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Minha caminhada é minha dança
Isabel Ramos Monteiro
Para citar este artigo:
MONTEIRO, Isabel Ramos. Minha caminhada é minha dança.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 3, n. 56, dez. 2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0201
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Isabel Ramos Monteiro
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-33, dez. 2025
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Minha caminhada1 é minha dança2
Isabel Ramos Monteiro3
Resumo
Partindo do diálogo entre obras da dança e da literatura em que se observa íntima relação
entre arte e vida, este ensaio analisa criações que propõem um convite, tanto ao
performer/escritor quanto ao espectador/leitor, à percepção de si em deriva. Se na
conferência "Poesia e pensamento abstrato", Paul Valéry sugere a separação entre a prosa e
a poesia; na contemporaneidade, poetas e coreógrafos rompem tal separação misturando
experiências motoras e de linguagem tanto dos campos da vida ordinária como da arte. A
partir do interesse de coreógrafos pelo caminhar como experiência fundamental para a
dança, reflete-se sobre a presença da prosa (e do prosaísmo) na produção contemporânea
de poesia.
Palavras-chave
: Dança contemporânea. Literatura comparada. Marília Garcia. Paul Valéry.
Steve Paxton.
A My walking is my dancing
Abstract
Starting from the dialogue between dance pieces and literature works in which there is an
intimate relationship between art and life, this essay analyzes some creations that propose
an invitation, both to the performer/writer and to the spectator/reader, to the perception of
oneself in drift. In his lecture “Poetry and abstract thought”, Paul Valéry suggested the
separation between prose and poetry; although, in contemporary, poets and choreographers
break this separation by mixing movement and language experiences from both the fields of
ordinary life and art. Based on the interest of choreographers in walking as a fundamental
experience for dance, we reflect on the presence of prose (and prosaism) in contemporary
poetry production.
Keywords:
Contemporary dance. Comparative literature. Marília Garcia. Paul Valéry. Steve
Paxton.
Mi caminar es mi bailar
Resumen
Partiendo del diálogo entre obras de danza y literatura en el que existe una íntima relación
entre arte y vida, este ensayo analiza creaciones que invitan tanto al intérprete/escritor como
al espectador/lector a percibirse a mismos en deriva. En su conferencia «Poesía y
pensamiento abstracto», Paul Valéry sugería la separación entre prosa y poesía; en la época
contemporánea, poetas y coreógrafos rompen esta separación mezclando experiencias
motrices y lingüísticas procedentes tanto del ámbito de la vida ordinaria como del arte.
Partiendo del interés de los coreógrafos por la marcha como experiencia fundamental para
la danza, reflexionamos sobre la presencia de la prosa (y el prosaísmo) en la producción
poética contemporánea.
Palabras clave
: Danza contemporánea. Literatura comparada. Marília Garcia. Paul Valéry.
Steve Paxton.
1 Este artigo resulta em 71% de partes da dissertação de mestrado de Isabel Ramos Monteiro denominada: ao fim da dança
ensaios sobre o dançar o fazer literário. Defendida no Programa de pós-graduação em Teoria Literária e Literatura
Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação
de Roberto Zular, São Paulo, 2022.
2 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Isabel Ramos Monteiro. Mestrado em Teoria Literária
e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP). Graduação em Letras pela USP.
3 Doutoranda em Artes na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestrado em Letras pela
Universidade de São Paulo (USP). Graduação em Letras Português e Francês pela USP.
belramosmonteiro@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4040710548797992 https://orcid.org/0009-0006-0926-3546
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Introdução
O corpo perpetua e conta a história do corpo, inédito em cada indivíduo, cada
gesto adquirido nos faz partilhar do desenvolvimento da espécie. Para coreógrafos
como Steve Paxton e Anne Teresa de Keersmaeker o caminhar é a origem do
dançar:
my walking is my dancing
,
nas palavras da coreógrafa belga.
Toda a aquisição motora pregressa ao aprendizado da marcha ao mesmo
tempo que cria condições para que possa ser realizada, também nos
coloca ao rés do chão, nos faz comungar com outras formas de vida,
que, mesmo que por um período curto de tempo, toda vida humana
nadou, rastejou, se deslocou em quatro apoios. De que forma descrever
o testemunhar desse aprendizado? De que forma perpetuar palavras
diante do fim dessas danças? Diante do silêncio de quem as
experimentou? (Monteiro, 2022, p. 82).
Partindo do diálogo entre obras dos campos da dança e da literatura em que
se observa íntima relação entre arte e vida, seja nos procedimentos de escrita, nos
treinamentos dos performers, ou naquilo que tematizam, o presente artigo busca
analisar criações que propõem uma espécie de convite, tanto ao
performer/escritor quanto ao espectador/leitor, à percepção de si em deriva:
compartilham modos de olhar e sentir a obra de arte que necessariamente
invadem a vida. A partir da ressonância entre procedimentos de coreógrafos e de
poetas, traçaremos um diálogo entre as experiências que dão espessura ao corpo
comum, ao corpo "pedestre" e à paisagem. Obras que dão relevo ao invisível, dão
a ver os fantasmas: danças e textos que espessam tudo o que nos cerca. Levando
a atenção do espectador/leitor para a dança dos corpos que compõem o espaço
da vida social cotidiana para além da duração de uma peça ou de um livro, são
obras em que não é possível precisar o fim.
No momento em que trabalhava na escrita deste texto, faleceu Steve Paxton,
dançarino, pesquisador e improvisador estadunidense. A sua obra coreográfica e
percurso pedagógico, bem como os textos deixados por ele, foram referências
importantes para que pudesse desenvolver as reflexões contidas neste artigo. Seu
silêncio e pausas definitivas paradoxalmente evidenciam o que Paxton
movimentou e seguirá movendo a partir daqui. Como veremos a seguir, tal obra
não está colada em seu corpo ou modo peculiar de dançar, mas em ações e
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convites direcionados ao outro, espectadores, leitores, alunos, aprendizes. A obra
que o coreógrafo nos deixa se oferece como algo ainda a ser experimentado por
outros corpos, com ou sem treinamento prévio, que está alicerçada na
autonomia de cada pessoa com quem faz contato, e assim segue oferecendo
ferramentas para que se possa trilhar caminhos próprios de investigação e
observação de si. Consequentemente nos aguça a curiosidade e nos fornece
ferramentas para olhar (e ver) o outro: cada particularidade e similaridade de
movimento e repouso.
É importante salientar que a escrita do presente artigo assume uma postura
ensaística diante dos objetos de que trata e portanto a voz de quem escreve
aparecerá, ora explicitamente, ora timidamente, nas linhas que se seguem. Este
exercício de escrita desembocará em uma coda, que encerra o artigo, e que é uma
deriva em torno da caminhada como gesto artístico, performático e literário. Nesta
coda, testo a entrada do ritmo do caminhar na própria escritura e portanto,
distendo a forma do ensaio acadêmico em um poema em prosa.
O filósofo dança
Meditando sobre as definições e diferenças entre a poesia e a prosa, na
conferência "Poesia e pensamento abstrato", Paul Valéry cria uma analogia.
Segundo ele, a poesia está para a dança assim como a prosa está para o caminhar:
O andar, como a prosa, visa um objeto preciso [...] Não existem
deslocamentos através do andar que não sejam adaptações especiais,
mas abolidas e como que absorvidas todas as vezes pela realização do
ato, pelo objetivo atingido. A dança é totalmente diferente. É, sem dúvida,
um sistema de atos; mas que têm seu fim em si mesmo. Não vão a parte
alguma (Valéry, 2011b, p. 220).
Sob esse enfoque, o caminhar é visto como um ato com objetivo específico,
como a necessidade de um objeto, ou impulso de um desejo (Valéry, 2011b). No
entanto, é o próprio poeta que nos conta de uma experiência em que foi "tomado"
por ritmos ao longo de uma caminhada:
Fui
tomado
, de repente, por um ritmo que se impunha e que logo me deu
a impressão de um funcionamento estranho. Como se alguém estivesse
usando minha
máquina de viver.
Um outro ritmo veio então reforçar o
primeiro, combinando-se com ele; e estabeleceram-se não sei que
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relações
transversais
entre essas duas leis (estou explicando da maneira
que posso). Isso estava combinando o movimento de minhas pernas
andando e não sei que canto que eu murmurava, ou melhor, que se
murmurava
através de mim.
Essa composição se tornou cada vez mais
complicada e logo ultrapassou em complexidade tudo o que eu poderia
produzir racionalmente de acordo com minhas faculdades rítmicas
comuns e utilizáveis (Valéry, 2011b, p. 214).
A forte experiência rítmica que acometeu o poeta não pôde se transformar
em obra musical (e aqui acrescento também, não pode ser transformada em obra
coreográfica, que sua descrição relaciona ritmo, melodia e movimento do corpo)
pois, segundo ele, lhe faltaram os recursos técnicos necessários para tal tarefa.
No artigo de Valéry, a anedota sobre a experiência da caminhada funciona como
exemplificação da diferença entre a "produção espontânea através do conjunto de
nossa sensibilidade e a fabricação de obras" (Valéry, 2011b, p. 214), e, dessa forma,
a problematização sobre a experiência vivida não é exatamente o foco de debate
de seu artigo. No entanto, a passagem chama atenção, pois se mostra como uma
oportunidade fértil para pensarmos sobre a possibilidade da presença da
caminhada na dança, assim como a presença da prosa na poesia e, dessa forma,
relativizar os limites entre elas.
Se a caminhada foi fonte de uma produção rítmica inesperada ao poeta, e se
ela também é para ele uma ação que lhe causa envios e reenvios de ideias: "eu
sabia que a caminhada frequentemente me entretém em uma viva emissão de
ideias e que ocorre uma certa reciprocidade entre meu passo e meus
pensamentos, com meus pensamentos modificando meus passos; com meu
passo excitando meus pensamentos [...]" (Valéry, 2011b, p. 215); ela deixa de ser
apenas uma ação utilitária, na qual apenas "circunstâncias pontuais [...] ordenam
ao andar seu comportamento, prescrevem-lhe a direção, sua velocidade e dão-
lhe um
prazo limitado
" (Valéry, 2011b, p. 220), como havia afirmado o próprio poeta.
As caminhadas de Valéry dinamizam seus pensamentos que passam não
apenas a "dançar" junto com o ritmo de suas pernas, mas de fato alteram o seu
ritmo e forma de caminhar: fazem dançar o filósofo. Através de um processo de
reenvios entre os sentidos, Valéry percebe que as pernas alteram o pensamento,
que por sua vez modifica seu modo de andar e vice-versa. Acometido por uma
espécie de devaneio ao longo da caminhada, ele parece ter experimentado o
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descontrole sobre os caminhos percorridos pelo seu pensamento, corpo e ritmo.
A descrição dessa experiência nos lembra aquela da bailadora andaluza, presente
no poema "Estudos para uma bailadora andaluza" de João Cabral de Melo Neto.
No poema, uma analogia entre a dança e o galope do cavalo em que não
se sabe se a bailadora cavalga ou "é cavalgada", se ela se move ou é tomada pelo
movimento
Subida ao dorso da dança
(vai carregada ou a carrega?)
é impossível se dizer
se é a cavaleira ou a égua [...]
que o melhor será dizer
de ambas, cavaleira e égua,
que são de uma mesma coisa
e que um só nervo as inerva,
e que é impossível traçar
nenhuma linha fronteira
entre ela e a montaria:
ela é a égua e a cavaleira (Melo Neto 1997, p. 200)
Fazendo-se uma analogia, na passagem de Valéry, é o filósofo que não sabe
se caminha ou "
é caminhad
o", se raciocina ou "
é pensado"
através de seu corpo;
"como se alguém estivesse usando minha
máquina de viver.
.." (Valéry, 2011b, p.
214). Essa indeterminação entre a passividade e a atividade está também presente
em dois momentos do diálogo
A alma e a dança,
outra obra de Paul Valéry.
O
primeiro deles é, quando Fedro percebe que a observação da dançarina faz com
que seu movimento "pense" em seu lugar:
A contemplação da dançarina me faz conceber muitas coisas, e muitas
relações entre as coisas, que, no momento, constituem meu próprio
pensamento, e pensam, de algum modo, no lugar do Fedro. Encontro em
mim clarezas que não teria jamais obtido da presença sozinha de minha
alma... (Valéry, 2005, p. 41-42).
Em outro exemplo da mesma obra, a dançarina Athiktê dança
convulsivamente em giros espiralados até perder consciência e cair. A queda é
seguida pela tomada da palavra da dançarina que corresponde à última frase do
livro de Valéry. Mais uma vez, o movimento se torna, ele mesmo, protagonista: "-
Asilo, asilo, ó meu asilo, Turbilhão! – Eu estava em ti, ó movimento, e fora de todas
as coisas..." (Valéry, 2005, p. 67).
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Fora de todas as coisas, no movimento, na experiência de devaneio mental e
corporal durante uma caminhada, o filósofo Valéry - apesar de ter afirmado que
andar e dançar são experiências opostas - faz testemunho de uma vivência que,
mesmo que única e impossível de ser reproduzida, nos remete diretamente à
dança e às próprias descrições da dança realizadas em diferentes momentos e
formatos ao longo de sua vida, como as que destacamos acima. Apesar de não ter
ao seu dispor as ferramentas necessárias para reproduzir a obra musical (e
corporal) que lhe acometeu, tal experiência se transmuta em texto, com o ritmo
e a dicção suscitadas justamente pelo seu
caminhar
dançante
. Há, portanto, uma
contradição performativa na construção de Valéry que é expressa na narrativa da
experiência vivida. O filósofo parece ter se percebido caminhando como quem
dança, ou melhor, dançando ao caminhar: "isso estava combinando o movimento
de minhas pernas andando e não sei que canto que eu murmurava, ou melhor,
que se murmurava
através de mim
" (Valéry, 2011b, p. 214).
No entanto, Valéry separa os dois gestos porque não se sente capaz de
musicar, coreografar, ou seja, registrar e reproduzir a experiência.
Apesar disso, a
passagem é posteriormente escrita e dessa forma, recuperada e registrada nas
palavras e ritmo de uma prosa poética: uma "dança" encarnada em palavras. É
possível que Valéry não tenha considerado a epifania vivenciada na caminhada
como uma experiência de dança não apenas por sua impossibilidade de reproduzir
ou fixar suas ideias em obra musical ou corporal. Talvez mais importante do que
isso seja o fato de que, como um homem de seu tempo, ele não pudesse
considerar a caminhada (e seus desvios rítmicos) como da ordem da dança. Em
outro momento, o filósofo Valéry - diferentemente do que buscava o coreógrafo
e professor de dança brasileiro Klauss Vianna nos anos 1970, que afirmou que
"cada um de nós possui a sua dança e o seu movimento original" (Vianna, 2005, p.
105), - refere-se a si mesmo, na conferência
Philosophie de la danse,
como "um
homem que não sabe dançar” (Valéry, 2011a, p.86). Para ele, provavelmente, a
concepção de dança estava intimamente ligada à técnica, ao treinamento e à
virtuose.
Apesar disso, ao percorrer os passos de Valéry através de suas palavras não
consigo senão visualizar o registro de sua dança inquieta, errante, no compasso
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próprio de quem vivencia uma experiência de ser tomado pelo movimento. Ele dá
passagem às sensações, caminhando-dançando às margens do rio Sena e dessa
forma,
o filósofo dança
, levando-nos, consequentemente, à deriva junto de seus
passos. É sob o prisma anacrônico da contemporaneidade que imagino os passos
do filósofo e convido-o a dançar.
My walking is my dancing
É justamente diante da constatação de que o caminhar é mais do que apenas
uma ação utilitária que coreógrafas e coreógrafos passam a inseri-lo em suas
obras como tema central ou recurso coreográfico. Exemplo disso é a obra da
coreografa belga Anne Teresa De Keersmaeker que faz do caminhar um recurso
coreográfico e musical para estabelecer o ritmo. Em suas obras, a parte inferior
do corpo é responsável por marcar o pulso, conferindo complexidade expressiva
à parte superior. Para Anne Teresa, a caminhada é um importante princípio para o
desenvolvimento de seu trabalho:
Passos são transferências de peso. No meu desejo de voltar ao básico,
eu comecei a perceber o caminhar como uma simples expressão de
dança [...]. Eu também estava olhando retrospectivamente para meus
primeiros trabalhos e percebi que todos os movimentos de dança são
variações do caminhar: pensando o que é específico no caminhar, eu
percebi que ele organiza o corpo no espaço-tempo (De Keersmaeker,
2013, p. 36).4
Central também nas obras de Trisha Brown dos anos 1970, o caminhar
aparece em
Man walking down the side of a building
(1971) e
Woman walking down
a ladder
(1973),
em que,
respectivamente, um homem caminha suspenso por uma
corda, perpendicular à parede de um prédio, de seu topo até o chão; e uma mulher
desce uma escada de incêndio, na lateral de um prédio, também suspensa por
4My walking is my dancingis a part of the same research that started in Zeitung. The verticality of the spine
distinguishes the humans' postures from those of animals. The movement by which humans gradually reach
their erect posture in the evolution of the human species and in the development of the child is a spiral of
the spine unfolding upward. Once we stand up, we begin to walk, where walking expresses the basic
relationship between the upward-pulling force of the vertical body and the downward force of gravity.
Therefore, making steps is about shifting weight. In my wish to return to the basics, I began to wonder about
walking as a simple expression of dancing. [...] I was also looking back at my early works [...] to realize that
all dancing movements are variation on walking: thinking about what is specific to walking, I realized that it
organizes the body in space-time. [...] "my walking is my dancing" helped me enter music through its
temporality, and rhythm. So, to be specific, I may use "my walking is my dancing" to organize musical time
with the lower part of the body, which can be contrasted my the movement of the upper body.
(Keersmaeker, 2013, p. 36). (Tradução nossa)
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uma corda. Nas duas obras o caminhar é a ação central e isso se enfatiza com
uma mudança de perspectiva: o corpo, ao ser olhado perpendicular ao chão, dá a
impressão de flutuar e permite que voltemos a atenção ao gesto de caminhar de
maneira mais minuciosa, mesmo que, para os performers, a ação exija um esforço
muito diferente daquele exercido numa caminhada comum.
Para o coreógrafo Steve Paxton, o caminhar também é central no
desenvolvimento da técnica de contato-improvisação, de que foi um dos
criadores, e se faz presente em suas obras, como em
Satisfyin lover
, peça feita de
instruções para serem realizadas por qualquer pessoa (não necessariamente
dançarinos). Nela, vê-se uma sequência de gestos cotidianos simples: caminhadas,
pausas, sentadas e levantadas. A observação dos vários corpos cruzando o espaço
do palco nos leva a atenção para as peculiaridades de cada caminhar, gesto
aprendido pela nossa espécie através de uma série de aquisições motoras da
primeira infância (desenvolvimento ontogenético), mas também, testemunho do
percurso das espécies que nos antecederam (desenvolvimento filogenético).
Nenhum caminhar é idêntico a outro e ele é não apenas a base da dança,
como nos sugere Steve Paxton e Anne Teresa de Keersmaeker, mas, quando
olhado de perto sob uma organização que o retira do campo da utilidade,
caminhar
é dançar
, gesto feito de deslocamentos de peso de um a outro, queda,
retomada, ritmo. Caminhar é a mais sintética das danças e cada caminhada parece
impossível de ser reproduzida por um outro corpo, "minha caminhada é minha
dança" (De Keersmaeker, 2013, p. 36). Ao colocá-la como elemento central de
obras coreográficas, espectadores se tornam potenciais dançarinos e, mais do que
isso, observadores do corpo ordinário, do corpo "infraordinário", conceito que
veremos a seguir.
Trazendo novamente a analogia utilizada por Paul Valéry analisada no início
deste texto, a distinção entre a dança e a caminhada deixa de fazer sentido quando
coreógrafos passam a voltar a atenção a princípios que regem movimentos
"básicos" e ordinários como o caminhar (De Keersmaeker, 2013), tido justamente
como dança fundamental. De maneira similar, poetas distendem a métrica
versificada do poema, fazendo com que a poesia adquira a dicção prosaica dos
poemas em prosa. Como veremos a seguir, uma série de obras de poesia e de
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dança passam a expor, e não mais ocultar do público, os próprios processos
construtivos de sua feitura, suas imperfeições, derivas e além disso, passam a
inserir o olhar e intervenção do leitor e do público em suas obras.
A poesia na prosa, a caminhada na dança: como olhar para o corpo (para
a língua) percebendo sua beleza ordinária? Repercutindo e traduzindo a
máxima de Anne Teresa para o campo da linguagem,
minha prosa é meu
poema
; testemunho da aquisição da linguagem pela espécie humana,
cada voz, cada dicção, entonação, ritmo, é fruto de uma relação singular
entre o indivíduo e sua língua materna, entre as especificidades de seu
corpo com o gesto comum a todos (Monteiro, 2022, p. 77).
*
Poesia pedestre
No livro
Parque das ruínas,
a poeta Marília Garcia traz para o texto eventos
nomeados de "infraordinários", categoria definia por Georges Perec. Fazendo uso
da literatura para levar a atenção do leitor ao gestos da contidos tanto na escrita
quanto na leitura ("virar a página, digitar letras") nos leva a perceber as microações
do presente, e de algum modo, performa virtualmente a sua própria presença
como se digitasse, aqui e agora, as palavras que percorremos com os olhos:
perec fala da capacidade de olhar para o cotidiano
e para os gestos mais simples como por exemplo
acordar abrir os olhos lentamente
e ver
nosso dia-a-dia é feito de ações que não nomeamos:
pegar um livro virar a página digitar essas letras
balançar a cabeça
- seria possível nomear isso que acontece?
o extraordinário comove fica evidente:
guerra desastres morte
mas como ver o infraordinário? (Garcia, 2018, p. 27).
Algo semelhante acontece no trabalho de coreógrafos que fazem uso do
corpo cotidiano e de movimentos pedestres matérias de criação e com isso,
convidam o espectador a observar os gestos do dia-a-dia: andar, parar, sentar,
correr. São obras muitas vezes construídas com corpos não especializados e sem
treinamento e que quebram a expectativa do que se espera convencionalmente
de uma obra de dança em que reconhecemos o corpo atlético, hábil e bem
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treinado dos dançarinos profissionais.
A poesia de Marília Garcia é feita da observação do cotidiano, do uso de
fragmentos de textos de outros artistas, além da inserção de conversas e vivências
do dia a dia. Em um evento organizado pela Companhia das Letras e transmitido
on-line
, a poeta sintetiza sua poesia como uma maneira de "colocar o cotidiano
para ser pensado. Tentar olhar para as coisas, nomear coisas que a gente não vê,
e com isso
transformar
o cotidiano, tirá-lo de onde está, recolocá-lo"5.
Como tal postura repercute no corpo do leitor/espectador? Ao nos mostrar
a matéria ordinária como potência poética, essas obras talvez se liguem à vida de
modo que “não terminam”. O leitor/espectador ganha autonomia para olhar o
mundo também como construção poética: a dança afinal continuaria sob seu
olhar que pode observar, frente ao fim da dança ou do texto, a coreografia do
mundo, seu corpo inserido nela. A obra de arte seria, nesses termos, um convite
para "transformar" o cotidiano e o estado cotidiano. Como delimitar o começo e
fim de obras que levam a atenção do espectador para a arquitetura e a dança dos
corpos que compõem o espaço da vida social cotidiana, para além do teatro, para
além do livro? Como termina o texto, feito de outros textos, que parecem se somar
ao infinito, que partem de procedimentos que potencialmente não têm fim,
como acontece no caso da escritura de Garcia, feita através de práticas de leituras
ao vivo6?
Em
Roof piece
(1973), obra de Trisha Brown, bailarinos realizam, no topo de
edifícios de Nova York, uma série de movimentos "semafóricos", que passam de
um dançarino a outro, numa corrente, como em um "telefone sem fio" de
movimentos, até que se chega ao último performer. A peça foi criada para o
espaço da cidade onde vivia Brown e parece revelar que "o espaço urbano não é
apenas o lugar onde a performance ocorre, ele é aquilo que se performa" (Sperling
apud Mesquita, 2020, p.171). Nessas obras, o espectador tem a chance de olhar a
5 Fala de Marília Garcia no evento "viva voz: festival de poesia", transmitido
on-line
no dia 29/8/2021 pelo
Youtube da Companhia das Letras. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tNnQHIyFijQ. Acesso
em: 07 fev. 2022.
6 No evento "viva voz: festival de poesia", organizado pela Companhia das Letras, Marília Garcia diz que não
sua poesia como algo estanque, que continua lendo seus poemas em performance e a cada vez se permite
modificar, incluir e excluir coisas, como num
site specif.
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cidade sob um novo ângulo, inserindo-se nela como observador de coincidências
e, sob seu ponto de vista, cria enquadramentos singulares para aquilo que vê.
Figura 1
Roof piece
, 1973. Foto: Peter Moore
O espaço da cidade ganha novo contorno para além de sua lógica utilitária
e os participantes desse evento, dançarinos e espectadores, se tornam
entidades mais autônomas naquele espaço os performers são guiados
por movimentos que o precedem, mas levam em conta as falhas de
comunicação visual entre os dançarinos, tendo que criar e recriar novos
movimentos continuamente (Monteiro, 2022, p. 66).
O espectador, por sua vez, é capaz de enxergar um ou mais dançarinos por
vez, relacioná-los com o espaço do entorno de forma autônoma, ou ter a visão
interrompida por uma construção. Podendo ser vista de cima, no mesmo nível
onde dançam seus performers, mas também pelo público espontâneo, no nível
das ruas, que pode momentaneamente elevar os olhos e se deparar com uma
dança inesperada, a peça também pode ser reveladora de um prédio nunca antes
notado, detalhes arquitetônicos, silhuetas, etc.
O movimento no espaço deixa o rastro do lugar que teria tornado o
movimento possível, arquitetonicamente inevitável. Em outras palavras,
a dança é a arquitetura reversa, derrubando o que não está lá. Esta é a
sua monumentalidade. O fantasma arquitetônico da dança é
impermanente, mas não é instável, sendo apagado, mas não como um
"absurdo". O movimento evoca e molda uma resposta social viva como
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um espaço físico. A dança, em outras palavras, cria o espaço social
(Franco apud Mesquita, 2020, p. 31).
A obra é portanto assumidamente parcial, pois não controle do ângulo por
onde será vista. Além disso, o espaço da peça se torna também protagonista e
fica para sempre transformado pelos gestos da dança e de seus espectadores, "a
dança cria o espaço social" (Franco apud Mesquita, 2020, p. 31). Ao fim de
Roof
piece
,
é possível que o público chegue "a ver um lugar", como buscado no
procedimento utilizado por Marília Garcia no livro
Parque das ruínas
:
"não queria ver algo além mas o próprio lugar" (Garcia, 2018, p.26).
Interessada em notar e dar a ver os eventos que de outra maneira nos
passariam desapercebidos, na tentativa de capturar o "infraordinário", Marília
Garcia realiza o procedimento de fotografar diariamente uma ponte, no mesmo
horário e sob o mesmo enquadramento, descrevendo essa experiência em um
diário nomeado de "diário sentimental da pont marie". Algumas das fotos e trechos
do diário são reproduzidos no livro, mas, para além do instante capturado, a poeta
nos mostra as possibilidades e impossibilidades de "ver um lugar", o que nos leva
a perceber a transitoriedade daquilo que nomeamos como "um lugar".
Com a sequência de fotos,
observamos a passagem do tempo pelo impacto decorrente da mudança
das estações na paisagem, mas, além disso, o exercício de observar
sistematicamente um mesmo local faz com que imaginemos, e com a
poeta, aventemos sobre a possibilidade de premeditar um evento futuro
ou especular sobre o passado (Monteiro, 2022, p. 67).
Seria possível ver algum indício do atentado terrorista ao jornal
Charlie Hebdo
na véspera de seu acontecimento; seria possível ver os rastros da amante do
oficial nazista?, são algumas das perguntas feitas pela poeta:
olho agora para esta página em que estamos
e para essas letras impressas sobre o papel:
será que aqui temos como ver
alguma coisa além deste instante?
*
olho para a esquina em busca do espectro dela
Minha caminhada é minha dança
Isabel Ramos Monteiro
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-33, dez. 2025
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e não vejo vocês veem alguma coisa? (Garcia, 2018, pp. 47- 50)
Em quê se transforma a paisagem? Ao longo da leitura do poema, a Pont
Marie fica povoada de conexões feitas através das sobreposições de tempos,
histórias, narrativas e referências a procedimentos seriados realizados por outros
artistas que inspiraram a poeta. Após a leitura do livro, aquela paisagem ganha em
tridimensionalidade, como se as fotos amadoras reproduzidas no livro ganhassem
espessura por uma moldura textual que movimenta e volume aquele espaço.
A ponte é espaço concreto e abstrato é atravessada por pessoas e fantasmas,
o espaço se transforma em movimento, a ponte faz ponte.
Além disso, ao compartilhar com o leitor o próprio procedimento que levou
a escrita do livro (além de citar procedimentos similares que inspiraram a poeta),
são retirados da poesia e da poeta sua aura extraordinária, já que temos acesso a
uma "tecnologia" que, se exercitada, nos dá condições de seguir o debate de ideias
iniciado no livro. Mesmo que não fotografemos um mesmo lugar durante um dado
período de tempo, mesmo que não tomemos nota de um evento ou de um espaço
observado minuciosamente, a poesia de Marília nos convida a "olhar" e perceber o
entorno, "vocês veem alguma coisa?" (Garcia, 2018, pp. 47- 50)
[...] a capacidade de olhar para o cotidiano
e para os gestos mais simples como por exemplo
acordar abrir os olhos lentamente
e ver (Garcia, 2018, p. 27).
Para além de uma visão utilitarista, aqui os verbos ver, imaginar, refletir e
perceber são necessariamente interdependentes e simbióticos. E ao propor uma
reflexão sobre o olhar, a poeta compartilha os recursos e estratégias que usou
para a feitura do poema (e desse exercício de observação) deixando aparente seu
próprio processo da escrita, seu laboratório de construção. A postura da poeta
democratiza um saber: o leitor tem à mão as condições para que possa se abrir
para olhar e ver o "infraordinário" do cotidiano, da mesma forma que se exercita
para ler o "infraordinário" da poesia de Garcia. Como tentamos demonstrar até
aqui, essa abertura não termina com o fim do livro, nem com o fim da dança, por
se tratar de um modo de olhar para o mundo que nos convoca a tecer relações
Minha caminhada é minha dança
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entre coisas, que dão a ver os fantasmas feitos de passado, presente e futuro.
Leitor e leitura, poeta e leitor, dançarinos e público partilham do mesmo
espaço: o espaço comum para além das paredes do teatro, o espaço do corpo e
do movimento ordinários, o espaço da leitura e da escrita com a dicção da
oralidade e do prosaísmo, distantes das amarras do verso metrificado. Poeta e
leitor compartilham da prosa de que são feitos os versos livres de Marília Garcia,
são convidados a caminharem com fluidez pela sua escrita e pelas paisagens em
que se encontram.
Movendo-se entre as formas literárias, entre o ensaio e a poesia, entre o diário
e a crônica, numa "caminhada" sem objetivo ou utilidade, a poeta escreve como
quem caminha, como quem dança, como quem medita. Mas, além disso, parece
escrever também para quem caminha como quem dança para quem (ou quer
ver) beleza no ordinário. Na análise que faz sobre a poesia de Marília Garcia,
Maurício Chamarelli Gutierrez chama atenção ao gesto convidativo presente na
obra da poeta:
essa poesia, em grande parte narrativa (ou performática), tematiza e
encena a si mesma e a seu entorno: a leitura, os modos de feitura, de
circulação editorial e de crítica da poesia na atualidade. Mais do que
solipsista, no entanto, esse gesto se quer convidativo: como se alguém
nos abrisse a oficina e nos convidasse à visita, à observação do escrever,
dessa escrita que se faz sem se distanciar de seus modos de fazer
(Gutierrez, 2015, p. 245).
Nos convidando a observar suas "oficinas", a poeta, assim como os
coreógrafos aqui citados, nos levam a (re)conhecer o substrato de sua poética, sua
dança. "De volta ao básico" nas palavras de Anne Teresa (2013), nos levam a
reconhecer também os seus modos de fazer, seus percursos, seus enfoques.
Em "
blind light
", poema que faz parte do livro
Um teste de resistores,
também
de Marilia Garcia, a poeta reflete sobre seu próprio processo de criação. Na
vigésima parte do poema, ela retoma os desejos que motivaram a escrita do livro
20 poemas para o seu walkman
,
de 2007, e atesta o desejo de fazer mover o leitor,
ou de fazer da escrita uma espécie de tradução do movimento da caminhada.
Nele, reflete sobre a relação entra a poesia e o ritmo do caminhar:
em
2007 escrevi o livro
20 poemas para o seu walkman
Minha caminhada é minha dança
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tentando
pensar em espaços e mapas
que não têm a escala habitual ou que podem ser
redimensionados
que importam menos
como representações de lugares que existem
e mais como lugares que fazem conexões
dessas representações com outras coisas
o aníbal cristobo me disse uma vez
que pareciam
paisajes visitados en extrañeza
nesses mapas
cabe a pergunta de hilary kaplan
quando olho para os pés poiando
olho para frente ou para baixo?
escrevi o livro
20 poemas para o seu walkman
querendo que o leitor ouvisse os textos o ritmo o andar
daqueles poemas
queria que o leitor sentisse o deslocamento
o literal do
walk-man
o homem andando
um fio que vai conduzindo as coisas
em cada cena estamos em um lugar diferente
os personagens
vão atravessando os poemas
e atualizando as narrativas que aparecem
as narrativas são entrecortadas
contadas só pela metade
aqui o país não é o mapa
(Garcia, 2016, p. 35).
"
O homem andando
/
um fio que vai conduzindo as coisas", acompanhado
pelas palavras de sua poesia, como a música que, a partir da invenção do
walkman
,
permite que os ouvintes a escutem em seus fones de ouvido durante uma
caminhada. uma mudança radical na experiência de caminhar acompanhado
pela música reproduzida em nossos ouvidos; como no devaneio de Valéry, essa
experiência altera inclusive nossa forma e nosso ritmo de andar. De forma análoga,
a poesia também ressoa em nossos ouvidos, transformando nosso modo de estar
e ver o mundo – "aqui o país não é o mapa".
Já que o espaço é fruto da experiência de encontro entre o corpo do leitor e
aquilo que o cerca, a paisagem passa por ele mas também
através
dele, deixando
porosas as fronteiras entre corpo e entorno. O leitor, o caminhante, caminha e
caminhado" com sua própria voz o ritmo e a voz da poeta e, entre a
passividade e a atividade, experimentará os deslocamentos que iniciam com sua
leitura e que o levarão para o desconhecido. Dançará entre o ritmo ditado pela
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poesia que tem nas mãos e aquela que ele próprio produz com sua leitura lê e
é levado a ler, dança e é levado a dançar.
*
Ao fazer uso do que é comum a todos, as obras aqui trabalhadas não são
feitas apenas de versos, danças e caminhadas, mas de uma ação no mundo: são
um convite ao passo, à observação do passo, à observação do próprio olhar, da
própria prosa. As obras aqui reunidas são feitas de ação; convite à ação. Como nos
sugere Valéry,
Quanto a mim, que, confesso, presto muito mais atenção na
formação
ou na fabricação das obras
que nas próprias obras, tenho o hábito ou a
mania de apreciar as obras como ações. Um poeta é, a meu ver, um
homem que, a partir de um incidente, sofre uma transformação oculta.
Ele se afasta de seu estado normal de disponibilidade geral e vejo
construir-se nele um agente, um sistema vivo, produtor de versos (Valéry,
2011b, p. 219).
Poetas e coreógrafos capazes de construir um sistema vivo a partir de suas
experiências, agindo no mundo com sua obra. Vista sob essa perspectiva, as obras
agem no sentido de envolver, convocar, convidar espectador e leitor a se
perceberem como partes integrantes do
acontecimento
artístico e não apenas
como receptores de um
conteúdo
artístico.
Quando, por exemplo, Steve Paxton cria e registra "the small dance", abre-se
a possibilidade para que a pequena (e quase invisível) dança possa seguir sendo
experimentada infinitamente por qualquer pessoa a todo tempo. Com isso, nos
oferece a chance de nos aproximarmos de corpo inteiro de suas investigações e
nos permite perceber a dança fruto da constante negociação do corpo vivo com a
gravidade: dança inexorável e sem fim. Sua dança não termina com seu silêncio.
Coda
Nesta seção do artigo, distendo a forma acadêmica e, mais precisamente, a
forma do ensaio, chegando à uma prosa assumidamente poética. Nela, trago à
baila reflexões sobre o caminhar no ciclo de uma vida: nascimento, crescimento e
morte. Certa de que as experiências de vida são da ordem da dança e do texto,
trago para esta conclusão, em forma de coda, o diálogo sincero da vida com a arte.
Minha caminhada é minha dança
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Nesta coda estão presentes narrativas de caminhadas da literatura e da dança e
as palavras de coreógrafos e pensadores costurados com minha própria voz e
passos.
Experimentei transformar algumas citações, escritas originalmente em prosa,
em períodos versificados, quebrando frases em versos. Sob essa nova forma,
sugiro um novo ritmo aos textos dos autores que agora dialogam intimamente
com o ritmo do meu próprio texto. Além disso, as quebras dos versos sugerem
uma abertura no sentido de algumas passagens, dando mais relevância a palavras
que ficam agora destacadas da mancha do texto e assim, passam a ecoar entre
si. Rimas visuais e sonoras puderam ser tecidas na forma do poema e compõem
com o espaço em branco da folha.
Nesse gesto, estão implícitas tanto as interpretações das citações, como as
sugestões de relações entre esses trechos e o meu próprio texto. Aqui, evidencio
uma maneira coreográfica de ler e escrever, de compor com as palavras em
diálogo com o espaço da página com o qual se relacionam. Assim como um corpo
não se dissocia do entorno por onde caminha e dança, a forma como as palavras
se organizam também sugerem ritmo, rima, metáfora, relações de forma e
conteúdo com aquilo que as circunda.
Esta é, portanto, uma forma de exercitar os argumentos, reflexões e
referências que sustentaram a escrita deste artigo. O corpo e seus ritmos
impressos na quebra de versos, na reincidência de palavras e citações, nas
metáforas que o descolam de uma vivência utilitária na direção de uma
experiência imaginativa e sinestésica. Nas pontas dos dedos, nas flechas dos olhos,
a palavra há de dançar.
*
Caminho
Durante a morada no interior do líquido-oceano da mãe, o bebê se move
e a única explicação que fala sobre a diferença das digitais de cada um
(inclusive no caso de irmão gêmeos as impressões são diferentes) é de
que a pele em formação, em contato com a água, cria uma rugosidade
que tem seus padrões definidos através do movimento do bebê. Acho
bonito pensar então que temos nas pontas dos dedos essa partitura
coreográfica de toda uma vida anterior. E que quando acariciamos
alguém emprestamos àquela outra superfície essa memória de
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movimento de toda uma vida (Yonashiro, 2017, p. 69).
disseram:
bebês gostam de serem ninados
porque assim
adormeciam
na barriga de suas mães,
no balanço de suas pélvis
um pé depois do outro
calcanhar
metatarso
dedão
calcâneo
hálux
pé ante pé
caminhar
"me leva para perto de você
para longe de você
organiza o tempo de forma periódica,
circular,
por meio de passos" (De Keersmaeker, 2013, p. 36)
com quais compassos
se faz um caminhar
(o fato de termos) dois pés
não reduz nosso passo
a um único compasso
"se começo a modular
Minha caminhada é minha dança
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20
o parâmetro
do tempo
distingo um ritmo
and
I'm already dancin
g" (De Keersmaeker, 2013, p. 36)
a cabeça inclinada ligeiramente para frente
andamos para não
cair
caímos levantamos
aceleramos o passo e já estamos dançando
nossos pés fora do chão
correndo
no chão fora do chão
o centro do pé
para sempre vazado
como o centro das mãos
como as chagas de cristo
o céu da boca abóbodas arcos
desenhamos parábolas ao infinito
em cima
embaixo
em cima
pêndulos
vagas
valsas
ondas
vagando
Minha caminhada é minha dança
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21
divagar
devagar
la vague
em francês
o bebê embalado
nas ondas da pélvis de sua mãe
andamos em círculos
embalando
bebês
nos embalando
corações vivos
como diz meu pai
como dizia seu pai
ficam nas panturrilhas
nossos segundos corações
que bombeiam rio acima
o sangue venoso de volta ao peito
caminhar
faz bem
à saúde
o dançarino &
coreógrafo
norte-americano
Steve Paxton tem no caminhar
a base de seu trabalho:
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22
cada passo é um evento
sinuoso
dobrar-se e desdobrar-se ao redor do próprio centro
o desenho cruzado no corpo
a cada passo
uma hélice se desenha
como as do DNA
espirais
de um lado a outro
vagas
ondas
a maioria dos mamíferos
se desloca em quatro apoios
nós
também
engatinhamos
e depois
equilibramos nossas cabeças sobre os apoios dos pés
liberamos nossos braços
a partir da adaptabilidade do nosso caminhar que a dança se faz possível"
(Paxton, 2008, s. p.)
os braços
pendulam no ar
se apoiam no ar
Minha caminhada é minha dança
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23
desenham o ar
"o primeiro passo da criança é um passo trôpego, que cambaleia, e é o mais lindo
passo que existe no mundo sublunar onde os filhos dos mortais sobrevivem como
podem" (Quignard, 2013, p. 55)
depois de nadar rastejar engatinhar
caminhamos
cambaleantes
até o fim dos dias
a n d a r
d a n s a r
Rosa escreve “dansar” em
grande sertão: veredas
dansar com o sertão
dansar com s
travessia a pé
caminham
Adília Lopes com o
s
da Sophia de Mello B. Andersen para
dansar
:
"desde que comecei a dansar
escrevo dansar com s como a Sophia.
Danso na minha cozinha descalça.
Danso sozinha para os gatos. Enquanto danso, penso.
Penso e giro. De girar e de gerir. Enquanto danso, raciocino e raciocino melhor"
(Lopes, 2015. p. 77).
enquanto dansa raciocina melhor
dansar caminhar pensar
caminham
Minha caminhada é minha dança
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Vitória, Fabiano, Baleia, os meninos
em
vidas secas
na lama
suas apalgartas
chape-chape
é o som de sua caminhada
"a cabeça inclinada,
o espinhaço curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda.
Esses movimentos eram inúteis,
mas o vaqueiro,
o pai do vaqueiro,
o avô e
outros antepassados mais antigos haviam-se acostumado a percorrer
veredas, afastando o mato com as mãos.
E os filhos já começavam
a reproduzir o gesto hereditário.
Chape-chape" (Ramos, 2003, p. 9)
Herança da espécie caminhamos
junto dos nossos
antepassados
dançamos cada um sua dança
individual e coletiva partilhamos do som
do gesto inútil
hereditário
caminhar dançar
chape-chape
"com todo esse caminhar
a percepção se aguçou incrivelmente
o corpo aí já estava mais condicionado à mente" (Barrio, 2001, p. 79).
dansar flanar
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25
chape-chape
cedilhas prego espinho tropeço
no pé
pedra no meio do caminho
dançar tropeçar
"a dança faz apelo à falta de jeito natal.
ela usa todos os gestos das crianças.
ela não consegue falar.
ela não sabe cantar.
ela nem sabe levantar o pé.
ela nem sabe como colocá-los no chão.
ela não sabe juntar as palmas, separá-las, golpeá-las, produzir som.
a dança apela ao corpo silencioso que habita toda a vida em outro corpo que
o precede - em outro corpo que já não existe.
a dança apela ao corpo antes da linguagem
(o corpo original, o corpo ovular, o corpo embrionário, o corpo fetal, o corpo
nativo, o corpo infantil).
ao corpo antes de mim.
o corpo antes da posição do sujeito.
ao corpo antes do rosto.
ao corpo antes do espelho.
ao corpo antes da pele.
ao corpo antes da luz" (Quignard, 2013, p. 75)
para onde caminhamos
quando caminhamos
para o centro
com o centro
para a luz
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26
para antes da luz
para origem
e chegada
h
o
r
i
z
o
n
t
e
"os desenhos que fazem o pendular dos braços não são paralelos entre si,
mas sutilmente enviesados para o centro, porque, finalmente, é o centro da pélvis
que precisa ser movido adiante" (Paxton, 2008, s. p.)
uma linha de força
entre bacia e pés
cabeça
céu da boca
embalam
nossos pensamentos
vagos
divagamos
sem meta
passo contrapasso
meditamos
nos salvamos
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fugimos
quantas histórias de salvar
a pele
a pé
será
que o balanço de origem
está sempre impresso
no nosso
andamos
para as ondas
de
la mère
para o encontro com
as águas
a mãe
andamos
como que
desalojados
do primeiro balanço
em busca
de quê
pra onda
andamos
como podemos
sobreviventes do mundo sublunar
todo rio é um desejo de mar
*PAUSA
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28
(caminhei todos os dias com minha filha na barriga, a cachorra na coleira e a
mão do parceiro cada vez mais necessária para sobrepor ladeiras, buracos.
caí porque o ar não me apoiou. caímos todos.)
embalei minha filha na nossa primeira caminhada
parei a cada 4 minutos de quatro
e segui a cada 4 minutos a pé
sístole
diástole
contração a cada 4
no caminho de sua chegada à terra
que tudo atrai para o centro dela mesma
onde sobrevivemos como podemos
os primeiros passos
do bebê
trôpegos
cambaleantes
os braços livres
para o espanto
para o embalo
os braços dados
seguidas quedas
caminho
aprendemos a andar
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29
como aprendemos a andar
no momento da queda
cruzamos fronteiras
jornadas
dias e noites
andamos em círculos
panturrilhas, coração
o sangue dessa espécie já caminhou todo o planeta:
"na calçada
na lama
no gelo
na neve
no fogo
na água" (Ono, 2014, s.p.)
man walking down on the side of a building
woman walking down a ladder
walking on the wall
7
títulos de Trisha Brown
homem caminha descendo a lateral de um prédio
mulher descendo uma escada caminhando
caminhando na parede
o corpo paralelo ao chão
não deita, caminha
em nossa direção
7 Títulos de obras da coreógrafa estadunidense Trisha Brown: man walking down on the side of a building
(1970); walking on the wall (1971); woman walking down a ladder (1973).
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o corpo paralelo ao chão
o caminhar afinal
os pés no contato com a pele do prédio
a cabeça no contato com o ar
é incrível caminhar
amantes da caminhada
satisfyin lover
é o nome da peça de Steve Paxton
em que ele sugere a
qualquer-pessoa-dançarina:
ande, caminhe, sente-se,
"com a mente aquietada"
the mind should be at rest
está escrito
na coreografia
que está escrita
para qualquer um
a qualquer momento
para grupos
A, B, C, D, E, F
42 deixas
que se podem ver
para além do teatro
como traduzir
o nome
da peça?
Hello Isabel,
Satisfyin Lover (it has no g nor apostrophe) was so named because the dance
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was the apex of dances I had been working on for 5 years most of which had
a walking aspect. I somehow needed to accumulate nerve to reduce a dance
to just walking. When the moment came, in 1967, I experienced a great relief.
8
sintetizar a dança ao nível da caminhada
produziu um grande alívio
tudo ali contido
amante satisfazendo-se
amor satisfeito
amante satisfatório
amadores
os que caminham
homem andando na lua
quatro dias quatro noites
Artur Barrio andando sozinho no Rio9
terceira margem do
pai vagando sozinho no rio
uma vila em cortejo
sorocô sua mãe sua filha
andar e cantar e dançar
braços livres para embalar
amantes satisfazendo-se
braços livres para abraçar
amantes satisfeitos
braços livres
coro solto
8 Resposta de Steve Paxton, por e-mail, para minha inquietação em relação ao título da sua peça de 1967,
enviada em 10/11/2021. Tradução: "Olá, Isabel, Satisfyin Lover foi assim nomeada porque esta dança
representou o ápice de uma série de obras em que trabalhei por 5 anos, que em sua maioria envolvia o
aspecto da caminhada. De algum modo eu precisei acumular forças para reduzir a dança em apenas
caminhar. Quando chegou o momento, em 1967, eu senti um grande alívio."
9 O artista multimídia Arthur Barrio andou a pé pela cidade do Rio de Janeiro por quatro dias e quatro noites,
durante 96 horas, sem parar, 4 dias e 4 noites (1970).
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32
veredas caminhos gerais sertão pasto deserto
floresta
crianças braços livres.
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MONTEIRO, Isabel Ramos.
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Material for the spine
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Minha caminhada é minha dança
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33
VALÉRY, Paul.
Variedades
. In: BARBOSA, J. Alexandre (org.). Trad. Maiza Martins de
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. São Paulo: Summos, 2005.
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Circa
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Recebido em: 31/01/2025
Aprovado em: 05/09/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br