial fosse ressignificada: um convite a ação consciente, proporcionada pelas
regras do jogo, em prol de questionar o sistema racista que sustenta a branquitude.
É pensar o grupo racial branco, não como um estado de ser dado e universal, mas
sim, como uma posição de poder que deve ser questionada e problematizada. E,
principalmente, utilizar desse lugar de poder, agora consciente, para uma agencia
na transformação social antirracista.
Para não concluir
A questão que esteve implícita ao longo do texto foi em que medida o ensino
do teatro pode contribuir para o desenvolvimento de uma educação antirracista.
Neste sentido, as práticas pedagógicas apresentadas mostraram as possibilidades
da utilização da literatura negra e do RPG para valorizar a autoestima, a
representatividade, a problematização do lugar social ocupado pelo grupo racial
branco.
Assim, as discussões confirmaram a importância de entrelaçar no cotidiano
escolar e nas salas de aula de teatro as discussões sobre raça. Seja na educação
formal ou informal o importante é desenvolver práticas e posturas que desafiem
o pensamento colonial e consequentemente, desnaturalizem – ou minimamente,
perturbem o que é considerado natural ou normal. Essas propostas podem
contribuir para educação para as relações étnico-raciais que valorizem negros e
indígenas, reconheçam as diferenças culturais e que principalmente promovam a
justiça social.
A escola exerce um papel imprescindível para a desconstrução do olhar
hegemônico que reforça a perpetuação do racismo. O quanto é pungente
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problematizar o papel da branquitude dentro do processo de fundamentação do
racismo em nosso país. Enquanto o branco não se responsabilizar e lutar para
romper com o sistema da branquitude, estará dando continuidade e sendo omisso
neste processo.
É imprescindível que crianças negras se enxerguem em todos os espaços que
quiserem estar, que tenham o direito de sonhar para além do que a branquitude
determinou para elas. A luta antirracista é para que possamos romper com esse
genocídio concreto e subjetivo do ser negro neste país. Para que no futuro espaços
majoritariamente brancos estejam enegrecidos porque crianças negras se
tornaram adultos criados para a liberdade e crianças brancas se tornaram adultos
sensíveis e conscientes porque decidiram mudar a história e não voltar para suas
casas abrindo mão de seus privilégios. Com isso, mudando as táticas do jogo em
busca de uma sociedade sem privilégios e vantagens sociais, onde todas e todos
estão sob as mesmas regras da aventura que é viver, independentemente de sua
raça.
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Recebido em: 14/09/2025
Aprovado em: 21/11/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br