1
Arar a terra e semear: estratégia metodológica
pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Para citar este artigo:
PEREIRA, Marcos Vinícius Firmino. Arar a terra e semear:
estratégia metodológica pluricultural.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3,
n. 56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0120
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
2
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural1
Marcos Vinícius Firmino Pereira2
Resumo
A pesquisa-ação envolvida propõe práticas pedagógicas interdisciplinares entre Capoeira
Angola e Teatro como modos de aprendizagem para a valorização da História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira nos espaços escolares. Riscada e grafada em autores como Asante
(2009), Rufino (2017) e Thiollent (1986), a metodologia visa combater a
cosmofobia
(Santos,
2019), expressão da marginalização simbólica da cultura negra. As oficinas realizadas em
instituições de ensino públicas e privadas promoveram a ressignificação dos saberes
ancestrais, ampliando a efetividade da Lei 10.639/03 (Brasil, 2003). A abordagem enfatiza
a não-domesticação (Gonzalez, 1984; Santos, 2023) no envolvimento em cenas
afro-teatrais
.
Palavras-chave
: Afrocentrismo. Arte-Educação.
Cosmofobia
. Capoeira Angola. Currículo
pluricultural.
Plow the land and sow: multicultural methodological strategy
Abstract
The action research involved proposes interdisciplinary pedagogical practices involving
Capoeira Angola and Theater as learning methods for the appreciation of African and Afro-
Brazilian History and culture in schools. Drawing on and drawing from authors such as Asante
(2009), Rufino (2017) and Thiollent (1986), the methodology aims to combat
cosmophobia
(Santos, 2019), the expression of the symbolic marginalization of Black culture. Workshops
held in public and private institutions promoted the redefinition of ancestral knowledge,
expanding the effectiveness of Law nr. 10.639/03 (Brasil, 2003). The approach emphasizes
non-domestication (Gonzalez, 1984; Santos, 2023) in involvement in Afrotheatrical scenes.
Keywords:
Afrocentrism. Art Education.
Cosmophobia
. Capoeira Angola. Multicultural
curriculum.
Arar la tierra y sembrar: estrategia metodológica multicultural
Resumen
La investigación-acción propone prácticas pedagógicas interdisciplinarias que integran la
Capoeira Angola y el Teatro como métodos de aprendizaje para la apreciación de la historia
y la cultura africana y afrobrasileña en las escuelas. Basándose en autores como Asante
(2009), Rufino (2017) y Thiollent (1986), la metodología busca combatir la
cosmofobia
(Santos,
2019), expresión de la marginación simbólica de la cultura negra. Talleres realizados en
instituciones públicas y privadas promovieron la redefinición de los conocimientos
ancestrales, ampliando la efectividad de la Ley n. 10.639/03 (Brasil, 2003). El enfoque enfatiza
la no domesticación (Gonzalez, 1984; Santos, 2023) en la participación en escenas afro-
teatrales.
Palabras clave
: Afrocentrismo. Educación artística.
Cosmofobia
. Capoeira Angola. Currículo
multicultural.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Regina Ferreira Alvarez. Graduação em
Letras Português/Espanhol pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) - Rio de Janeiro.
2 Mestrando em Relações Étnicas-Raciais, no Cefet-RJ, Bolsista (Cefet-RJ). Bacharelado em interpretação
teatral e licenciatura em teatro pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Ator,
produtor, roteirista e arte-educador negro, com uma caminhada diversa e plural.
socramorama@gmail.com
https://lattes.cnpq.br/8329242318167459 / https://orcid.org/0009-0000-8010-7868
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
3
Introdução
Este artigo apresenta uma proposta metodológica arraigada nos cotidianos
de ensino de instituições públicas e privadas de Educação Básica, com o objetivo
de transformar espaços educacionais através da confluência entre a Capoeira
Angola e o Teatro. A metáfora do semear (Santos, 2019) é inspirada nas correlações
simbólicas em como podemos inter e transdisciplinar, conforme a Lei 10.639/03
(Brasil, 2003), a História e Cultura Africana e Afro-Brasileira.
Em campo atuante, percebe-se a transfluência (Santos, 2015) de estratégias
que visam construir espaços de celebração e sociabilidade, compondo uma
confluência cultural negra dentro de espaços educacionais, como alternativa de
soluções perante situações de intervenção arte-educativa em que se buscou
instigar reorientações possíveis de conteúdos programáticos e currículos a favor
de uma cosmopercepção (Oyêwùmí, 2002) africana e afro-brasileira para a criação
de alternativas inter e transdisciplinares ligadas aos modos de significação para
operar os saberes orgânicos e dinâmicas rodantes (Santos, 2019).
A proposta configurou-se no processo de um agente coletivo, dinâmico e
radical 3 (Moura, 1983), mobilizando aprendizes-participantes em experiências
“heliotrópicas” orientadas para a luz da cultura negra (Asante, 2009).
Fundamenta-se o princípio afrocêntrico de que “[...] a educação é um fenômeno
social cujo propósito é socializar o aprendiz” (Asante, 2009, p. 170), assentando-se
em aglutinar espaços de sociabilidade com a Cultura Africana e Afro-Brasileira. O
presente artigo tem como cerne simbólico a superação da
cosmofobia
o medo
do cosmos, injetado pelo colonialismo, para afastar o sujeito negro de sua herança
cultural e impedir sua aproximação com a História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira nos cotidianos escolares (Santos, 2019). Essa patologia ideológica
manifesta-se, por exemplo, na associação pejorativa entre cultura negra e matrizes
de religião de origem africana e afro-brasileira, observada empiricamente na
3 Os agentes dinâmicos radicais são situados, historicamente, como sujeitos que conseguiram “pôr em
cheque” as estruturas coloniais racistas, com a valorização de movimentos negros transformadores da
condição negra. São insurreições, revoltas, organizações, legislações, quilombos, favelas, “perfurações” de
espaços de poder para que, nos dias atuais, os negros possam alcançar o Estado de Direito e pertencer ao
território como contribuintes e formadores da sociedade brasileira, sendo respeitada e reconhecida sua
humanidade. Nada abaixo disso.
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
4
pesquisa-ação em diversos contextos escolares.
A metodologia baseada na pesquisa-ação (Thiollent, 1986) opera nas
estratégias de engajamento sociopolítico contra modelos colonialistas de
adestramento e domesticação (Gonzalez, 1984; Santos, 2023) formados
pedagogicamente. Nessas práticas, obedeceu-se à rejeição por imperativos
pedagógicos e optou-se pelo convite e livre-arbítrio, como antídotos à
cosmofobia
(Santos, 2019) percebida nos espaços institucionais de Educação. As oficinas
elaboradas promoveram um intercruzamento entre a corporeidade dos modos de
aprendizagem da Capoeira Angola e o pensamento do corpo extracotidiano (Barba,
2009).
Nessa transfluência, que “[...] é a composição da confluência” (Santos, 2019,
p. 31), os espaços assentados foram enriquecedores como campos de observação
das oficinas realizadas: COPENE 2024 (Belém/PA), IFRJ (Duque de Caxias/RJ),
Instituto Dalton (RJ), CEFET (Petrópolis/RJ) e OSC Maria Navalha (RJ). Nestes
locais, articularam-se movimentos iniciáticos da Capoeira Angola (ginga, meias-
luas, esquivas), com a criação de cenas
afro-teatrais
4, utilizando-se ladainhas5
como fundamento da oralidade histórica.
A proposta ancora-se em valores como circularidade, corporeidade,
ancestralidade e comunitarismo (Silva, 2021), visando extrair o saber ancestral
(Santos, 2019) e cumprir a Lei nº 10.639/03 (Brasil, 2003). Seu poder transformador
reside na capacidade de “[...] contornar a ideologia do corpo ocidental” (Sodré, 1983,
p. 160) e cultivar adaptabilidades em transformação nas quais os aprendizes-
participantes ressignificam saberes através de modos de aprendizagem que os “[...]
regurgitam e cospem transformados” (Rufino, 2017, p. 13) no cotidiano escolar. A
análise das experiências revela tanto as tensões “nevrálgicas” enfrentadas pela
cultura negra nos espaços institucionais quanto o potencial encantatório de uma
4 A expressão
afro-teatral
deriva do prefixo “afro-que denota filiação identitária, com intencionalidade política
e estética, com o sufixo -teatral” vinculado à representação performática, centrada na dramaticidade. O
termo emerge no século XX, associado às dinâmicas do Teatro Experimental do Negro (TEN), designando
ações políticas, culturais e simbólicas no campo artístico. Ao interligar essas dimensões semânticas,
configura-se uma linguagem cênica que ressignifica elementos do patrimônio imaterial negro. Assim, a
afro-
teatralidade
consolida-se como dispositivo estético-político de reativação da memória negra, transformando
heranças culturais em atos cênicos de resistência, reexistência e transformação dos currículos escolares.
5 São as invocações de iniciação da roda na Capoeira; cânticos, por vezes improvisados, entoando as fontes
dos saberes da História e Cultura negra na sociedade brasileira.
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
5
Arte-Educação negra que perfura acessos e semeia alternativas emancipatórias
de conhecimento no campo das Ciências da Educação e Relações Étnico-Raciais.
Análise das experiências: estratégia metodológica, suporte, adaptações e
discussão de resultados
As oficinas
afro-teatrais
, realizadas entre 2024 e 2025, revelaram camadas
possíveis de interação entre corpo, cotidiano escolar e memória ancestral. A partir
do conceito de corpo confluente (Santos, 2019), operou-se uma estratégia
metodológica, que reposicionou uma pedagogia como prática de contágio
simbólico e insurgência performativa nas localizações onde a pesquisa-ação foi
realizada.
O que segue é a análise de quatro experiências representativas, nas quais o
gesto das ações de transformação emergiu como desdobramento das interações
entre sujeitos, espaços, saberes e conhecimentos advindos da contribuição da
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira. Foram oficinas em que se ressignifica
a operação de uma reconfiguração simbólica do espaço educativo através de
manifestações sonoro-corporais que operaram como estratégia de desmanche
simbólico das formas de aprendizagem de adestramento e domesticação.
Adestrar e colonizar são a mesma coisa. Tanto o adestrador quanto o
colonizador começam por desterritorializar o ente atacado quebrando-
lhe a identidade, tirando-o de sua cosmologia, distanciando-o de seus
sagrados, impondo-lhe novos modos de vida e colocando-lhe outro
nome. O processo de denominação é uma tentativa de apagamento de
uma memória para que outra possa ser composta (Santos, 2023, p. 2).
Segundo Gonzalez (1984, p. 225), “[...] por que o negro é isso que a lógica da
dominação tenta (e consegue muitas vezes, nós o sabemos) domesticar?” A forma
como o discurso foi argumentado nesses locais foi um “convite” à participação nas
práticas, sem que fosse imperativo, sem que a participação fosse uma obrigação
à pesquisa. “Ninguém é obrigado a nada”, foi o enunciado. Isto vai desmanchando
e pulverizando o vírus da
cosmofobia
(Santos, 2019) porque, nesses espaços de
localização social e psicológica, em muitos casos, as pessoas em formação são
“domesticadas” a se moldar perante os conteúdos programáticos que atrofiam o
conhecimento aplicado. Assim,
mandinga-se
uma estratégia de ensino e
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
6
afrouxam-se os imperativos para que os aprendizes-participantes tenham a opção
de escolha. Quando “desmanchamos” a imposição, encantamos com o livre-
arbítrio ou o efeito de comungar que ancora a centralidade do chão que cada
indivíduo pisa e quer pisar.
A Arte-Educação negra é trazida a contribuir para a aproximação do
cumprimento da Lei 10.639/03 (Brasil, 2003) no cotidiano escolar público e
privado. Foi possível elaborar uma estratégia metodológica pluricultural, que
“perfura” acessos no lugar da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, e ser
opção à defesa da diversidade arte-educacional, a fim de que a Lei seja cumprida
em todos os âmbitos na reorganização dos currículos escolares, com possibilidade
de novas concepções de adaptação de assentamentos “cosmoperspectivos” no
cotidiano escolar.
A responsabilidade do agente-propositor nos espaços institucionais de
Educação é irradiar possibilidades de “destruição” dos modelos colonialistas de
adestração e domesticação no cotidiano escolar. Podemos buscar o extravismo
do saber ancestral (Santos, 2019) nesta proposta de arar a terra e semear a
interação com a História e Cultura Africana e Afro-Brasileira ao encantar o
envolvimento de um espaço de sociabilidade tramitado em:
[...] contornar a ideologia do corpo ocidental expressa nas prescrições
que obrigam a um determinado uso do corpo, nas representações fixas,
nos hábitos adquiridos e consolidados e adotar, em questão de
segundos, uma atitude nova (Sodré, 1983, p. 160).
Assim, opta-se por fundamentar assentamentos de escolha de livre-arbítrio,
transformando as palmas gestos aparentemente cotidianos em dispositivos
de evocação ancestral, ressignificando o cotidiano escolar como território de
insurgência poética, conforme podemos detectar na Tabela abaixo.
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
7
Tabela 1 Ilustração da estratégia metodológica, adaptações, locais e duração
Local
Número de
aprendizes-
participantes
Duração
Estratégia adaptativa
COPENE/2024
Belém/PA
10 pessoas
entre 20-55
anos. Negros.
240 minutos
divisão de 2
oficinas de 120
minutos.
Ginga; gesto performático; imagens
em relação; elementos da natureza;
inserção de ladainhas; criação de
cenas
afro-teatrais
.
IFRJ-Duque de
Caxias (RJ)
80 pessoas
entre 16-55
anos.
Variados.
120 minutos
Ginga; movimentos corporais-verbais
da Capoeira Angola; coreografias
lacunares; inserção de ladainhas;
criação de cenas
afro-teatrais
.
Rede de
Ensino Dalton
(4) Rio de
Janeiro/RJ
220 pessoas
entre 8-40
anos.
Variados.
480 minutos
divisão de 4
oficinas de 120
minutos
Ginga; movimentos corporais-verbais
da Capoeira Angola; coreografias
lacunares; inserção de ladainhas;
criação de desenhos e escrita
criativa; criação de cena
afro-teatral
;
exposição de mosaico de criação.
CEFET
Petrópolis/RJ
60 pessoas
entre 14-18
anos.
Variados.
240 minutos
divisão de 2
oficinas de 120
minutos.
Ginga; movimentos corporais-verbais
da Capoeira Angola; formação
improvisacional de uma roda de
capoeira; inserção de ladainhas e
sambas-raiz; criação de cenas
afro-
teatrais
, com figurinos remetentes ao
Samba e Capoeira Angola.
OSC Maria
Navalha Rio
de Janeiro/RJ
20 pessoas
entre 9-60
anos.
Variados.
30 minutos de
oficina.
Ginga em confluência com Dança-
afro.
Total de
localizações: 8
Total de
pessoas: 390
participantes.
Total em
minutos/horas
: 1.110min./19h.
Resultado:
Exercícios lúdicos adaptáveis, a partir
de patrimônio imaterial da Cultura
Africana e Afro-Brasileira.
Legenda: estratégia metodológica pluricultural em pesquisa-ação nas localizações dispostas,
mobilização de aprendizes-participantes, horas complementares interdisciplinares e resultado
obtido. Fonte: Marcos Pereira (2025).
Apresenta-se, a partir da Tabela 1 acima, a pesquisa-ação nas localizações
diversas, em formato de oficinas, que resultaram em atividades lúdicas de
interdisciplinaridade com a História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, dentre as
raízes culturais negras: a Capoeira Angola, Samba e Dança-afro, em transfluência
com fundamentos da teatralidade antropológica. Verifica-se que a estratégia
altera, dependendo da localização em áreas externas ou internas, número de
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
8
aprendizes-participantes, faixa etária variante e efetividade no enfoque
participativo das atividades lúdicas.
Foi possível analisar através das “[...] ações nos meios sociais delimitados,
principalmente com referência aos campos constituídos e designados como
educação, comunicação e organização” (Thiollent, 1986, p. 9), a contaminação da
cosmofobia
intrínseca (Santos, 2019) no cotidiano escolar nos primeiros contatos
entre agente-proponente e aprendizes-participantes, pois uma pessoa, pelo
menos, ao perceber a abordagem-temática cultural negra nas práticas,
questionava se havia conexão com “macumba”6, expondo o medo da cultura negra
na relação entre as religiões de matriz africana. A desassociação ocorreu somente
na localização OSC Maria Navalha/RJ devido também ao funcionamento de uma
casa de axé no local.
A pesquisa-ação ainda se deparou com a realidade do cotidiano escolar
quanto à aproximação com a Arte e Cultura negras, que cerca de 90% dos
aprendizes-participantes não tiveram contato algum com capoeira ou teatro. Por
isso, foi necessário fundamentar estratégias discursivas de aproximação com os
sujeitos atuantes ao construir um espaço de confiabilidade e adaptabilidade do
campo da Educação na aprendizagem das manifestações artísticas e culturais
negras.
Por meio dos dados coletados, verificou-se a operalização de uma
reconfiguração simbólica do espaço educativo alocado na apropriação ritualizada
em sociabilidade. Através de elementos corporais, gestualidades lentas, instaurou-
se um território estético-afetivo, com saberes e conhecimentos advindos da
Cultura negra. Com as atividades lúdicas e oníricas, perpetraram-se metáforas
corporais, constituíram-se como vetores de contágio imagético, fazendo da ginga
uma prática de reexistência. De seus atos, germinam cenas
afro-teatrais
,
reafirmando o eixo da centralidade simbólica do processo de transformação e
adaptação mútua entre conteúdo, agente-propositor e aprendizes-participantes.
A presença cênica gerada por essas gestualidades remete à ideia de corpos
6 Expressão usada, sobretudo, no sudeste do país, onde são nomeadas as religiões de matriz africana:
Candomblé, Umbanda, Quimbanda, dentre outras.
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
9
teatralmente decididos (Barba, 2009), ao passo que rompe com a racionalidade
linear do palco Ocidental, ressignificando as localizações como espaço de criação
arte-educativa em sociabilidade com a Cultura negra, memória ancestral e luta
pela abordagem de um conteúdo de aprendizagem e aproximação à História e
Cultura Africana e Afro-Brasileira, assentando instaurações de ritos involuntários,
em resposta não programada como palmas rítmicas, que passaram a emergir
espontaneamente e impregnar durante a apresentação das cenas
afro-teatrais
em
todas as localizações. Revela-se um substrato de memória corporal coletiva que
subverteu a estrutura disciplinar da escola.
Nas quatro unidades da Rede Dalton/RJ, a proposta
afro-teatral
enfrentou
resistência inicial dos estudantes à prática corporal em espaços fechados. A
dispersão e o incômodo evidenciaram uma crise pedagógica, solucionada pela
adoção de agrupamentos por afinidades sensíveis (movimento, escrita, desenho).
A convergência desses núcleos culminou na produção de um mural coletivo, que
funcionou como síntese
transfluente
das diversas expressividades, como a
potência simbólica de ressignificação espacial. Esta ressignificação também
aconteceu nas dependências do CEFET-Petrópolis/RJ, onde as atividades
ocorreram num antigo tribunal de julgamento de pessoas escravizadas, e que foi
ocupado por uma formação de roda de capoeira e Samba, instaurando um campo
litúrgico de ancestralidade e transgressão. A juventude presente performou gritos
de resistência, como “Liberdade pro Poze”, evocando a criminalização das
manifestações negras urbanas contemporâneas, assim como a ressignificação das
ações quando em confluência com a Dança-afro e a ginga, produzindo os modos
espirais de diálogo com a tradição (Martins, 2021). A confluência entre arte, rito e
pedagogia instaurou o que pode ser nomeado como liturgia confluente, em que os
saberes ancestrais não são apenas ensinados, mas vivenciados coletivamente.
Contribuir para o melhor equacionamento possível do problema
considerado como central na pesquisa, com levantamento de soluções e
proposta de ações correspondentes às "soluções" para auxiliar o agente
(ou ator) na sua atividade transformadora da situação. É claro que este
tipo de objetivo deve ser visto com "realismo", isto é, sem exageros na
definição das soluções alcançáveis. Nem todos os problemas têm
soluções a curto prazo (Thiollent, 1986, p. 18).
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
10
As ações foram possíveis devido às articulações de professores em sua
maioria, docentes negros magistrados – dessas instituições educacionais públicas
e privadas, que verificaram a inviabilidade de operações de mediação com a
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e a interação com o currículo escolar
da Instituição, de modo que as soluções foram delineadas em curto espaço de
duração, sendo criadas as suposições simbólicas sobre o cultivo de estratégias
metodológicas operacionais nos modos de aprendizagem nas localizações. Não
foram acompanhados, posteriormente, os resultados da prática-ação nesses
espaços educacionais.
Assentou-se, nessas localizações, o princípio do comunitarismo ancestral,
conforme formulado por Santos (2019), em que somos seres partilhantes no ciclo
do compartilhamento comunitarista que não impõe, adestra ou domestifica
corpos em confluência.
Quando ouço a palavra confluência ou a palavra compartilhamento pelo
mundo, fico muito festivo. Quando ouço troca, entretanto, sempre digo:
“Cuidado, não é troca, é compartilhamento”. Porque a troca significa um
relógio por um relógio, um objeto por outro objeto, enquanto no
compartilhamento temos uma ação por outra ação, um gesto por outro
gesto, um afeto por outro afeto. E afetos não se trocam, se compartilham.
Quando me relaciono com afeto com alguém, recebo uma recíproca
desse afeto. O afeto vai e vem. O compartilhamento é uma coisa que
rende. Quando cheguei ao território em que estou hoje, já existiam outros
compartilhantes que nos recepcionaram (Santos, 2023, p. 21).
Tal abordagem desestabiliza a pedagogia normativa e favorece um espaço de
coautoria, no qual a escuta do corpo e a reconfiguração dos afetos constituem-se
como modos de aprendizagem de saberes e conhecimentos pluriculturais. “Eu
falarei de uma força que chamarei de transfluência, que é a força compositora da
confluência” (Santos, 2019, p. 23). Pelos meios dispostos,
transfluimos
uma
alternativa através do patrimônio imaterial negro a Capoeira, o Samba e a Dança-
afro – à imposição colonialista de ensino.
A capoeiragem é um jogo livre, possibilitando ao capoeirista improvisar,
dentro de suas características, e até criar novos movimentos em que se
encontra “vadiando” e, às vezes, sem que ele próprio perceba, assim
condições de repeti-los, por mais que se esforce, depois de terminado o
jogo (Bola Sete, 2001, p. 47).
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
11
A proposta foi a operação dessa metamorfose improvisacional lúdica de
contágio nos jogos de interação e relação entre o agente-propositor, o conteúdo e
os aprendizes-participantes a fim de propiciar o contato na capoeiragem-jogo que
transmuta em teatralidade circular, afetando os sujeitos envolvidos nos eixos
condutores entre os elementos dos movimentos corporais e, a partir daí, criar
novos movimentos afetados, gerando um corpo sensível e autônomo para “vadiar”
jogos, como afirma Santos (2019, p. 26): “A capoeira é rodando, no terreiro a gira é
rodando, no reggae também rodamos. Tudo nosso é rodando. O tambor é redondo
[…] E é exatamente por isso que nós não perdemos”.
Figura 1 - Mosaico das ações da pesquisa-ação nas localizações supracitadas.
Fonte: Marcos Pereira
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
12
Considerações finais
Flutuam, em polos paradigmáticos, tidos como opostos, o signo da brancura,
sinônimo do bem e do belo; o signo da negrura, metáfora do marginal mau e feio;
e o signo do indígena, sinônimo de selvagem e incivilizável. No caso brasileiro,
enunciados que definem o sujeito negro e sua cultura e saberes, manifestados
numa categorização e pensamentos individuais, coletivos, institucionais, dentre
outros, que implícita e, ao mesmo tempo, explicitamente, legitimam atos de
violência acoplados, repetidos, comunicados, reificados e refutados nas diversas
modalidades e meios de produção – teatral, literária, cinematográfica, publicitária,
plástica, televisiva, educacional e, sendo assim, na vida cotidiana.
Na capoeira, a aparência, para quem assiste de fora, dá-se por uma
duplicidade de sentidos; para o colonialista, é apenas uma “dança”; para a
sociedade, um “esporte” ligado à Educação Física. A cultura negra é esse jogo de
aparências em códigos indecifráveis, que metamorfoseiam e são livres para
metamorfosear nas demandas necessárias nos campos propostos e propícios,
sendo operador de alteridades em interseção cultural.
Propõem-se, assim, modos de aprendizagem e possibilidades de confluir
saberes e conhecimentos africanos e afro-brasileiros na formação docente e
discente para articular e aprofundar nos saberes artísticos ancestrais negros, na
forma operacional, a fim de incluir estratégias metodológicas afluentes e
pluriculturais.
Para isso, leva-se em consideração, os deslocamentos, descentramentos,
desconstruções e construções sígnicas criação de atividades corporais e orais
cognitivas, improvisações no espaço circular, tessituras de dramaturgias possíveis
–, na elaboração e projeção de formas cênicas diferenciadas não ortodoxas,
contrariando a lógica jesuíta que fundamentou a Arte-Educação no princípio de
tudo isso que chamamos hoje de Brasil.
Pretende-se, a partir da escrita deste artigo, descrever os processos de
tomada de espaços educacionais e assentar possibilidades com a herança africana
e
afropindorâmica
no patrimônio imaterial da humanidade negra. Compreender
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
13
que a história foi de luta, insurreição, resistência, estratégias, acordos de interesse,
negócios e confluência; que nossos corpos históricos, mandingueiros e
confluentes circunscrevem este Estado de Direito de sermos humanos em
evolução com nossa História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e
afropindorâmica
.
Temos plenamente o direito de escolha de qual saber e conhecimento
queremos
transfluir
, e como
transfluiremos
o lugar do saber ancestral no cotidiano
escolar; a reinvenção estratégica metodológica de um patrimônio imaterial
cultural; a estratégia semeada nas instituições educacionais públicas e privadas; a
participação de aprendizes-participantes na criação de cenas
afro-teatrais
; o
incentivo ao retorno deles sobre a experiência apreendida para fundamentar, de
uma vez por todas, os modos de arar; semear na terra do cotidiano escolar os
saberes e conhecimentos pluriculturais decoloniais e germinar confluências de
formação tanto de agentes quanto de aprendizes-participantes.
Referências
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In:
NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.).
Afrocentricidade:
uma abordagem epistemológica
inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. p. 93-110.
BARBA, Eugenio
. A Canoa de Papel
: Tratado de Antropologia Teatral. Brasília: Teatro
Caleidoscópio, 2009.
BRASIL
. Lei 10.639
, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”, e outras providências. Brasília: Presidência
da República, 2003.
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira.
Revista Ciências Sociais
Hoje
, Anpocs, São Paulo, p. 223-244, 1984. Disponível em:
https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/bitstream/192/10316/1/06_GONZALES__L%c3%a
9lia_Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira_1.pdf. Acesso em: 10 set. 2025.
MARTINS, Leda Maria.
Performances do tempo espiralar
: poéticas do corpo-tela.
[Recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
MOURA, Clóvis. Escravismo, colonialismo, imperialismo e racismo.
Afro-Ásia
,
Salvador, n. 14, p. 124-137, 1983. Disponível em:
https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/download/20824/13425. Acesso em: 10 set. 2025.
Arar a terra e semear: estratégia metodológica pluricultural
Marcos Vinícius Firmino Pereira
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-14, dez. 2025
14
OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ# . Visualizando o corpo: teorias Ocidentais e sujeitos africanos.
[Título original: Visualizing the body: Western theories and African subjects]. In:
COETZEE, Peter H.; ROUX, Abraham P. J. (ed.).
The African Philosophy Reader
. New
York: Routledge, 2002, p. 391-415. Trad. Pedagógica: Anderson F. Nascimento.
RUFINO, Luiz.
Exu e a pedagogia das encruzilhadas
. 2017. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
SANTOS, Antônio Bispo dos.
Colonização, quilombos
: modos e significações.
Brasília: INCT/UnB, 2015.
SANTOS, Antônio Bispo dos. As fronteiras entre o saber orgânico e o saber
sintético. In: OLIVA, Anderson Ribeiro [et al.] (Org.).
Tecendo redes antirracistas:
Áfricas, Brasis, Portugal
. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. p. 23-35. (Coleção Cultura
Negra e Identidades).
SANTOS, Antônio Bispo dos.
A terra dá, a terra quer
. Imagens de Santídio Pereira.
São Paulo: Ubu Editora/PISEAGRAMA, 2023.
SILVA, Gisele Rose.
Azoilda Loretto da Trindade
: o baobá dos valores civilizatórios
afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Metanoia, 2021.
SODRÉ, Muniz.
A Verdade seduzida
: por um conceito de Cultura no Brasil. Rio de
Janeiro: Codecri, 1983.
THIOLLENT, Michel.
Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1986
Recebido em: 21/07/2025
Aprovado em: 07/11/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br