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Abordagem documentária na escola:
o campo da experiência [em]cena
Gustavo Idelbrando Curado
Para citar este artigo:
CURADO, Gustavo Idelbrando. Abordagem
documentária na escola: o campo da experiência
[em]cena.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0202
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Abordagem documentária na escola: o campo da experiência [em]cena
Gustavo Idelbrando Curado
Florianópolis, v.3 n.56, p.1-31, ago. 2025
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Abordagem documentária na escola1: o campo da experiência [em]cena2
Gustavo Idelbrando Curado3
Resumo
Este artigo é resultado de uma tese de doutorado em Educação intitulada Teatro
Documentário: cantos de experiência, ação artística em práxis na educação básica. O estudo
propõe uma abordagem de ensino sobre a realidade, a partir do conceito de experiência e
comprova que o Teatro Documentário ao ser abordado na escola pode contribuir com a
negociação e (re)criação da Cultura pelos estudantes. Entre os resultados da pesquisa, nasce
um currículo a partir da não-ficção que pode compor as metodologias escolhidas pelo
professor. Essa abordagem revela novas possibilidades para o ensino de teatro e o fazer
escola no contexto das práticas da Pedagogia da Participação.
Palavras-chave
: Currículo em teatro. Teatro documentário. Experiência. Pedagogia da
participação.
Documentary approach in school: the field of experience [on]stage
Abstract
This article is the result of a doctoral thesis in Education entitled Documentary Theatre:
corners of experience, artistic action in praxis in basic education. It deals with the historical,
political and artistic-pedagogical perspectives on Documentary Theater. The study proposes
a teaching approach about reality, based on the concept of experience, and proves that
Documentary Theater, when addressed in schools, can contribute to the negotiation and
(re)creation of Culture by students. Among the results of the research, a curriculum based
on non-fiction is born, which can be part of the methodologies chosen by the teacher. This
approach reveals new possibilities for teaching theater and teaching in the context of the
practices of the Pedagogy of Participation.
Keywords:
Curriculum in theater. Documentary theater. Experience. Pedagogy of
participation.
Enfoque documental en la escuela: el campo de la experiencia [en] el escenario
Resumen
Este artículo es resultado de una tesis doctoral en Educación titulada Teatro Documental:
rincones de la experiencia, acción artística en la praxis en la educación básica. El estudio
propone una aproximación didáctica a la realidad, basada en el concepto de experiencia y
demuestra que el Teatro Documental, abordado en la escuela, puede contribuir a la
negociación y (re)creación de la Cultura por parte de los estudiantes. Entre los resultados de
la investigación nace un currículo basado en la no ficción que puede formar parte de las
metodologías elegidas por el docente. Este enfoque revela nuevas posibilidades para enseñar
teatro y hacer escuela en el contexto de las prácticas de la Pedagogía de la Participación.
Palabras clave
: Currículum de teatro. Teatro documental. Experiencia. Pedagogía de la
participación.
1 Revisão ortográfica feita por Edileuza Luzinete da Conceição. Graduação Licenciatura em Letras pela
Universidade Camilo Castelo Branco.
2 Este artigo resulta em 60% de partes de tese de doutorado de Gustavo denominada: Teatro Documentário:
cantos de experiência, ação artística em práxis na educação básica. Defendida no Programa de pós-
graduação Formação, Currículo e Práticas Pedagógicas., na Universidade de São Paulo (USP), sob orientação
de Mônica Appezzato Pinazza, em 2020.
3 Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Artes Cênicas (USP). Graduação
Licenciatura em Artes Cênicas pela Faculdade Paulista de Artes (FPA). Ator-documentarista na Cia Teatro
Documentário. gugaidelbrando@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/4716546797563875 https://orcid.org/0009-0002-2035-7907
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Introdução
Este estudo orientou-se pela suposição básica de que a abordagem
documentária, no ensino de teatro na educação básica, promove uma maior
qualificação do interesse e do olhar sobre a realidade dos estudantes envolvidos
e, assim, constitui-se em um modelo de trabalho distinto daqueles convencionais,
pautados em modelos ficcionais. É uma maneira de pensar a Educação como via
de introdução à Cultura e, portanto, como “um
locus
de negociação e de recriação
de significados por meio das múltiplas formas de linguagens [...]” (Pinazza; Gobbi,
2014, p. 32).
Para apresentar possibilidades de respostas às problematizações indicadas e
em busca de verificar a suposição original de partida da pesquisa, definiu-se como
objetivo geral do estudo
compreender se e como o ensino de Teatro Documentário
pode contribuir com a constituição de meios de negociação e de (re)criação da
Cultura pelos estudantes na educação básica.
Como objetivos específicos desta pesquisa destacaram-se: 1) Aprofundar a
discussão teórica acerca das relações entre Teatro Documentário e Educação; 2)
Definir as peculiaridades e os detalhes de se ensinar Teatro Documentário. 3)
Identificar a maneira como os estudantes envolvidos vivenciam o Teatro
Documentário. 4) Inspirar e incentivar professores a adotar a abordagem
documentária no ensino de um teatro que se distingue dos modelos tradicionais
e predominantes.
Em vista do tipo de investigação empreendida, o fenômeno aqui estudado
está circunscrito em uma perspectiva das pedagogias participativas (Oliveira-
Formosinho, 2007), mais especificamente em um tipo de pesquisa sobre estar em
contexto, sobre elaborar esteticamente os acontecimentos reais e históricos.
Nesse sentido, esta pesquisa alinha-se aos estudos da área da Pedagogia do
Teatro.
Entendemos que trabalhar efetivamente com os dados de realidade como os
conteúdos de criação artística revela que existe a opção política de propor aos
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estudantes o desenvolvimento de um olhar agudo e atento para as questões
sociais, éticas, políticas e históricas, o que, em nosso estudo, significa dizer que
existe a potência de desenvolver o registro de uma outra trajetória no currículo, de
que os professores estão encarregados de realizar o benefício da aprendizagem
dos alunos.
Dessa forma, a proposta estética específica de Teatro Documentário aponta
possibilidades para isso. Assim, precisamos voltar à história para iniciar a
experiência.
Gênese do Teatro documentário na escola
A primeira situação a respeito do título
teatro documentário
foi na obra
Teatro
Político
do alemão Erwin Piscator (1893-1966), nos anos 20 e 30 do século XX. Ele
utilizou escritos históricos e projeções cinematográficas dentro de suas
experiências cênicas a fim de construir um discurso teatral politizado e com
relação direta com o habitual daquele público.
Piscator utilizou na ocasião imagens audiovisuais de guerras, fotografias,
reportagens de jornal e documentos projetados ao longo do espetáculo, os quais
serviam, segundo o diretor, para “impressionar” quem assistisse, para além da
implicação causada por revistas ou periódicos impressos.
Adiante, o movimento
Living Newspapers
que se desenvolve nos Estados
Unidos realiza procedimentos comuns aos do
AgitProp
, intervindo artisticamente
na urbe e na vida pública. O movimento utilizava panfletos e os elegia como
documentos, que são rapidamente disseminados a inúmeros trabalhadores,
fazendo com que o aviso e a propagação das ações culturais acontecessem de
maneira hábil.
Dentro do movimento
Living Newspapers
destaca-se a professora Hallie
Flanagan, que chegou a dirigir o FTP (Federal Theatre Project4) e foi a principal
articuladora da encenação dos jornais vivos. A professora coordenava o grupo de
teatro experimental do colégio de Vassar e neste lugar escreveu e montou uma
4 FTP- Federal Theatre Project - foi criado como uma das medidas de geração de empregos em massa em
diversos setores da sociedade como plano de metas do governo do então presidente americano Franklin
Roosevelt para diminuir os efeitos da quebra da bolsa de valores americana que havia entrado em colapso.
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peça curta de Teatro Documentário com seus estudantes intitulada em português
Você pode ouvir suas vozes?
. Tornou-se, então, um paradigma para o
Living
Newspapers.
Tanto a peça quanto a encenação foram um sucesso dentro dos movimentos
revolucionários. A editora oficial
International Publishers
publicou-a como um
panfleto. Em alguns meses, a pequena história tinha sido traduzida até mesmo
para o mandarim e o japonês, e estava sendo montada em teatros de
trabalhadores em todo o mundo. Falando sobre:
[Flanagan] chegou a montar em sua escola um espetáculo experimental
com as técnicas que vira ali. Trata-se de
Can you hear their voices?
, de
1931, peça de teatro-documentário onde é exposta a situação de
pequenos fazendeiros do Arizona sob os efeitos da depressão e da seca.
Hallie Flanagan usou os recursos técnicos disponíveis, como projeções
de artigos de jornal, dramatização de debates no Congresso (sobre a
destinação de verbas públicas, ou subsídios, à agricultura), cenas de
irresponsabilidade social burguesa (como o baile de debutantes que
parou a capital do país) e assim por diante (Camargo Costa, 2001, p. 101).
Por que será que exatamente uma professora estadunidense de escola básica
se torna uma referência em Teatro Documentário, em um momento em que a
proposta estética é tão embrionária? Não é por acaso que ela percebe a potência
pedagógica desta proposta estética.
Ela teria entendido que está na educação básica o momento propício para a
construção de conhecimento, a partir de um processo de composição cênica que
se constitui no eixo da ação. Ao apresentar-se ao grande público, a professora de
teatro junto de seus estudantes disparou um processo de aprendizagem em
Teatro e alargou o modo dos alunos e do público de significar a realidade.
Ao encenar um documentário cênico, a professora não separa o artístico do
pedagógico e do intuitivo. Ela compreende que os processos de elaboração do
saber, tanto o raciocínio quanto a produção intelectual, devem caminhar juntos à
sensibilidade, para que haja um desenvolvimento de um posicionamento crítico.
Não seria o principal papel de um(a) docente educador(a) o de oferecer ricas
experiências de apreensão intelectual, física e intuitiva da realidade? De conduzir
processos pedagógicos e educacionais em que o questionamento do senso
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comum seja uma baliza? É importante oferecer condições concretas para que
ocorra um ensino de Teatro no qual os estudantes possam aprender a observar, a
pensar e a agir sobre a sua própria realidade.
Quando se instaura um processo de criação artística em que o substrato
estético advém da análise sensível da realidade, o professor de teatro é
responsável por criar uma atmosfera em que a investigação e a busca por
construção de conhecimento e conexão de saberes sejam os principais horizontes.
A produção de subjetividade é algo que se espera dentro de um projeto teatral
artístico e pedagógico, “pois traz em seu bojo, indissociável, uma ampliação da
consciência de quem o vive” (Pupo, 2016, p.21).
Os ecos desse movimento chegam ao Brasil por meio de Augusto Boal,
grande nome do teatro brasileiro, que desenvolveu sua proposta estética do Teatro
do Oprimido a partir das ideias do educador Paulo Freire e de sua obra
Pedagogia
da Libertação
; contaminou-se com as práticas do movimento do
Living
Newspapers
, aproximando-se da peça de Flanagan e sendo influenciado por ela,
e desenvolveu a proposta de Teatro-Jornal na década de 1960. Eduardo Campos
Lima (2014, p. 17) comenta:
[...] Flanagan escreveu-a em 1947, oito anos depois de cancelado o
programa governamental. Não se tratava mais, portanto, do “movimento
Living Newspapers”, como rmula Boal, mas de uma manifestação
tardia. Contudo, o importante a ressaltar é que ele conhecera a forma do
jornal vivo, mais de dez anos antes de escrever sobre ela, e usou-a como
exemplo de que era possível fazer peças não lineares, compostas por
fragmentos de origens diversas, e referindo-se diretamente a uma
realidade exterior a elas.
Assim como Piscator foi o primeiro em conceituar e a fazer documentários
cênicos, Flanagan foi a primeira professora a utilizar a abordagem documentária
com seus alunos da escola básica. Um modo de se fazer teatro atravessado pela
realidade e um olhar crítico sobre o que é entendido por realidade, propondo então
que espectadores e estudantes possam produzir alteridade quando estiverem
aprendendo a partir de uma abordagem documentária.
Estamos diante de manifestações de Teatro Documentário, nos palcos e nas
escolas que nasceram da necessidade de uma prática de educação política,
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apropriação de meios de informação, e de emancipação de muitos trabalhadores
no mundo como um todo, haja vista que a peça panfleto/documento foi publicada
até em países do Oriente.
Intencionalidade em documentar, criação artística com documentos e
pacto documental
uma necessidade de discutir as relações sociais e construir um
conhecimento sensível para com o mundo. A intencionalidade em fazer Arte é de
entender o que coloca a figura do artista como um criador para além de
simplesmente fazedor técnico.
A intenção em documentar parte também da intenção de preservar a
memória e reconstruir o passado. Maurice Halbwachs (2013) comenta, a partir de
seu livro
A Memória Coletiva
, que o tempo é imóvel e as pessoas apenas se
lembram no interior de um quadro. Ao pensar em memória, toda ela se congela
como imagem ao se associar em um tempo e um espaço que encontram
simultaneidade quando uma consciência se conta da consciência do outro
sobre a sua (Halbwachs, 2013).
A intenção de documentar busca pela memória coletiva que, por sua vez, se
interessa por grupos que partilhem elementos semelhantes, ideias,
acontecimentos e pontos de vista para que, a partir daí, construa-se uma
experiência amparada na intenção de transformar aquilo num documentário. A
intencionalidade em se documentar esta imbricada num desejo estético dos
artistas envolvidos. Sobre isso, Soler comenta:
[...] a presença desse desejo estético relacionado à intenção de se
documentar para a consolidação do cinema documentário, pensamento
esse que pode ser trabalhado nos domínios das artes cênicas. A
consciência de que a necessidade da construção de um discurso artístico
inicia a empreitada do documentarista em documentar, seja qual for a
opção de linguagem, afasta a confusão corriqueira entre o documentário,
a reportagem jornalística e os estudos históricos, campos estes que, bem
verdade, possuem muitos pontos de aproximação (Soler, 2015, p. 53-54).
A criação artística por meio do uso de documentos requer uma disposição
dos artistas envolvidos em experimentar, traçar relações históricas, possibilidades
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metafóricas e poéticas para colocar em jogo, ou seja, em relação o documento a
serviço da construção de um ponto de vista sobre a realidade. Criar teatro a partir
de documentos, requer a construção de uma postura dialógica com a sociedade,
com a história e com a própria intencionalidade em se documentar, as quais (se)
(des/re)fazem no exercício artístico de produção de um discurso cênico.
Soler (2015) chama
de pacto documental
o acordo que se estabelece entre
artistas e espectadores, pois é necessário que quem está recebendo a encenação
leve em consideração o foco dado à realidade. É preciso que os artistas anunciem,
dentro do discurso artístico, que o espectador está diante de um trabalho que
versa sobre um ponto de vista sobre o real, caso contrário este acreditará que está
diante de uma ficção, que o seu horizonte de expectativa está contaminado pela
percepção de que ir ao teatro significa conhecer uma história inventada, uma
ficção.
Pedagogias Participativas, e os cantos de experiência no ensino de teatro
Foi eleita uma combinação de métodos e técnicas de abordagem de pesquisa
educacional qualitativa, centrada no estudo de contexto de práticas das
pedagogias participativas. Os autores John Dewey, Walter Benjamin e Jorge
Larrosa, que se dedicam a falar da
experiência humana
em seus escritos,
emprestam seus olhares à compreensão do currículo na perspectiva da
aprendizagem social, ou seja, em circunstâncias interativas nas quais os sujeitos
buscam resolver problemas, mediante a prática investigativa.
O trabalho com Teatro na educação básica é um compositor de experiências.
É com ele também que podemos nos elevar no mundo, estendermo-nos no corpo
e na retina daqueles que nos encontram. A discussão que será feita, a partir de
agora, em que convocarei o conceito de
experiência
para me respaldar, cabe
como possibilidade de acontecimento numa gramática pedagógica aproximada de
pedagogias participativas.
A gramática da participação se apresenta como um contraponto a ideia das
pedagogias transmissíveis. Inspirado nas contribuições das pedagogias da
participação. Júlia Oliveira-Formosinho (2007) anuncia que a pedagogia como
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construção de saberes praxiológicos na ação situada abandona os reducionismos
– o academicismo em que a coerência dos saberes estabelece um critério único,
o empirismo em que a experiência elementar do dia a dia, não expandida, traduz-
se em referência central.
Logo, podemos afirmar que propor pensar e agir, a partir do conceito de
experiência em um ambiente escolar, é possível em uma escola também
diferente, uma escola que escolha a
práxis
de participação como elemento fulcral
da prática educativa. Ou seja, uma escola na qual “os saberes pedagógicos criam-
se na ambiguidade de um espaço que conhece as fronteiras, mas não as delimita,
porque a sua essência está na integração” (Oliveira-Formosinho, 2007, p. 15).
Conhecer a fronteira e não delimitar significa deixar os educandos
experimentarem, interagirem com os acontecimentos escolares. A autora
continua:
Partindo do princípio de que a práxis é o lócus da pedagogia, concluímos
que, por isso, é mais complexa do que as crenças, as teorias e as práticas
consideradas isoladamente. Uma pedagogia centrada na práxis de
participação procura responder à complexidade da sociedade e das
comunidades, do conhecimento, das crianças e de suas famílias, com um
processo interativo de diálogo e confronto entre crenças e saberes, entre
saberes e práticas, entre práticas e crenças, entre esses polos em
interação e os contextos envolventes. Por essa razão, é um modo de fazer
pedagogia mais complexo do que o modo transmissivo (Oliveira-
Formosinho, 2007, p.15).
Nesse cenário da
práxis
de participação é possível investigar o conceito de
experiência dentro de uma prática educativa pautada no Teatro Documentário,
pois é na participação, cujos valores se alinham a uma política educacional para a
democracia, que cabem os pensadores progressistas.
Por isso, o pensamento de John Dewey é tão caro, pois é de sua obra que
deriva importante contribuição para se pensar e fazer educação pela e para a
democracia. Assim, apresento a perspectiva desse filósofo norte-americano,
indicando os pontos de contato e os distanciamentos com os escritos de outros
dois pensadores sobre o conceito de experiência: Walter Benjamin e o
contemporâneo Jorge Larrosa.
A partir das leituras de Larrosa (2002) e das argumentações de Benjamin
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(1994) e Dewey (2010), estabelecemos algumas aproximações a fim de poder
salientar a ideia de que existem elementos sociais ligados à produção de
informação que prejudicam o aprofundamento das experiências. Em Dewey, ao
pensar na produção de uma experiência singular, ele comenta “que a aceleração
contínua é esbaforida e impede que as partes adquiram distinção” (2010, p.111), ou
seja, existe em seu discurso uma crítica à aceleração. Já Benjamin (1994) também
critica a velocidade das coisas no mundo contemporâneo, comparando-a com a
aceleração dos fluxos de informações. “Quase nada do que acontece está a serviço
da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte narrativa
está em evitar explicações” (Benjamin, 1994, p. 203).
Larrosa afirma que “uma sociedade constituída sob o signo da informação é
uma sociedade na qual a experiência é impossível” e que “a experiência é cada vez
mais rara, por falta de tempo” (Larrosa, 2002, p. 22-23). Assinala ainda que a
velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade
impedem a conexão entre acontecimentos. E o autor vai além, afirmando que
esses fatores “impedem também a memória, que cada acontecimento é
imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento,
mas sem deixar qualquer vestígio” (Larrosa, 2002, p. 23).
Além da falta de tempo, o último argumento que, segundo o autor espanhol,
impede que a experiência acometa as pessoas é o excesso de trabalho. Ele critica
o clichê no qual se afirma que nos centros de ensino se aprende a teoria, o saber
que vem dos livros e das palavras, e no trabalho se adquire experiência.
Por isso estou interessado em distinguir entre experiência e trabalho e,
além, disso, em criticar qualquer contagem de créditos para a
experiência, qualquer conversão da experiência em créditos, em
mercadoria, em valor de troca. Minha tese não é somente porque a
experiência não tem nada a ver com o trabalho, mas ainda mais
fortemente, que o trabalho, essa modalidade de relação com as pessoas,
com as palavras e com as coisas que chamamos de trabalho, é também
inimiga mortal da experiência (Larrosa, 2002, p.24).
O excesso de trabalho aliado à falta de tempo, dentro de uma sociedade
bastante informada e que opina, atrapalha a elaboração de pensamentos próprios.
E, quando não se pensa por conta própria, pensa-se por meio de ideologias ocas
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e vazias ou, como diz Larrosa, pensa-se por meio de “palavras apodrecidas” (2017).
Não pensar por conta própria revela a falta da construção de conhecimento ao
pensar nas sociedades de massa. Se toda uma massa se pauta apenas na
informação e no entretenimento e não reflete sobre a falta de tempo, também
não existe a construção de memórias.
Para Benjamin (1994), a memória está profundamente ligada à produção de
experiências e se perpetua por meio dos narradores e contadores de histórias: “a
experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os
narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se
distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”
(Benjamin, 1994, p.198). O autor afirma ainda que, além do empobrecimento das
experiências provocada pelos periódicos (produção de informação), existe ainda
um outro inimigo da experiência: o nascimento do romance.
Se o acontecimento de experiências se dá para Benjamin (1994) no encontro
com o outro, a partir da tradição oral, e ele aponta o romance como um inimigo,
o que podemos dizer, hoje, a respeito da quantidade de telenovelas, propagandas,
séries, minisséries e vídeos na internet? Ora, todas essas práticas, que se iniciaram
com a invenção da imprensa e muito para além dela, oferecem aos sujeitos a
distração individual. Logo, não solicitam a utilização da tradição oral. Ou seja, todas
essas práticas não alimentam a experiência; pelo contrário, empobrecem-na.
Passar entre as experiências das pessoas ao ouvir histórias que nos fazem
aprofundar os pensamentos é algo extremamente significativo, é colocar-se no
lugar do outro, exercer a alteridade e poder ter espaço para imaginar coisas, criar
imagens ou traduzir a história, conectando-a com outros elementos individuais de
maneira espontânea.
Narrar uma história ou ser leitor de uma narrativa que perpassa uma
experiência é a abertura de pensar e imaginar, criar suas próprias explicações de
maneira livre.
As práticas de entretenimento propõem que os sujeitos
entrem em modo
automático
e, geralmente, esse modo automático é isento de consciência e
reflexão. Dewey (2010), ao observar a automatização de uma atividade, percebe
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que a eficiência na ação também se volta para o romance, que nomeia como
literatura clássica. Segundo ele, “os obstáculos são superados pela habilidade
sagaz, (automático) mas não alimentam a experiência. também aquelas que
relutam na ação, inseguras e inconclusivas como os matizes da literatura clássica”
(Dewey, 2010, p. 114).
Larrosa (2017), ao pensar no sentido da experiência, acredita que ela é da
natureza humana. Para ele, experiência não tem juízo de valor, logo não é boa,
tampouco má, é sim algo que nos tomba, nos enverga, nos altera. Benjamin (1994)
anuncia que a experiência se multiplica ao passo em que, ao ser levada adiante
por meio de uma narrativa da tradição oral, ela incorpora versões e novos pontos
de cada um de seus ouvintes e narradores. Por isso, também não está pautado
algum tipo de juízo de valor. Diferentemente, para Dewey (2010), que analisa o
percurso de uma experiência, referindo-se ao antes e ao depois dela, afirma que,
para o sujeito o que importa são as experiências satisfatórias.
Benjamin (1994) não faz qualquer tipo de alusão em uma perspectiva de
experiência ligada às artes especificamente. Larrosa (2017, p. 11) também não o faz,
conforme citação: “Não trabalhei nunca a ideia de experiência em relação às artes.”
Entretanto, afirma que seus textos sobre experiência foram lidos por artistas das
artes cênicas e plásticas.
Nesse contexto, não poderíamos deixar de apontar as contradições que se
revelam quando Dewey (2010) afirma estar nas artes o maior campo possível de
efetivação da experiência. Para ele, a arte é “o desenvolvimento esclarecido e
intensificado de traços que pertencem a toda experiência normalmente
completa”, algo que Dewey pondera como a única base segura sobre a qual se
pode erigir a teoria estética” (2010, p.125). Não outro alicerce possível para
embasar a teoria estética senão a percepção de que as artes são os resultados da
interação perene e acumulada de um sujeito singular orgânico com o planeta. Na
citação do filósofo, para passar conscientemente por experiências é necessário:
[...] parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar,
demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
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acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (Larrosa,
2002, p. 24).
Interessante pensarmos nesses argumentos trazidos nessa citação, pois são
os mesmos valores ou argumentos que todas as linguagens artísticas solicitam
dos espectadores e dos próprios artistas. As artes nos ensinam isso. Talvez esse
seja o motivo pelo qual os artistas leram Larrosa e se identificaram tanto. Algo que
é necessário a todos os humanos pode ser encontrado na própria vida e na arte.
Dewey e Larrosa, separados por quase um século de existência, utilizam-se
do mesmo exemplo sublime para contextualizar a experiência: travessia pelo
oceano. Dewey ilustra o que é uma experiência: “há também aquela tempestade
por que se passou na travessia do Atlântico” (2010, p.111). Larrosa (2002), ao analisar
a etimologia da palavra experiência, afirma ser esta advinda do latim
experiri
,
(experimentar). Ele destaca o fato de a experiência ser em primeiro lugar um
encontro ou uma relação com algo que se prova, “o radical é
periri
, que se encontra
também em
periculum
, perigo. A raiz indo-europeia é per, a qual se relaciona antes
de tudo à ideia de travessia e, secundariamente, à ideia de prova” (Larrosa, 2002,
p. 25). O autor traz ainda como exemplo a palavra
peiratês
(pirata): “o sujeito da
experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço
indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua
oportunidade, sua ocasião” (2002, p. 25).
Benjamin (1994) que, cronologicamente, é o segundo a falar em experiência,
não utiliza o termo travessia, mas nos lembra que o narrador dotado de
experiência passa por uma epopeia e, ao narrar de maneira épica suas aventuras,
torna-se um sábio: “o narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo
mesmo” (Benjamin, 1994, p. 221). Ainda nas palavras do autor, podemos perceber
a presença de “travessia” quando ele comenta a respeito de “toda uma vida”:
Assim definido, o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe
dar conselhos: não para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos
casos, como o sábio. Pois pode recorrer ao acervo de uma vida (uma vida
que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a
experiência alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima
aquilo que sabe por ouvir dizer). Seu dom é poder contar a sua vida; sua
dignidade é contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia deixar a
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sua luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua
vida (Benjamin, 1994, p. 221).
A memória, a narrativa pela oralidade, a transmissão por meio do encontro
geracional e pelo conceito de história são possibilidades de experiência para
Benjamin. Existe aqui um encontro com documentos, documentados, memórias,
narrativas. O próprio Teatro Documentário garante o encontro com o outro, com
o humano com as pessoas; afinal de contas, os atores estão ali presentes para
narrarem histórias reais e compartilhá-las sensivelmente com os espectadores.
Tampouco o Cinema documentário consegue atingir o que Benjamin anuncia
ser significativo para a produção de experiências, mas o Teatro sim, é a arte da
presença. O Teatro é uma proposta artística relacional, e a relação com o outro,
por tudo o que vimos acima, é algo fundamental.
Em Dewey (2010), existe a conclusão de uma elaboração que acontece ao
olhar para o fluxo da experiência: de onde veio, como aconteceu e para onde vai.
Para ele, a experiência estética é fechamento da experiência intelectual, pois há a
conclusão de uma dentro da outra, que se efetiva a produção de um sentido.
Em Benjamin (1994), a experiência se pelo ato da oralidade, pela narrativa capaz
de recriar sensações e cores e de continuar nos ouvidos do outro, ou seja, é um
tesouro compartilhado de geração em geração. Em Larrosa (2002), a experiência
se no campo do inominável, do perigo, da travessia, daquilo que nos passa, nos
acontece.
A respeito dos três autores, guardiões do conceito de experiência, podemos
afirmar que, em seus diálogos, a experiência é o poder da reflexão e o movimento
de atravessar, caminhar, cruzar, percorrer.
O Teatro Documentário promove enquanto arte da presença o encontro com
os três conceitos trazidos pelos três filósofos. Em Dewey (2010), a experiência é a
negociação conscienciosa entre o sujeito e o mundo, é um predicado irredutível
da vida e para ele não há experiência mais viva que a Arte. Dessa forma, apenas o
teatro enquanto linguagem artística é o suficiente para que artistas e
espectadores, em reunião, se percebam diante do acontecimento da experiência.
A encenação documentária oportuniza pessoas advindas, diretamente da
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realidade, adentrem a cena, seja presencialmente como um documento vivo5 ou
por meio de documentos e registros de voz, imagem, fotografias, jornais etc.
Entrevistas em cena feita com os documentados trazem o valor da experiência
defendida por Benjamin (1994) o encontro com o outro, a narração como
experiência.
Assim como, a suspensão das opiniões, ou a atribuição de sentidos, ou a
tentativa de um espectador descrever a outro aquilo que ele experienciou com um
documentário cênico esbarra nos limites da linguagem, aproxima-se do
inominável. O espectador se percebe aprendiz antes, durante e depois da
encenação documentária. Desse modo, a abordagem documentária se aproxima
do conceito de experiência a partir de Larrosa (2017).
Abordagem documentária no ensino de teatro
Os termos Pedagogia do Teatro e Teatro na Educação foram empregados no
ano de 1998 no primeiro congresso da ABRACE, eles surgem como aliados das
novas dimensões da pesquisa envolvendo o Teatro na Educação e tinham como
objetivo evitar um embate, gerado por uma perspectiva estreita dos conceitos de
didática, metodologia, e da própria pedagogia em si, aprofundando a epistemologia
dessa área de conhecimento nas artes presenciais.
Na lógica das Pedagogias Participativas, o fazer educação contemporâneo se
afasta da antiga ideia de aulas prescritivas, defende-se a imagem de professores
bem formados e em formação continuada que consigam criar suas hipóteses e
seus cursos em harmonia com àquilo que advém dos estudantes envolvidos na
situação pedagógica.
Assim, acreditamos que quem escolhe a metodologia de ensino é o professor.
A escolha criativa do docente pode visitar caminhos curriculares consagrados e
assim poder adaptar, criar ou abordar de acordo com as necessidades que
insurgem do processo pedagógico teatral instaurado. Por isso, optamos por
iluminar o currículo em Teatro Documentário pensando que existem possíveis
5 A Cia Teatro Documentário em São Paulo chama essas pessoas de documentados, o coletivo alemão
Rimini Protokoll chama essas mesmas pessoas em cena presencialmente de
experts
.
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elementos para que o professor possa abordar o ensino teatral por meio da não
ficção.
O
professor-pesquisador
integra 20 anos a Cia Teatro Documentário em
São Paulo, como artista-documentarista, logo, vários dispositivos e transposições
são reorganizados e adaptados para o ambiente de ensino. O trânsito entre a
prática artística da Cia e a pesquis[ação] como professor faz emergir novos
caminhos e procedimentos para o ensino de teatro na escola como os jogos
documentários.
Protocolos como procedimentos: aprendizagem brechtiana
Com o grupo de estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental foi
proposto aos estudantes a se inscreverem na realidade de maneira ainda mais
subjetiva. Por isso, Brecht6 propõe que se protocole, que se escreva e que, com
isso, se crie uma reflexão teórica a partir da prática, retroalimentada pelas
discussões em grupo e com o professor/diretor.
Em todas as aulas, um estudante fica responsável por registrar o encontro e,
em todos os inícios de aulas de Teatro Documentário, o grupo lê coletivamente os
pontos mais significativos, e o caráter subjetivo que vaza para a realidade e ganha
corpo pode ser discutido coletivamente.
Por isso, foram analisados como parte indispensáveis da pesquisa sobre o
ensino de Teatro documentário na escola básica os protocolos que serviram como
procedimentos para as análises levando em consideração a participação dos
educandos para que este trajeto pelo conhecimento possa servir de inspiração e
reflexão a tantos outros lugares e outras pessoas que carecem de inovação e,
principalmente, de participação.
Desde a primeira aula com esse grupo, comuniquei aos estudantes que eles
faziam parte de uma pesquisa e que os atos em aula seriam registrados por fotos
e, principalmente, pela escrita deles ao realizar o protocolo. Anunciei que havia ali
um privilégio em participar de uma pesquisa científica e, de uma certa maneira,
6 É importante considerar que Brecht foi pupilo de Piscator e que Teatro Documentário é a raiz do Teatro
Épico.
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uma missão de poder ser contribuição para outros grupos e projetos futuramente.
Deixei muito clara a seriedade com o trabalho, convidando-os a se
permitirem contribuir. Para isso, deveriam refletir em casa tanto sobre a prática
quanto sobre a teoria. Orientei os estudantes para que pensassem, olhassem e
escrevessem o protocolo com esse foco.
O protocolo pode impulsionar a experimentação, devolvendo ao jogo
possibilidades de variantes políticas e estéticas. Eficiente instrumento na
gestão das questões intragrupais, o protocolo revelou-se um instrumento
democrático, ao permitir a articulação de um método que busca a prática
da teoria e a teoria da prática (Koudela, 2015, p. 148).
Como não é costume, nos trabalhos acadêmicos em Educação, a utilização
como protocolo de elementos vindos diretamente da prática teatral, optei por
esclarecer o seu valor singular e essencial para a nossa pesquisa (Koudela, 2015,
p.148). Observamos abaixo um trecho de um dos nove documentos protocolos
criados pelos estudantes que compuseram a pesquisa.
Figura 1 Um trecho de um dos protocolos dos estudantes
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Neste trecho, podemos notar o relato de uma das estudantes contando sobre
a busca dela e de seus colegas por documentos que façam o público compreender
o que foi o fascismo. Ele exemplifica a postura de documentaristas em ação na
construção do discurso cênico.
Os protocolos (depoimentos escritos) documentaram a nossa trajetória,
minha com o grupo, e explicam de que modo o Teatro Documentário se deu como
construção artística na escola básica e se, em alguma instância, marcou o
percurso escolar deste grupo de estudantes.
Por fim, ratifico que transluzem nas ações, dentro deste processo de ensino,
a aprendizagem e o desenvolvimento de linguagem cênica, a composição de uma
atmosfera de aprendizagem em que todos os engajados possam se abrir para uma
experiência estética, que possa significar algo não nomeável e que possa também
ser um diferencial no processo educativo de cada um desses educandos.
Jogos lúdicos, dispositivos metodológicos, e jogos documentários
O “jogo dramático” deriva
do jeu dramatique
, prática que nasceu na França,
nos anos de 1930, a utilização de textos e fragmentos de textos é presente,
uma mediação nas improvisações pautadas em narrativas, sem uma direção
constante do professor. Os alunos ficam livres para criar e recriar e contar
cenicamente uma narrativa até o tempo que o grupo considerar significativo para
a conclusão.
Isso acontece a partir da observação atenta do professor de teatro, que é
quem deve proporcionar um
feedback
e uma discussão com seus estudantes
sobre possíveis maneiras de alterar e melhorar a improvisação. É ainda o professor
de teatro quem deve oferecer a consciência sobre os combinados com os
estudantes a respeito do discurso teatral que está sendo produzido. O método de
“jogo dramático francês” sugere que esses elementos adentrem a criação artística
por meio do jogo, de maneira ficcional, e que haja uma leitura de mundo subjetiva
e autônoma de cada aluno. No entanto, aqui nos propusemos a adaptar o uso
deliberado desses signos escolhendo documentos.
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Assim, nesta pesquisa a intencionalidade em documentar, a escolha
consciente de que, ao invés de um produto cultural, estamos a trabalhar pela
exploração de documentos advindos diretamente do real, são procedimentos
potentes para o entendimento e criação de documentários cênicos por parte do
grupo de estudantes.
O outro modelo metodológico que utilizamos em nossa observação como
procedimento são os “jogos teatrais” originalmente conhecido como
theater game
.
A metodologia de ensino de teatro criada por Spolin é baseada no modelo
interacionista e foi fundamentada no exemplo epistemológico de Piaget (1978) para
conceituar a categoria estética do jogo teatral e considerar sua contrapartida
pedagógica.
As propostas práticas dos “jogos teatrais” são baseadas no jogo social de
regras muito bem definidas, oferecem um estado de envolvimento e
espontaneidade para que sejam explorados ludicamente os elementos essenciais
da estrutura dramática: Espaço (onde), Ação (o quê) e Papel Social (quem).
A experimentação destes repertórios metodológicos difundidos nas práticas
tradicionais ficcionais de ensino foi atravessada pela intencionalidade de se
documentar, pelo uso deliberado de documentos durante a execução dos jogos
cênicos e pelo pacto coletivo de que aquilo o que se queria jogar queira ser um
jogo documentário. Ou seja, abre-se caminho para aprender a ser um jogador-
documentarista
A organização dos saberes sobre os jogos lúdicos, entre eles os
Jeux
dramatiques
, e os Jogos teatrais, junto a toda a experimentação acumulada por
anos de pesquisa com a Cia Teatro Documentário abriu espaço para este
professor
experienciar, propor e criar uma série de jogos documentários que constroem
conhecimento enquanto se joga. Criando uma perspectiva dialógica, entre
pesquisa em teatro de grupo e pesquisa em sala de aula na escola básica.
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Figura 2 – Protocolo em que o estudante significa o seu descodificar do mundo
pela prática teatral a partir da abordagem documentária.
O jogador-documentarista comenta “o poeta é aquele que coisas
pequenas da vida com infinitas possibilidades” e que nem toda pessoa
compreende este universo, em seguida, lembra que ao longo da história humana
os artistas são perseguidos em governos autoritários, avessos ao olhar de um
poeta.
A abordagem documentária também contribui para o agenciamento dos
outros conhecimentos construídos nas aulas de outras áreas do conhecimento
como, por exemplo, de Monteiro Lobato, perseguido por Vargas. Ele aprendeu isso
nas aulas de História. O educando conclui o parágrafo evidenciando o que estava
a acontecer com ele, em suas palavras, no protocolo “Vamos sair fora da bolha...
refletir realidade”
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Figura 3 – Protocolo registro de um jogo documentário que é narrado pelo estudante,
no qual, um poema de Garcia Lorca é utilizado como documento
Percebemos a partir da linha cinco o jogador narrar sobre a investigação
promovida pelo jogo, a respeito de olhar as miudezas do espaço e a compreensão
de que era prazeroso de jogar e de assistir. O depurar do olhar do jogador-
documentarista é necessário para aprender a identificar documentos que possam
corroborar para o discurso cênico.
É possível notar pelo pequeno relato do jogador-documentarista, uma janela
de narrativa sobre a experiencia sensorial ao ler um poema, e receber a escuta de
outras vozes. Nosso alvo de documentação era o fascismo, logo, a história de
Garcia Lorca, perseguido por ser poeta e homoafetivo entrou na improvisação e
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sua contribuição poética ganharam corpo e hálito como documentos a serem
investigados dentro dos jogos a partir da abordagem documentária.
Ele fala sobre sua percepção artística durante o ato de jogar, “era uma feira
de Federicos Lorcas” ao participar da sonorização de vários poemas sendo lidos
ao mesmo tempo. E depois realça de como foi interessante, fundindo o prazer de
jogar ao prazer de aprender.
Figura 4 – Continuação do protocolo anterior
Aqui, o jogador-documentarista descreve as regras da criação narrativa, os
combinados da cena, antes do jogo se iniciar, e alude ao momento em que o
documento abre uma janela poética, a partir das três palmas que são batidas de
acordo com o estudante. Essas palmas marcam as palavras de Lorca, que
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resistem e se espalham no ar dentro do jogo. O jogador indaga: por que perseguiam
os poetas no fascismo?
Então, a abordagem documentária orienta também para a conscientização
de uma escolha estética. Os estudantes utilizam o verso final do poema de Lorca,
deixando claro que aquilo era um documento, pois produziam memória; ao
fazerem isso, o poeta volta a existir, a abordagem documentária produz em carne,
osso e jogo a presença do ausente.
Como efeito estético consciente, recitam o último verso do poema descrito
no início da figura 3: “A poesia era o impossível feito possível”. O jogo documentário
no ensino de teatro constrói metáforas e consciência que pedem espaço dentro
da improvisação e, portanto, confirma nossa hipótese de que sim, a abordagem
documentária pode contribuir para a constituição de meios de negociação e de
(re)criação da cultura pelos estudantes na educação básica. O protocolo revela
que não se pode mudar o passado, mas é possível reconstruí-lo por meio do jogo
documentário e (re)criar a cultura. Assim, quem não conhece os versos de Lorca
passa a conhecê-los; e que não seja esquecida toda a brutalidade que foi o
fascismo para que nunca mais volte a acontecer.
De como o Teatro Documentário entrou em ação na escola ou o que
nasceu para a formação dos professores de teatro
O processo da criação de um curso de Teatro Documentário solicita dos
envolvidos a constante reflexão teórica a partir da observação da prática e traz
pontos de vista sobre o que se considera realidade. Para esta pesquisa, o professor
de teatro contou com o apoio de sua gestão pedagógica e com uma mudança
brusca no currículo de Artes da escola pesquisada.
O tempo de aula foi aumentado de cinquenta minutos para 150 min, ou seja,
duas horas e meia. A justificativa conceitual do professor amparado pelos autores
Dewey, Benjamin e Larrosa, os quais defendem o conceito de experiencia, ou a
percepção da dificuldade de experienciar dentro da sociedade de consumo.
Na mudança da perspectiva curricular, a proposta dos estudantes em
experienciar as Artes por meio de suas linguagens, aumenta e ineditisma, um
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Centro de Artes Integradas7 que foi criado, no qual, Artes Visuais, Corpo e
Movimento, Teatro, Música e Cinema foram portais de aprendizagem. Cada uma
dessas linguagens com professores especialistas estavam dispostos em produzir
experiencias em Artes.
O alvo de pesquisa, a linguagem teatral, proporcionou aos estudantes e ao
pesquisador um aprofundamento no ensino de teatro por meio de uma
abordagem documentária a respeito da valorização do trabalho coletivo, da
dimensão e poder da construção da memória dentro da sociedade e sala de aula,
da identificação dos registros da história e da eleição de documentos como signos
elementais na construção de narrativas e pontos de vista de nossa sociedade.
Quando o
professor
cria situações de aprendizagens para desenvolver o olhar
crítico e analítico do estudante, a zona da experiência é adentrada pelo educador,
ao propor uma investigação teatral por meio da abordagem documentária, surge
um currículo, os procedimentos criados pelo artista-docente8 traduzem novas
perspectivas de se ensinar teatro. Assim, surgiram os Jogos Documentários que
são experienciados pelos jogadores.
Para uma abordagem documentária, A) o professor deve ter a consciência de
que está propondo uma experiência, B) deve utilizar jogos e criações com
documentos que ampliem o interesse do estudante sobre a realidade C) e se
autorizar a agir como artista inventando de acordo com aquilo que a realidade
material do processo solicita.
O alvo de documentação, ou seja, a tentativa de se (re)escrever a história à
contrapelo (Benjamin, 1994) foi sobre o fascismo, seu surgimento nos anos iniciais
do século passado e suas atualizações recentes na contemporaneidade. A
travessia pelos oceanos do conhecimento foi registrada por protocolos escritos
pelos estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental II, registros de aulas
detalhados com construção de consciência e reflexão política e estética.
7 Na tese de doutorado em Educação realizada na Faculdade de Educação da USP, existe um capítulo inteiro
destinado a esclarecer de como Curado (2020) transformou o currículo escolar em artes para que esta
pesquisa pudesse de edificar. Assim, como resultado desta transformação curricular foi criado um Centro
de Artes Integradas, em que cinco linguagens artísticas eram oferecidas no mesmo horário das aulas para
os anos finais do Ensino Fundamental II. E os alunos se inscreviam em cada curso.
8 Termo cunhado pela teórica Isabel Marques do Instituto Caleidos
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Podemos afirmar que as conquistas educativas e pedagógicas dos envolvidos
nesta proposta foram expressivas. Estudantes aprenderam a documentar, a criar
discursos e a se comunicar de maneira sensível. O corpo foi utilizado como centro
do conhecimento, o que é diferente de aprender por meio da razão. Sumimos
com a separação mente e corpo, pois, no geral, as escolas como um todo ao redor
do mundo têm priorizado a intelectualização.
Logo, a tese intitulada Teatro Documentário: cantos de experiência, ação
artística em
práxis
na educação básica trouxe resultados significativos ao se
propor a construção de conhecimentos por meio de uma abordagem
documentária. 1) A conscientização do que são documentos e a construção de
repertórios em documentários. 2) A intencionalidade em documentar, o uso de
documentos como fontes criação de cenas e análise de discursos a partir deles.
3) Evidenciar o pacto de que estamos agindo e jogando como jogadores-
documentaristas
Para que a efemeridade não explicite apenas o resultado, a composição do
processo é fulcral na abordagem documentária por parte do professor. Assim, 4)
o uso de protocolos para aquisição de conhecimento político e social. 5) A
compreensão dos documentaristas sobre a relação teatro e sociedade. 6) O
professor ter como horizonte, o proporcionar a construção de subjetividades aos
estudantes, por meio de jogos documentários que facilitem o acesso ao campo da
experiência na composição das aulas.
Entender o conceito de experiência e propor dispositivos pedagógicos que
aproximem o comportamento e as referências dos estudantes para situações de
escuta, sabedoria, narrativas de quem muito tem a contribuir (Benjamin, 1994) ou,
ainda, cultivar um processo pedagógico que se afasta da informação e prevê
tentativas de risco, perigo, cruzamento, travessia e lançar os estudantes ao
estranhamento, ao inominável, distantes dos materiais didáticos convencionais,
buscando outras palavras que extrapolam a linguagem (Larrosa, 2002).
Assim, esse extrapolar se manifestou tanto nos protocolos quanto,
principalmente, na construção do experimento final: uma breve encenação
apresentada a outros estudantes da escola, registrada em um roteiro artesanal
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criado pelos próprios
estudantes-documentaristas
.
Na concepção do experimento, a primeiro jogo mostrava um corpo
encontrado numa floresta. Os jogadores abriram o cadáver, pois queriam saber: o
que havia dentro de um poeta? Eles retiravam objetos poéticos e documentais —
uma flauta, uma estrela, o canto de um passarinho. Junto a esses objetos, vinham
poemas de Lorca e pequenos excertos de sua biografia, lidos em cena.
No segundo jogo, um outro corpo foi encontrado, agora de um soldado
fascista. Ao abrirem o corpo para saber o que havia dentro de um fascista
percebiam que os documentos que saiam de dentro dele eram: revolver; coturno;
fotografia de pessoas em câmaras de gás; gritos de horror e uma suástica bordada
em uma bolsa. Quando o documento era lido e escutado dentro das circunstâncias
políticas e históricas, ele criava um portal de significações. Na intenção de se
documentar as diferenças de modos de ver a vida os jogadores mostraram os dois
pontos de vista: de um lado, o poeta sensível; do outro, um representante do
regime fascista, que ignora a diversidade da vida.
A escolha dos poemas de Lorca foi fundamental para provocar reflexões
profundas entre os estudantes. Ao explorar circunstâncias como opressão,
resistência e humanidade, os participantes discutiram, por exemplo, como a
repressão política pode silenciar vozes artísticas e como a poesia pode ser um ato
de resistência. Durante o experimento, surgiram interpretações sobre a força
simbólica dos objetos retirados dos corpos em cena e sobre o significado de trazer
à tona as palavras de Lorca em um contexto de violência e apagamento.
O documentário cênico, apresentado na Mostra de Artes da escola, realizava
uma necropsia poética, revelando as escolhas dos jogadores-documentaristas.
Eles criavam arte a partir dos documentos, estabelecendo um jogo de
aprendizagens das poéticas documentais, tanto para quem jogava quanto para
quem assistia.
Enquanto jogavam cenicamente com os documentos, os estudantes
aprendiam e ensinavam simultaneamente. Ao tomar e analisar diferentes pontos
de vista, os jogadores refletiam criticamente sobre o mundo e compartilhavam
esse conhecimento em cena, ampliando sua formação crítica e sensível. O
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resultado desta aventura percorrida em treze aulas é o roteiro artesanal. Abaixo
dois excertos do roteiro do jogo documentário.
Figura 5 – Primeira página do Roteiro artesanal feito pelos estudantes.
O caderno que serviu como suporte material para os protocolos viajou pelas
mochilas, todas as semanas, da aula de teatro até a elaboração intelectual da
experiência feita em casa, pelos estudantes também registrou, a primeira versão
do roteiro artesanal feiro pelos estudantes em grupo.
Na figura 05, é possível ver, sem nenhuma orientação por parte do professor,
uma demonstração espontânea e analítica do que é ou do que foi para os
jogadores-documentaristas a construção do protocolo. Em suas palavras, o
protocolo “é sentir, recordar, relatar acontecimentos...o roteiro a seguir fará vocês
acompanharem nossa explosão de sentimentos”. Impossível não se emocionar
com a tomada de consciência destes estudantes, a respeito de terem sido
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protagonistas de seu alvo de documentação, principalmente ao compreenderem
e anunciarem que o protocolo foi a construção do documento coletivo, a respeito
da experiência com o teatro documentário.
Figuras 6 e 7Duas últimas páginas do Roteiro do Experimento cênico documental
As figuras acima revelam que, no jogo, ao entender o que existe dentro do
corpo de um poeta, sua poesia é dita e assim ele volta a existir, ao ler uma estrofe,
no plano a frente, Lorca representado por um ator-documentarista agia, de acordo
com a sua biografia, representando, assim a memória do poeta. A biografia como
fontes documentais estão visíveis por serem impressas e não feitas a mão. Os
estudantes colaram sobre o roteiro a indicação dos documentos.
Por fim, o ponto de vista que os jogadores-documentaristas gostariam de
enfatizar ao público, que o poeta havia sido perseguido e morto por ser quem era.
Na figura 07, na parte final, era compreendido pelo documento que Lorca “teria
sido fuzilado de costas, em alusão a sua homossexualidade pelo movimento
franquista9.
9 O franquismo foi uma ditadura fascista estabelecida na Espanha pelo general Francisco Franco, que durou
até 1975, após a Guerra Civil Espanhola
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Diante dos contextos políticos no Brasil no segundo semestre de 2018,
quando a abordagem documentaria foi utilizada no ensino de teatro, com esse
curso e experimento cênico, os estudantes puderam se posicionaram
artisticamente e convidaram seus demais colegas, bem como seus outros
professores a raciocinar sobre o que há dentro de um artista e o que há dentro de
um fascista.
E como isso é possível? Um trabalho como este, uma aventura deste porte
é possível quando existe uma escola que permite olhar com afeto e curiosidade
para o trabalho do professor. uma educação diferenciada das tantas mesmices
pode oferecer condições para que o professor crie e viva uma
gramática
participativa
. Para os estudantes, representa a oportunidade de explorar o que
Bruner designa de “mundo possíveis” (Bruner, 2002, p. 129).
Este trabalho revelou também que a possibilidade de se ensinar Teatro
Documentário ocorreu em uma escola distinta que convida os professores a
criar os seus cursos. Uma escola que parte de um pensamento educativo que está
circunscrito sob uma perspectiva das pedagogias participativas (Oliveira-
Formosinho, 2007), mais especificamente de um tipo de pesquisa sobre estar em
contexto e elaborar teatralmente os acontecimentos reais e históricos.
Este estudo orientou-se pela suposição básica de que o trabalho em Teatro
Documentário na educação básica promove uma maior qualificação do interesse
e do olhar sobre a realidade dos estudantes envolvidos e, assim, constitui-se em
um modelo possível de trabalho contraposto àqueles convencionais, pautados em
modelos ficcionais, a partir de uma dramaturgia pronta.
Portanto,
compreendemos
o modo de produção que o
artista
propõe em
suas aulas de Teatro Documentário como
professor
e fica claro que não existe
dissociação entre o artístico e o pedagógico. Então, o estudo presente referenda a
ótica de “um
docente
que não abdica de ser
artista
dentro da sala de aula e isso
faz com que o encontro com o conhecimento seja mais expressivo, tanto para o
professor quanto para os estudantes” (Curado, 2020)
Professor e estudantes partilharam uma condição educacional de negociação
e renegociação de significados culturalmente instituídos. É esse o sentido dado
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por Bruner (2002) à educação como um dos principais foros para que se partilhem
significações. “É o aspecto de foro de uma cultura que a seus participantes
(refere-se à educação) um papel na elaboração e reelaboração de uma cultura”
(p.129).
A abordagem documentária como prática de produção de cultura, professor
e estudantes juntos incorporam “um papel
ativo
como participantes, e não de
espectadores atuantes que desempenham seus papéis canônicos conforme as
regras quando as pistas apropriadas ocorrem (Bruner, 2002, p. 129).
É muito difícil romper com as sacralidades dentro da unidade escolar.
Romper com os velhos conteúdos, romper com as burocracias que roubam o
tempo de reflexão e romper com a fragilidade da formação dos professores. Sim,
o desenvolvimento de um currículo em Teatro Documentário é possível, também,
quando um professor que opte em continuar em formação. Que se en[canta]
com tudo que aprende e que brinca de ensinar a partir de suas novas conexões.
Referências
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Panorama do Rio Vermelho
: ensaios sobre o Teatro
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CURADO, Gustavo Idelbrando.
Teatro Documentário:
cantos de experiência, ação
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BRUNER, Jerome.
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Recebido em: 10/03/2025
Aprovado em: 22/09/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
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Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
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