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Teatro, racismo e identidade: a influência
colonial na cena artística brasileira até o século XX
Uriel de Mesquita Chemin
Para citar este artigo:
CHEMIN, Uriel de Mesquita. Teatro, racismo e identidade: a
influência colonial na cena artística brasileira até o século XX.
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 3, n. 56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0113
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Uriel de Mesquita Chemin
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-22, dez. 2025
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Teatro, racismo e identidade: a influência colonial na cena artística brasileira
até o século XX1
Uriel de Mesquita Chemin2
Resumo
O artigo investigou as raízes históricas do predomínio de produções culturais estrangeiras no
Brasil, analisando como a colonização e a influência europeia e norte-americana moldaram
a produção artística do Teatro no país até o século XX. Desde o Teatro Jesuítico até a criação
da Escola de Teatro da UFBA, a pesquisa analisou como a desvalorização do nacional e a
supervalorização do estrangeiro consolidaram a chamada "síndrome de vira-lata", na qual a
desestima das culturas indígenas e africanas foi um tema central, destacando a necessidade
de reconhecer e valorizar a diversidade cultural brasileira para superar a herança colonial.
Palavras-chave: Teatro brasileiro. Colonialismo. UFBA. Complexo de vira-lata.
Theater, racism and identity: the colonial influence over the Brazilian artistic
field until the 20th century
Abstract
The article investigated the historical roots of the predominance of foreign cultural
productions in Brazil, analyzing how colonization and European and North American influence
shaped the artistic production of the country’s theatrical scene until the 20th century. From
the Jesuit drama to the creation of the UFBA Theater School, the research analyzed how the
undervaluing of the national scenario and the overvaluing of the foreign one consolidated the
so-called "mongrel complex", in which the devaluation of indigenous and African cultures
was a central theme, highlighting the need to recognize and value Brazilian cultural diversity
in order to overcome its colonial heritage.
Keywords: Brazilian theater. Colonialism. UFBA. Mongrel syndrome.
Teatro, racismo e identidad: la influencia colonial en la escena artística
brasileña hasta el siglo XX
Resumen
El artículo investigó las raíces históricas del predominio de las producciones culturales
extranjeras en Brasil, analizando cómo la colonización y la influencia europea y
norteamericana moldearon la producción artística del teatro en el país hasta el siglo XX.
Desde el Teatro Jesuita hasta la creación de la Escuela de Teatro de la UFBA, el artículo
analizó cómo la desvalorización de lo nacional y la sobrevaloración de lo extranjero
consolidaron el "síndrome mestizo", en el que la desvalorización de las culturas indígenas y
africanas fueron temas centrales, destacando la necesidad de reconocer y valorar la
diversidad cultural brasileña para superar la herencia colonial.
Palabras clave: Teatro brasileño. Colonialismo. UFBA. Síndrome mestizo.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Guilherme Soares Machado. Licenciatura
em Letras no Centro Universitário Municipal de Franca (Uni-FACEF).
2 Mestranda em Artes nicas na Universidade de Brasília (UnB). Graduação - Licenciatura em Artes Visuais
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). uri.mesq@gmail.com
https://lattes.cnpq.br/2821575844461779 https://orcid.org/0009-0 006-8297-3616
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Introdução
A história do teatro no Brasil é profundamente marcada por uma herança
colonial que reflete não apenas a imposição de modelos culturais estrangeiros,
mas também a marginalização das expressões artísticas locais. Desde o século
XVI, com a chegada dos jesuítas e a introdução do Teatro Jesuítico, as
manifestações cênicas no país foram moldadas por uma lógica de dominação e
catequização, resultando em uma dinâmica inicial que estabeleceu um padrão de
desvalorização das culturas autóctones e uma dependência cultural que se
perpetuaria ao longo dos séculos.
O presente artigo explora a maneira pela qual o teatro no Brasil foi, desde
seus primórdios, um reflexo das estruturas coloniais que moldaram o país, e como
essa herança influenciou a forma como os brasileiros veem e valorizam sua própria
cultura até o séc. XX. Dessa forma, o estudo propõe uma análise histórico-crítica
desse processo, buscando entender as raízes da desvalorização do cenário
nacional e as possibilidades de superação dessa herança colonial.
Ao explorar essas questões, o texto convida o leitor a retornar ao passado
para que se possa compreender o presente e, possivelmente, o futuro. Afinal, o
que era consumido antes da internet existir? Por quais meios os brasileiros
poderiam ter acesso às grandes narrativas? Para isso, é necessário lembrar que,
antes da existência dos serviços de streaming, das grandes indústrias culturais
contemporâneas e do cinema, havia o Teatro.
Do início
Apesar da existência de incontáveis manifestações cênicas praticadas pelos
indígenas, muitas vezes voltadas à religião, existem poucos relatos sobre como
tais manifestações se davam. Isso se deve ao fato de que os portugueses tinham
pouco ou nenhum interesse em aprender os hábitos e culturas das diversas etnias
existentes na época e, desse modo, atribuíam a todos os povos a mesma
impressão genérica (Ferreira, 2011).
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Sendo assim, o teatro no Brasil teve seu início a partir de uma influência
externa, em oposição ao contexto nacional: o teatro lusitano. Tal modelo começou
com os jesuítas no séc. XVI (Lima, 2015) e seguiu até os primórdios do séc. XVIII,
como discorre Silva (1938), a partir das peças vindas de Portugal para serem
interpretadas pelos habitantes do Brasil.
A princípio, os negros e indígenas capturados eram levados para serem
escravizados e, em meio a isso, eram forçados a participar de peças cristãs
portuguesas tanto como plateia quanto como elenco, com o objetivo de doutriná-
los nos fundamentos impostos pela Igreja Católica. Dessa forma, como apresenta
Lima (2015), tudo que era brasileiro foi tratado com descaso e desprezo, ou filtrado
através de uma interpretação racista, misógina e branco-europeia. Por esse
motivo, “O Teatro Jesuítico, assim chamado, tem sua consequência no
desenvolvimento cultural e educacional da colônia” (Silva-Reis; Batista, 2024,
p.110).
Antes de surgir um teatro que pertencesse ao povo brasileiro, o Padre José
de Anchieta (1533-1597), autor de peças do teatro colonial, responsável pelo
primeiro livro de gramática da língua tupi e um dos precursores do Teatro Jesuítico
no Brasil, tinha como objetivo “a união dos temas nativos e cristãos,
representados nas peças por personagens indígenas e por santos da igreja
católica” (Ruckstadter, 2005, p. 27). Era a partir de improvisações de indígenas e
jesuítas que suas peças eram montadas, com o claro intuito da catequização,
como parte do grande projeto de colonização dos jesuítas (Silva-Reis; Batista,
2024).
De acordo com Lima (2015) e Silva (1938), houve uma tentativa de surgimento
de um teatro do Brasil por volta do séc. XVIII, originada dos esforços dos mulatos
Padre Ventura e Manuel Luís, mas que não pôde durar muito devido a um incêndio;
não obstante, Padre Ventura foi consagrado como o precursor da ópera brasileira.
Como Manuel Luís era dono de uma das primeiras companhias da época, suas
apresentações puderam seguir; as peças apresentadas eram todas portuguesas –
com preferência pelas obras de Antonio José da Silva (Silva, 1938) as quais
contavam com uma grande quantidade de participantes mulatos e negros, com
trajes e cenários extravagantes, que chamavam a atenção da realeza brasileira.
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Nessa época, podem ser destacados alguns nomes entre atores, dramaturgos
e diretores que conseguiram alcançar renome e prestígio individualmente, tais
como: “a atriz, Chica da Silva; os atores Vitoriano, Xisto Bahia, Caetano Lopes dos
Santos, Maria Joaquina, José Inácio da Costa (o capacho) e o palhaço Benjamim”
(Lima, 2015, p. 97).
Além disso, ainda no séc. XVIII, se dá o marco de grandes mudanças político-
sociais, econômicas, científicas e culturais no Brasil, devido a três eventos: a
Revolução Industrial, a Revolução Americana e a Revolução Francesa (Cebulski,
2012). Como destacado por Wallerstein, (1996, p.3) (apud Mignolo, 2003, p. 262-
263):
Pelo menos 95% de todos os estudiosos e de todo o conhecimento
acadêmico no período de 1850 a 1914, e provavelmente até 1945, origina-
se de cinco países: França, Grã-Bretanha, as Alemanhas, as Itálias e os
Estados Unidos. uma produção insignificante em outros lugares, mas
basicamente não o pesquisador vem de um dos cinco países, mas
quase toda a produção de conhecimento pela maioria dos estudiosos é
sobre seu próprio país. Assim sendo, a maior parte do conhecimento diz
respeito a esses cinco países (Mignolo, 2003, p. 262-263).
Dessa forma, é possível perceber que o cenário teatral brasileiro se inspirava
em suas referências colonizadoras, dado que o teatro realizado localmente era
uma tentativa de se reinventar a partir dos dramas europeus; porém, essas
referências não tomavam como base o Brasil ou países da América Latina, pois
não os consideravam capazes de produção intelectual (Belém, 2016).
A partir do séc. XIX, iniciou-se a chegada das tragédias francesas ao Brasil,
abrindo espaço para a instalação do Romantismo e influenciando os literários
brasileiros na busca de um idealismo pretensioso pelo nacionalismo, liberdade de
expressão, manifestação do lirismo, entre outros ideais (Silva-Reis; Batista, 2024).
Foi a partir deste período e até as duas primeiras décadas do séc. XX que a
presença de artistas negros se tornou cada vez mais escassa (Lima, 2015), contudo,
foi também o momento em que dramaturgos brasileiros deram início a uma
tentativa de abrasileirar o teatro nacional, ou seja, transformar o teatro em algo
fundamentalmente brasileiro; buscando se orientar pela contemporaneidade e
liberdade e às consequências do regime escravocrata para a sociedade brasileira.
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O resultado desse movimento foi o retorno da figura negra aos palcos,
entretanto marcada pela visão branca eurocêntrica passada entre gerações,
retratando o negro como figura inferiorizada e sem valor.
Como narra Lima (2015), a influência do teatro lusitano no solo brasileiro
gerou dramaturgos que representavam o negro como a mesma figura recorrente:
o escravizado, feio e degradado da sociedade, além de conter em si três
estereótipos recorrentes: o escravo fiel, o negro ruim e o bom negro. Isso ocorria,
segundo Mendes (1982), como uma tentativa, de justificar a discriminação e
violência praticadas contra os indivíduos negros do Brasil. Tal representação serviu
como desserviço para o movimento abolicionista e concedeu o estigma da figura
negra no teatro como escravo subalterno, mesmo após a sua libertação (Lima,
2015).
Foi ainda neste período que “Ideias liberais vindas de outros lugares da Europa
tentavam difundir o humanismo na península, ao mesmo tempo em que
insuflavam práticas do ideário capitalista” (Cebulski, 2012, p.28), as quais
naturalmente seriam introduzidas ao Brasil rapidamente.
Conforme o Romantismo se instalou no Brasil com ideias de consciência
nacional, busca da própria identidade e libertação do colonialismo. Como narra
Cebulski (2012, p. 76): “O Romantismo foi, portanto, a tentativa de enaltecer uma
produção artística genuinamente brasileira”.
Neste período do Romantismo mais consolidado, surgem dramaturgos
preocupados com a representação brasileira para o público nacional, como
Gonçalves de Magalhães e sua primeira tragédia voltada exclusivamente para
temas nacionais. também Martins Pena, que, a partir de suas observações
satíricas, denunciava o tráfico negreiro dentro de uma sociedade que ainda
normalizava a exploração do trabalho escravo. Por fim, entre outros nomes de
prestígio, pode-se citar João Caetano, ator que formou sua companhia com a
motivação de cessar a dependência de atores estrangeiros e incentivar a
participação de brasileiros no teatro.
É interessante notar que, enquanto o Brasil colonial era influenciado pelos
europeus, os dramaturgos se inspiravam nos mesmos e adotavam uma postura
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similar, marginalizando a população negra e indígena e utilizando sua figura
enquanto tragédia-comédia, entre outros atos inescrupulosos. Contudo, a partir
do momento em que nasce um movimento nacionalista que buscava evidenciar
os aspectos problemáticos da sociedade, passam a surgir com maior intensidade
as peças antirracistas, a valorização do trabalho honesto, as críticas ao
colonialismo, entre outros.
Seguindo esse sentimento, nos primeiros anos do séc. XX, a intenção de
garantir um maior distanciamento de produções europeias foi expandida como
consequência da Primeira Guerra Mundial. Em decorrência do isolamento
impetrado por esse evento histórico, diversas peças mantiveram a ênfase em
temáticas regionais (Cebulski, 2012).
Sucesso de um passado
Pensando nesses períodos históricos, poder-se-ia associar esse sentimento
de revolta ao que Mignolo (2005) caracteriza como “ferida colonial”, que surge a
partir de um senso de inferioridade. Retornando ao período colonial, Mignolo (2005)
argumenta sobre a maneira com que os europeus tiveram sucesso em destruir
quase totalmente a memória cultural do período pré-colonial; ao exterminar as
comunidades e cultura latino-americanas, gerou-se o desaparecimento de
qualquer relação com o passado e daqueles que vieram antes dos europeus. “É
preciso lembrar que o estabelecimento do teatro no Brasil advém da época da
colonização” (Belém, 2016, p. 122).
Portanto, as observações discorridas por Mignolo (2005), apesar de
direcionadas à América Latina no geral, possuem teor argumentativo para
considerar que o extermínio das comunidades indígenas e o apagamento da
cultura dos negros africanos, trazidos como escravos, foi uma maneira de forçar
as pessoas daquele período a cortarem relações com suas raízes, assim facilitando
sua credulidade. Ao afastar qualquer relação de um passado não tingido pelos
europeus, tornou-se a normalidade que certos grupos (negros, indígenas, mestiços,
entre outros) fossem subjugados a um papel de inferioridade, pois era difícil
contemplar um cenário em que essa não fosse sua realidade, visto que a mesma
havia sido apagada há muitos anos.
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Uma vez observados os dados apresentados até o presente momento, é
possível considerar que o Teatro no Brasil foi moldado e espelhado às margens
dos europeus e da figura europeia, assim como a sociedade em que se baseia a
cultura. Mesmo quando houve a intenção de uma separação e da busca pelo
Teatro Brasileiro, seria irreal alcançar essa meta sob tamanha influência sócio-
histórico-cultural. Para finalizar este argumento, traremos, por fim, um último
acontecimento histórico: o primeiro curso de ensino superior de Teatro no Brasil,
a Escola de Teatro da UFBA.
Conforme observado na tese de Santana (2020), a primeira escola do Brasil é
americana, ou, em termos modernos, estadunidense; afinal, “americano”
configura-se em todo habitante do continente da América. O fundador desta
escola foi Edgar Santos, com Martim Gonçalves atuando como coordenador e
primeiro diretor do curso. Para a construção do currículo do curso, Martim baseou
seus estudos no período em que passou nos EUA. Neste local, ele absorveu o
conteúdo das universidades de Yale, Harvard, Tufts, Wellesley, Emerson,
Universidade Católica da América, entre outras, assim como os programas de
teatro das universidades de Columbia (Theatre Arts) e de Boston (School of
Theatre).
Passados dois meses apreciando espetáculos da Broadway, peças e óperas
universitárias, o diretor retornou ao Brasil e declarou em entrevista que sua
primeira palestra seria “sobre o teatro americano e o ensino da arte dramática
naquele país”.
Após esse evento, Martim passou a procurar professores para atuar na escola,
buscando-os no Rio de Janeiro e, principalmente, na Bahia, pois, de acordo com
ele “era possível e necessário formar um campo profissional de teatro no Brasil”
(Santana, 2020, p. 114). Contudo, como Santana (2020) explicita em sua tese, tais
profissionais atuavam na Bahia muitos anos; estes, porém, eram autodidatas,
amadores, sem instrução acadêmica e, portanto, não qualificados para lecionar na
escola.
É importante notar também que, até 1958, o curso de teatro não era
reconhecido como uma unidade de ensino, mas sim como uma extensão da
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finalidade docente na Universidade. Assim, os recursos eram escassos, não havia
uma sede própria ou salas de aula destinadas ao curso, e os professores eram
pagos por contratos temporários, que poderiam se estender por até um ano letivo.
No entanto, Martim era remunerado através de bolsas individuais conferidas pelos
programas americanos Fulbright e a Fundação Rockefeller, nas quais o professor
enviava relatórios das atividades realizadas na universidade aos Estados Unidos
(Santana, 2020).
Desde o século XIX, o Brasil foi sustentado por relações comerciais,
econômicas e tecnológicas pelos Estados Unidos, e é após a Segunda Guerra
Mundial que essa dependência se intensifica, como relata Santana (2020). No
teatro e no cinema, “muitas bolsas foram concedidas por organismos filantrópicos
e pelo governo americano a artistas brasileiros” (Santana, 2020, p. 118).
Sendo assim, podemos cogitar o pensamento de que o artista considerado
profissional era aquele que viajava ao exterior para aprender a arte de outros
países, visando difundir o seu aprendizado ao Brasil. Nessas circunstâncias, não foi
necessário criar colônias e conventos para disseminar a própria cultura em outros
países; os próprios brasileiros, encantados com o teatro estadunidense e europeu,
se voluntariaram para isso.
O Brasil é um país de imigrantes em que na esfera das comunicações
interpessoais encontra-se uma diversidade esplendorosa de conceitos, visões de
mundo, interesses e conhecimento. Com tanta cultura a se conhecer e
reconhecer, seria um desperdício limitá-la à aprovação de normas eurocêntricas
e norte-americanas.
Apesar disso, Belém (2017) elucida o ponto que Mignolo (2005) questiona, em
razão desta cultura que, muitas vezes, não se compõe apenas de um apagamento
de memórias, mas sim do acesso a ela. O ocidente introduziu aos colonizados um
conceito de história distinto, enquanto os indígenas passavam suas histórias
oralmente, para os países colonizadores esse acesso ocorria através da escrita.
Dessa forma, “a sociedade que não a tinha ou que escrevia em uma língua que
não predominava na Europa moderna, não possuía História” (Belém, 2017, p. 28).
Se para se tornar um artista profissional, ou seja, não-autodidata ou não-
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amador, era necessário o acesso ao aprendizado de ler e escrever, deve-se
ressaltar que os acontecimentos do curso de Teatro da UFBA ocorreram no ano
de 1956, época em que a taxa de analfabetismo da população brasileira era de
65%3. Essa estratégia foi utilizada de forma eficaz e se tornou uma forma de
celebração, pois assim era possível identificar o “verdadeiro conhecimento”; afinal,
como dito anteriormente, o povo brasileiro não era considerado capaz de
produção intelectual (Belém, 2017). Contudo, este pensamento era somente dos
europeus? Ou haviam os brasileiros adotado a mesma postura?4
Uma vez que se percebe a desvalorização da prática da oralidade, poderíamos
organizar outros artigos em potencial para discutir diferentes formas de saberes
que não são, necessariamente, registrados em textos escritos, tais como as artes
da cena, que, entre diversas definições, podemos citar como exemplo a prática
corporal.
Complexo de vira-lata
Ao compreender-se a herança colonial que levou o brasileiro dos períodos
abordados ao pensamento enraizado de desvalorização de tudo que não fosse
europeu ou norte-americano, daremos seguimento a outra consequência do
grande projeto de colonização do Brasil, a qual o jornalista e dramaturgo Nelson
Rodrigues intitulou como “complexo de vira-lata”, descrito em 1958 como “a
inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do
mundo”.
Também podemos entender essa inferioridade como a supervalorização
daquilo que se origina do estrangeiro. Não haveria incoerência em tal suposição
considerando o histórico analisado até o momento e foi com esse resultado em
mente que os brasileiros foram doutrinados. Não obstante, seria utópico
considerar que, apesar de todos esses anos após a colonização, estaríamos livres
deste fardo. Para analisar este complexo, é interessante notar que todo o racismo
3 Reportagem realizada pelo autor Carlos Gaspar (28 set. 1957) disponibilizada pela Biblioteca Virtual Anísio
Teixeira em:
http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/abc.html#:~:text=Em%201950%2C%2014.900.000%20eram,portan
to%2C%20do%20que%20em%201900.
4 “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar o opressor” (Paulo Freire, 2009).
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estrutural aqui identificado possui um lugar de destaque neste argumento.
Oliveira Jr. (2019) compreende o complexo analisado por Nelson Rodrigues
como uma forma de ação voluntária que provém da vergonha – seja de si, de sua
origem ou de suas raízes em detrimento de se adequar aos parâmetros do
eurocentrismo, gerando a desvalorização do brasileiro como indivíduo e como
povo.
O conceito de vira-lata levantado por Nelson Rodrigues revela, seja
intencionalmente ou não, apenas um aspecto da colonização do Brasil, pois a
origem do termo refere-se a um animal que não possui raça, um mestiço. Seria
interessante notar que um dos animais mais queridos pelo povo brasileiro
contemporâneo é o chamado “cachorro caramelo”, ou seja, um cachorro que se
enquadra como vira-lata. Frascolla et al (2022) nota esse pequeno detalhe da
cultura brasileira a partir de uma campanha dos dias modernos, se referindo ao
lançamento da nota de R$ 200,00, em que os brasileiros se manifestaram para
que, ao invés de um lobo-guará na composição da cédula, fosse estampado o
cachorro vira-lata “caramelo”.
Dessa forma, Frascolla et al. (2022) trata este fenômeno como uma
autoimagem, a qual “diz muito sobre como nós brasileiros enxergamos as raças
no Brasil e como ainda nos vemos como um povo miscigenado, a despeito das
forças em contrário atuantes na pauta identitária hegemônica nos dias de hoje”
(Frascolla et al., 2022, p.460).
Se nos dias atuais ainda é possível perceber essa relação entre o brasileiro
moderno e o vira-lata, questiona-se como este fenômeno dava-se nos séculos
passados, tendo em mente que o racismo e o preconceito ainda não eram pautas
de discussão de extrema importância, estando até então enraizados em uma
grande porção da população.
Não obstante o genocídio e apagamento da cultura indígena, o tráfico e
escravização dos povos africanos trazidos à força ao Brasil, somos também um
país de imigrantes onde diversas pessoas de diferentes nações se refugiaram. Por
fim, muitos indivíduos questionam “o que é ser brasileiro?”.
[...] no imaginário popular ainda vive o ranço de que o branco representa
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a pureza e que um Brasil mestiço é menor, enquanto se olvida que a
multiplicidade, oriunda da mescla étnica e cultural é, justamente, o que
torna esse país lusófono dotado de características singulares, assaz
diversas dos moldes portugueses, europeus ou de outro que seja (Oliveira
Jr. 2019, p. 6).
São nas raízes do racismo que se configura o complexo de vira-lata, visto que
os próprios brasileiros buscavam dar seguimento a um projeto que visava a própria
colonização, ou seja, o embranquecimento da população. Isso ocorre na tentativa
de se adequar ao padrão estético eurocêntrico, o qual podemos definir
popularmente como “louros de olhos azuis”, descartando o indivíduo da sociedade
indígena e afrodescendente formada no Brasil, utilizando-se da miscigenação de
imigrantes. “A América (Latina) ainda não curou a ferida colonial e ainda não se
livrou do ‘colonialismo interno’ e da dependência imperial” (Mignolo, 2005, p. 74).
A luta já começou?
“Artistas, dramaturgos e dramaturgas, diretores e diretoras de teatro criam a
partir de um corpo e de uma geografia, a partir de uma cultura e de uma
epistemologia” (Bisiaux, 2018, p. 649). Conforme analisamos a trajetória do teatro
no Brasil, se torna ambíguo poder demarcar o momento em que passamos de
“teatro no Brasil” para “teatro brasileiro”, visto que durante muitos anos, os
brasileiros nas profissões de dramaturgos, atores e também espectadores
estiveram à mercê do teatro europeu e norte-americano a partir de inúmeras
influências, das quais um pequeno recorte de eventos objetivos foi compartilhado
no presente artigo.
Não obstante, tal afirmação não anula a questão de que existiam brasileiros
que colocavam em prática as artes cênicas do Brasil, fossem estes acadêmicos
ou não. Afinal, no cenário teatral, havendo uma cultura e um coletivo a tomar como
inspiração, hão de existir pessoas que criem a partir do corpo e geografia
mencionados por Bisiaux (2018).
Portanto, a partir deste ponto, tomaremos uma localidade e daremos
continuidade ao tópico discorrido anteriormente, com o intuito de discutir o
contexto histórico-social dos intelectuais das artes da cena da Bahia, que não
foram elegíveis para o curso de teatro da UFBA. Como dito anteriormente, tais
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profissionais atuavam na Bahia muitos anos; estes, porém, eram autodidatas,
amadores e sem instrução acadêmica, portanto, não eram qualificados para
lecionar na escola.
Nos estudos de Santana (2020), retomando as páginas anteriores, nota-se
que um dos responsáveis pelo currículo da Escola de Teatro da UFBA, Martim
Gonçalves, passou a procurar professores para atuar na escola, buscando-os no
Rio de Janeiro e, principalmente, na Bahia, pois assegurava que “era possível e
necessário formar um campo profissional de teatro no Brasil” (Santana, 2020, p.
114). Contudo, é válido questionar se estes profissionais não haviam formado o
campo de teatro no Brasil antes mesmo da fundação escola e que, possivelmente,
tal campo já formado apenas não se encaixava na visão que Martim tinha de algo
“profissional”, visto que até mesmo o conceito do que é ou não profissional foi
trazido pelos europeus. É importante ressaltar, porém, que este tópico formaria
outro artigo, dada a extensão do assunto.
Sendo assim, discutiremos sobre teatro em seu cenário no período em que
a escola foi fundada e deu início ao seu currículo, sendo este nos anos 50, em um
dos locais nos quais Martim Gonçalves passou a procurar: o estado da Bahia.
O intuito de discorrer sobre os artistas e a sociedade em que conviviam na
época é buscar entender se os profissionais do teatro, considerados inaptos para
a escola, possivelmente haviam constituído um campo profissional no qual
diversas pessoas trabalhavam e constituíam a cena artística da Bahia. Dessa
forma, será possível questionar a razão pela qual essas pessoas não foram
compreendidas como parte do campo profissional de teatro no Brasil, visto que,
de acordo com o comentário trazido por Santana (2020), ainda era necessário
formar tal campo.
Boccanera Junior (2008) traz em seu livro ‘O teatro na Bahia: da colônia a
república 1800-1923’, um recorte do teatro na Bahia desde seu início com o Padre
Ventura, de 1500 até 1923. Em sua documentação, Boccanera Junior (2008) intitula
os períodos do teatro por fases, sendo estas as seguintes: “Embrionária (1800-1811),
Constitutiva (1812-1844), Florescente (1845-1856), Evolutiva (1857-1866), Áurea
(1867-1880), Asirnergia (1881-1900), Decadente (1901-1923)” (Boccanera Junior,
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2008, p. 145).
Apesar de não ser o período do qual esta parte do artigo pretende tratar, é
interessante notar que o teatro na Bahia já se encontrava amplo o suficiente para
que fosse separado por fases, em que movimentos surgiram e se foram. Ou seja,
de 1500 até 1923, houveram diversos artistas que performaram em seus
respectivos períodos, realizaram apresentações e, no entanto, não foram
considerados “parte do campo profissional”.
Estes artistas, fossem estrangeiros ou brasileiros, naturalmente ainda bebiam
das referências europeias e buscavam reproduzi-las no Brasil, havendo ainda certo
repúdio por artes “amadoras”, como Boccanera Junior (2008) exemplifica sobre a
dança ‘Lundu’ no Teatro São João:
Ignácio Accioly de Cerqueira e Silva era então o administrador do Teatro
São João, e por um ofício, datado de 22 de outubro de 1836, dirigido ao
Chefe de Polícia, Dr. Francisco Gonçalves Martins (depois Visconde de S.
Lourenço), consultado: [...] se reprovaria inteiramente que se pusesse em
cena em algum intervalo dos espetáculos do teatro público, a dança
denominada lundu por ser instado para a apresentar, por diversos
amadores, e porque disso reputava depender o interesse do mesmo
Teatro (Boccanera Junior, 2008, p. 152).
“Lundum ou Landum. Dança chula africana, usada também no Brasil. O
dicionário da língua bunda por Conecatim tem landú, todavia a forma geralmente
seguida é lundum” (Ernesto Vieira, 1899, apud Castagna, 2003, p. 319). Tal dança
era difundida predominantemente entre negros, brancos e mulatos, sendo
considerada “amadora” ou indigna de estrelar nos palcos do teatro público.
Apesar disso, José Pereira Rebouças, como narra Boccanera Junior (2008):
“Foi o primeiro brasileiro, na época colonial, diplomado em música, na Europa; e,
também, o primeiro que nos deu a conhecer, aqui na Bahia, as composições de
mérito dos insignes compositores italianos”, e este era muito bem-vindo a
performar no teatro, afinal, diferentemente de Lundu, este era profissional e não
era considerado “[...] imoral, ofensiva ao pudor das famílias, sobre demonstrarem,
atos dessa natureza, sancionados, menosprezo ao Teatro” (Boccanera Junior,
2008, p. 153), tal qual foi dito sobre a dança Lundu.
Portanto, podemos cogitar que o pensamento de Martim Gonçalves, ao
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buscar por profissionais para atuar na Escola de Teatro da UFBA, possivelmente
esteve atrelado a um raciocínio colonial, que foi construído a partir da mentalidade
social do que se considerava “profissional” e “amador” na época. Os profissionais
que ele buscava, presumivelmente, não poderiam ser encontrados na Bahia, Rio
de Janeiro ou sequer no Brasil, visto que somente os encontraria na Europa e nos
Estados Unidos, os quais usou como base para o currículo da escola da UFBA
(Santana, 2020).
Estes comentários apresentados datam de 1836, longe de período que se
aborda, e, portanto, poder-se-ia considerar que estariam ultrapassados e que tal
forma de pensamento estaria abandonada, contudo, no artigo de Santana (2006),
observemos o seguinte diálogo, na qual a autora relata sobre a criação da Escola
de Teatro da UFBA:
Numa cidade que sempre viveu atravessada por hábitos amadores e
provincianos no fazer teatral, a empreitada surge com alguns objetivos
inter-relacionados: divulgar a dramaturgia clássica e moderna através de
encenações promovidas pelo próprio instituto e, numa junção entre teoria
e prática, formar artistas (atores, diretores e técnicos) e público nos mais
atuais métodos e técnicas teatrais (Santana, 2006, p. 1).
Novamente encontramos o mesmo termo, “amador”, para se referir às
produções teatrais realizadas na Bahia, assim como o mesmo discurso de mais de
um século atrás, no qual se buscava contratar e formar apenas artistas que
fossem estudados. Desta forma, não bastavam os estudos informais ou o
conhecimento oral; os estudos buscados eram os de origem estrangeira.
É importante notar que não nada de errado em estudar referências de
fora do Brasil, concluir um curso formal e aprofundar seus aprendizados, contudo,
o que se questiona no presente artigo é o motivo pelo qual o teatro, estabelecido
muitos anos no país, foi deixado de lado. No momento em que houve a iniciativa
de formar um currículo de ensino de teatro, foram pesquisadas, majoritariamente,
referências europeias e norte-americanas para a formação de artistas brasileiros.
O pretexto de que as práticas artísticas realizadas naquele período foram
consideradas amadoras por teatrólogos como Martim Gonçalves exemplifica a
maneira na qual os europeus possivelmente obtiveram sucesso em seus séculos
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de colonização do Brasil, principalmente ao se observar a maneira com que os
próprios brasileiros menosprezavam as suas produções nacionais, que eram por
si só lotadas de riqueza, tal qual o exemplo da dança Lundu.
Contudo, podemos concluir que, conforme o complexo de vira-lata narrado
por Nelson Rodrigues, que se baseia na noção de inferioridade do brasileiro quanto
às suas raízes, houve, mesmo que de forma não-intencional, uma supervalorização
das narrativas teatrais europeias e uma desvalorização das produções nacionais.
Uma vez que o teatro pode ser entendido como um instrumento de comunicação
e de crítica social, que possui seu papel de influência na sociedade, questionamos
a mensagem que essas narrativas passavam para o público, visto o poder que a
influência europeia empregava nos palcos brasileiros.
Para finalizar o artigo, traremos um breve recorte do artigo de Christine
Douxami (2001), no qual a autora elucida diversas questões sobre o teatro,
principalmente negro, no Brasil, com um capítulo relatando o teatro na Bahia em
1950. Dando início com o relato de Thales de Azevedo, que discorreu seu trabalho
sobre as elites de cor na Bahia:
“No teatro, as pessoas de cor não têm oportunidades, ao menos as mais
escuras. É muito comum ouvir esta queixa. Os pretos, diz um jovem
informante, não passam de serventes e carpinteiros em nossos teatros;
mesmo para os papéis de ‘pretos’ preferem-se brancos pintados.
Acontece de outro lado, afirma uma atriz amadora morena, que as
brancas recusam-se a fazer papéis de ‘baianas’, e é por isso que se
convidam moças de cor para tais papéis, mas somente para estes”. O
fato de pintar atores brancos de negro, em vez de chamar atores negros,
continuou por muito tempo (Douxami, 2001, p. 345).
Apesar disso, houve tentativas de se estabelecer um teatro negro na Bahia,
visto a imensidade de pessoas negras e mestiças no estado. Não obstante, como
relatado por Douxami (2001), a rejeição da ideia veio, em parte, pelos próprios
negros militantes, que temiam uma reação quanto à diferença racial. Douxami
(2001) também elucida a questão de que o teatro encontrava pouco espaço e apoio
na sociedade baiana e que começou a ganhar mais força após a fundação da
Escola de Teatro. Porém, mesmo após o investimento na profissionalização, “[...]
até o início dos anos 90, o número de atores negros na Escola de Teatro nunca foi
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muito alto. Não houve, nesse período, tentativas de teatro negro” (Douxami, 2001,
p. 347).
Além disso, em uma situação similar ao que houve com o Lundu em 1836, as
autoridades procuravam fiscalizar as apresentações, reprimindo os artistas com o
intuito de assegurar os ‘bons costumes’. Como tentativa de contornar a censura,
os artistas negros ensaiavam textos clássicos ou de origem europeia com o
objetivo de apresentar a temática negra dentro dos espetáculos (Douxami, 2001).
Até aqui podemos apontar alguns detalhes, sendo o primeiro a maneira com
que o racismo foi reforçado por artistas teatrais. Em segundo, apontamos que
modelos europeus cênicos e estereótipos foram utilizados tanto para reforçar o
racismo quanto para falar sobre ele. Por fim, quando surgiram personagens negros,
estes eram interpretados por atores brancos.
Esses detalhes reforçam a ideia de que, no período de constituição da Escola
de Teatro, o cenário teatral encontrado na Bahia apresentava resistência quanto a
narrativas de origens não-europeias. Apesar da vasta riqueza das culturas africana
e indígena, entre muitas outras que foram introduzidas ao Brasil, insistia-se no ato
de invisibilizar as personagens não-brancas, desmascarando a ideologia da
brancura que foi implantada desde o período dos jesuítas.
Como elucida Douxami (2001, p. 347), foi apenas em 1959, com ‘O Auto da
Compadecida’, de Ariano Suassuna, que afinal foi concedido um papel de destaque
a um ator negro. Até então, havia pouco espaço para um teatro que valorizasse a
identidade étnica brasileira, enquanto companhias que ousassem tentar dar
oportunidades de papéis de destaque, tanto para brancos quanto para negros,
ocasionalmente desistiam devido à dificuldade e aos inúmeros problemas
encontrados.
Por fim, devemos destacar que os grupos de Teatro da Bahia deste período,
que buscavam valorizar suas capacidades críticas a partir da autoria de seus
espetáculos e discutir sobre as suas visões de mundo, fossem estes grupos
amadores ou não, atuaram em busca da descolonização. Ao criar narrativas
nacionais, intra e interculturais, contribui-se para que a sociedade não
reconheça as possíveis invisibilidades, mas tome consciência e possa difundir um
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diálogo amplo sobre a colonização como uma subalternização de povos e culturas.
Sendo assim, apesar de que “É preciso lembrar que o estabelecimento
do teatro no Brasil advém da época da colonização” (Belém, 2016, p. 122),
também é importante ressaltar que o responsável por inverter a posição de
subalterno, na qual inúmeras pessoas foram sujeitas, não é apenas de quem se
encontra nesta posição, mas também daquele que se beneficia dela.
Considerações finais
O presente artigo buscou apresentar a trajetória do Teatro no Brasil, desde
seus primórdios com o Teatro Jesuítico, até o século XX, com ênfase na cena
teatral do Estado da Bahia. A análise dos eventos apontados no texto permitiu
uma reflexão quanto à história do teatro, que foi marcada pela colonização e,
consequentemente, a imposição de modelos culturais, predominantemente
europeus e norte-americanos, ocasionando na marginalização das práticas
artísticas nacionais.
A partir do Teatro Jesuítico, introduzido no século XVI, buscou-se
compreender a maneira com que o teatro foi utilizado como instrumento de
catequização e dominação das culturas indígenas e africanas, tratando-as como
inferiores. Essa dinâmica de desvalorização perpetuou-se ao longo dos séculos e,
assim, buscamos analisar como esse evento histórico moldou uma dependência
cultural do brasileiro, dificultando o desenvolvimento de um teatro que fosse
genuinamente nacional.
Sendo assim, o texto aborda a maneira com que o teatro no Brasil foi utilizado
como ferramenta de controle social, na qual tanto os europeus quanto os próprios
brasileiros reforçaram estereótipos e narrativas racistas. Peças de origem
europeias possuíam domínio dos palcos brasileiros, sendo que, diversas vezes, o
personagem negro ou indígena era colocado em uma posição subalterna, fosse
caracterizando-o de forma cômica ou trágica. Apesar da presença de pessoas
negras se apresentando nos palcos, essas apresentações foram vistas como um
desserviço para a pauta antirracista da época, que já se encontrava em discussão.
Na chegada do século XIX, houve tentativas de criar um teatro em que este
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fosse brasileiro, apesar de que tentativas similares já ocorriam desde o período do
Padre Ventura. Inspirados pelo Romantismo, os artistas da cena teatral brasileira
passaram a tratar sobre temas nacionais em busca de uma identidade cultural
própria; neste período, foram abordados temas como o tráfico negreiro e a
escravidão. No entanto, a representação do negro no teatro continuou sendo
marcada por estereótipos degradantes, reforçando a visão eurocêntrica colonial
de inferioridade.
Essas tentativas tiveram maior força no século XX, especialmente após a
Primeira Guerra Mundial, em que artistas brasileiros buscaram distanciar-se das
influências europeias e valorizar as temáticas regionais. Não obstante, a criação da
Escola de Teatro da UFBA na década de 50, inspirada em modelos norte-
americanos e europeus, revelou uma persistente desvalorização das práticas
teatrais locais, as quais constantemente eram denominadas como amadoras,
vulgares, imorais, ofensivas, entre tantos outros nomes.
Ao buscar referências para a elaboração do currículo da Escola de Teatro,
assim como professores para lecionar na Bahia e no Rio de Janeiro, artistas
autodidatas que atuavam décadas nestes locais foram considerados
inadequados para serem referenciados na escola.
Sendo assim, o artigo buscou evidenciar a possibilidade de que este ato pode
ser tratado como um reflexo das estruturas coloniais que moldaram o país, não
sendo tratado como um fenômeno isolado, mas sim como o resultado de séculos
de colonização cultural, na qual se refletiu sobre a maneira em que se moldou
como os brasileiros veem a si mesmos e ao mundo ao seu redor, fenômeno
denominado como “complexo de vira-lata”, que foi termo cunhado pelo
dramaturgo Nelson Rodrigues em 1958.
O ‘complexo de vira-lata’ sintetiza uma tentativa de explicar a autoimagem
de inferioridade do brasileiro em relação ao estrangeiro. Esse sentimento,
enraizado na herança colonial, reflete-se na supervalorização do teatro europeu e
norte-americano e, consequentemente, na desvalorização das produções
nacionais. Essas escolhas foram analisadas não de forma individual, mas como
consequências de um processo histórico, enraizado na mentalidade do povo
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brasileiro de que o conhecimento e a cultura estrangeiros são superiores. Tal
mentalidade, como abordada no artigo, privilegiava o acesso ao conhecimento
escrito e formalizado, em detrimento das tradições orais, muitas vezes
marginalizadas.
Não obstante, o artigo também buscou demonstrar a maneira com que
artistas da Bahia do século XX buscaram criar narrativas que valorizassem a
identidade étnica e cultural por uma luta de reconhecimento das raízes indígenas,
africanas e mestiças do Brasil, assim como das narrativas brasileiras. Essas
iniciativas enfrentaram resistência tanto pelo lado dos brancos quanto pelos
negros militantes, contudo, as narrativas e tentativas de superar a herança colonial
nunca deixaram de existir.
Em suma, o Teatro no Brasil pode ser analisado como um reflexo das
estruturas coloniais, porém, também pode ser visto como um campo
extremamente vasto de resistência e reinvenção. A cura da "ferida colonial", como
proposto por Mignolo (2005), passa por uma reavaliação crítica do passado e por
um esforço coletivo com o intuito de construir um futuro em que a cultura
brasileira seja celebrada em sua plenitude, sem a necessidade de se comparar ou
se submeter a padrões estrangeiros.
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Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC
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Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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