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A vulnerabilidade como aspecto de atuação
Pedro Henrique Silva Lopes
Nitza Tenenblat
Para citar este artigo:
LOPES, Pedro Henrique Silva; TENENBLAT, Nitza. A
vulnerabilidade como aspecto de atuação.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis,
v. 1, n. 46, abr. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101462023e0205
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A vulnerabilidade como aspecto de atuação
Pedro Henrique Silva Lopes | Nitza Tenenblat
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-26, abr. 2023
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A vulnerabilidade1 como aspecto de atuação2
Pedro Henrique Silva Lopes
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Nitza Tenenblat
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Resumo
Este estudo examina a vulnerabilidade na atuação utilizando a bioética, as
ciências sociais e a psicologia, revelando-a como aspecto crucial e
significativo para aprofundamento. Para observar, desenvolver e aplicar a
vulnerabilidade na atuação, a Coletiva Teatro divide o processo criativo em
etapas como parâmetro metodológico. A partir de Stanislavski, Fabião e Feral,
a vulnerabilidade se revela pertinente em trabalhos de interpretação,
performance e teatro performativo. A observação da vulnerabilidade e seus
respectivos agentes vulnerabilizantes permite o reconhecimento dos seus
modos de operação e a busca por soluções que permitam uma relação
saudável e produtiva como a mesma enquanto potente ferramenta artística.
Palavras-chave: Vulnerabilidade. Atuação. Coletiva Teatro. Teatro
performativo. Performance.
1
Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Laís Campelo Corrêa Torres, graduada
em Letras Português (Licenciatura e Bacharelado), pela Universidade de Brasília (UnB).
2
Este trabalho resulta em parte do material produzido na dissertação de mestrado de Pedro Henrique Silva
Lopes.
A Vulnerabilidade como aspecto de atuação na Coletiva Teatro
. 2022. Departamento de Artes
Cênicas- Universidade de Brasília, Brasília.
3
Mestrado em Artes Cênica pela Universidade de Brasília (UnB). Graduação em Artes Cênica (UnB). Professor
e ator. lopesipedro@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0545787832011364 https://orcid.org/0000-0001-7048-9604
4
Doutorado em Performance Studies pela Universidade da California - Davis (2011). Mestrado em Mestrado
em Artes - Royal Holloway University of London (2002). Graduação em Licenciatura Plena em Educação
Artística pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (1999). Profa. Dra. Adjunto III da Universidade de Brasília
(UnB). nitzatenenblat@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0968351689788914 https://orcid.org/0000-0003-2525-8430
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Vulnerability as an aspect of acting
Abstract
This study examines vulnerability in acting using bioethics, social sciences and
psychology revealing it as a crucial and significant aspect for further
development. To observe, develop and apply vulnerability to acting, Coletiva
Teatro divides the creative process in phases as a methodical parameter.
From Stanislavski's, Fabião's, and Féral’s perspectives on acting, vulnerability
reveals itself as pertinent for projects involving acting, performance and
performative theatre. The observation of vulnerability and its respective
vulnerating agents allows the recognition of its operating modes and the
search for creative solutions that enable a healthy and productive relationship
with it as a potent artistic tool.
Keywords: Vulnerability. Acting. Coletiva Teatro. Performative theatre.
Performance.
Vulnerabilidad como aspecto de actuación
Resumen
Este estudio examina la vulnerabilidad en la actuación utilizando bioética,
ciencias sociales, psicología, revelándola como aspecto crucial y significativo
para profundización. Para observar, desarrollar y aplicar la vulnerabilidad en
la actuación, la Coletiva Teatro divide el proceso creativo en etapas como
parámetro metodológico. A partir de Stanislavski, Fabián y Feral la
vulnerabilidad se revela pertinente en trabajos de interpretacn,
performance y teatro performativo. La observación de la vulnerabilidad y sus
respectivos agentes vulnerabilizantes permite el reconocimiento de modos
de operación y la búsqueda de soluciones que permitan una relación sana y
productiva como la misma como potente herramienta artística.
Palabras clave: Vulnerabilidad. Actuación. Coletiva Teatro. Teatro
performativo. Performance.
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Estar presente e responder ao “aqui e agora”, seja como ator, performer ou
dançarino, seja no início, meio ou final de um processo artístico, convida o atuador5
a lidar continuamente com a sua percepção interna e externa de forma sensível e
criativa. Mas para estar sensível e criativo a esse “aqui e agora” contextual é
necessário permitir que esse lhe afete. Segundo Ferracini (2013, p. 37), para
manter-se nesse estado
é necessária a contínua experimentação da “presentação” e da “escuta
desses campos de força em atravessamento. Um deixar-se afetar para a
ação e não somente a realização mecânica da ação por si (Ferracini, 2013,
p. 37).
Ou seja, é necessário estar continuamente vulnerável a estes campos de
força em atravessamento, seja em maior ou menor grau. Mas ...como manter a
potência latente, o frescor e vigor do improviso sem perder a contundência,
precisão e solidez advindas das inúmeras repetições e respectivos refinamentos
realizados para a versão final das cenas?” (Tinemba, 2020, p. 5). O que significa
estar vulnerável enquanto atuador? O que é estar vulnerável em prol da atuação?
É possível observar e desenvolver a vulnerabilidade diante de um processo
artístico?
Vulnerabilidade: Conceito e Definições
De acordo com o médico e pesquisador William Saad Hossne (2009) a
vulnerabilidade é um referencial bioético e no campo da bioética. Para ele,
o ser humano é sempre vulnerável; ele pode ou não estar em situação
de vulnerabilidade. Portanto, ser vulnerável o ser humano é sempre; estar
vulnerável pode ser sim ou não. Trata-se de ir de uma situação latente a
uma situação manifesta; de uma situação de possibilidade para uma
situação de probabilidade, do ser vulnerável ao estar vulnerável (Hossne,
2009, p.42).
Nota-se que para a bioética, enquanto seres humanos todos somos
vulneráveis apenas por estarmos vivos, por existirmos na condição vivente. Seria
5
Termo utilizado por Renato Ferracini que abrange os múltiplos ofícios pertencentes às artes da cena, entre
eles o de ator, dançarino ou performer.
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possível, portanto, de acordo com esta definição, sermos continuamente
vulneráveis enquanto atuadores. Se por um lado esta definição nos impulsiona
para uma possibilidade de compreensão da vulnerabilidade na atuação, por outro
lado, vida e morte como parâmetros não são suficientes para abarcar as
especificidades da aplicação deste conceito na área da atuação. Ainda assim, esta
definição traz consigo uma pista importante: uma diferença em ser vulnerável
e estar vulnerável. Enquanto seres viventes, em nosso dia a dia, nem sempre
estamos vulneráveis a tudo e a todos. Quem nunca ignorou ou alterou o seu
caminho propositalmente para evitar uma pessoa ou coisa que lhe fazia sentir
vulnerável de alguma forma? Na prática artística também sabemos que nem tudo
nos afeta e que nem sempre estamos vulneráveis a tudo. Tampouco permitimos
em cena, de forma consciente e proposital, que tudo nos afete. E nem poderíamos.
Caso contrário, seria impossível materializarmos nossos discursos artísticos com
arbítrio. É preciso ampliar, então, o estudo das definições sobre esse conceito para
abarcar a complexidade de sua aplicabilidade nas artes da cena.
Na busca por pesquisas sobre a vulnerabilidade nas artes, os resultados mais
próximos encontrados foram estudos relacionados ao medo de estar em cena
(
stage fright
) realizados por psicólogos e psiquiatras. Segundo o estudo feito pelo
psicólogo e psicanalista Donald M. Kaplan (1969), uma fantasia criada por parte
de artistas que acarreta num medo de estar no palco, vulnerabilizando-os. Para
este autor, além da perspectiva clínica médica que caracteriza o medo do palco
por um estado de ansiedade mórbida com semelhanças com a neurose, o medo
do palco é, em última instância, um problema criativo fenomenológico do teatro
que deve ser resolvido, entre tantos outros, pelo atuador (Kaplan, 1969). Este autor
não aponta possíveis soluções para o problema criativo. Para ele, se apazigua
com a reciprocidade estabelecida entre plateia e atuador durante a apresentação.
Neste caso a vulnerabilidade associada ao medo de estar no palco indica uma
perspectiva psicológica contraproducente, onde a vulnerabilidade provocada pelo
medo de estar no palco atrapalha a performance do artista.
Em 1995 foi realizada a primeira pesquisa sistemática sobre o impacto do
medo do palco em atores. A pesquisa envolveu diversas escolas de medicina e
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hospitais londrinos e foi conduzida com 178 atores no último ano de formação em
artes nicas de seis universidades londrinas diferentes. Ela identificou que:
O medo do palco é um problema comum entre os artistas. Ele tem vários
efeitos, que vão desde distúrbios de memória e pensamentos
apreensivos até sintomas sicos como tremores (Steptoe et al, 1996, p.
27-28).6
Esta pesquisa corrobora com a diferencião entre ser e estar vulnerável feita
por Hossne (2009, p.48):
Por outro lado, a vulnerabilidade é uma condição (situação, estado)
sindrômica. Metaforicamente, vulnerabilidade é uma síndrome, isto é,
estado (em medicina, estado mórbido) caracterizado por um conjunto de
sintomas de sinais e que pode ser produzido por diferentes causas. É
uma síndrome que pode atingir não apenas um ponto ou uma área, mas
que pode atingir o sistema. É uma síndrome que pode ser localizada a
uma ou mais área, mas que pode também ser sistêmica e pode ter várias
causas.
Identificado pela medicina, pela perspectiva bitica e pela psicologia, a
vulnerabilidade que acomete os atuadores ao longo do processo criativo pode
ocorrer de forma sistêmica ou localizada em seu corpo, podendo alcançar
sintomas físicos. Entre os sintomas mais relatados na pesquisa de Kaplan (1969)
estão: interferência na memória, postura, movimentação, prodão de voz,
envolvimento emocional e controle respiratório durante a apresentação.
Amparadas pelo trabalho de Kaplan (1969) no estudo intitulado
Stage Fright
and Joy: Performers in Relation to the Troupe, Audience, and Beyond
, realizado em
1969, as psicanalistas Janette Graetz Simmonds e Jane E. Southcott, muitos anos
depois, em 2012, identificam que a perceão da plateia por parte de um artista
pode tanto contribuir para o medo do palco quanto para estimular uma
performance especialmente eletrizante. Com suporte freudiano, as autoras
diferenciam pavor, ansiedade e medo, sensações frequentemente mencionadas
por artistas com relação às suas apresentações. Para Simmonds e Southcott (2012,
p. 319), a
6
Stage fright is a common problem among performing artists. It has manifold effects, ranging from memory
disturbances and apprehensive thoughts to physical symptoms such as trembling and nausea. (Tradução
nossa)
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ansiedade é a expectativa de, ou preparação para o perigo, mesmo se o
perigo for desconhecido; O medo é muito mais especificamente de um
objeto definido; E o pavor ocorre quando uma pessoa se defronta com o
perigo sem estar preparado para ele e é surpreendido por ele.
7
Uma musicista entrevistada na pesquisa de Simmonds e Southcott (2012)
relata que em uma de suas apresentações se viu em um estado alterado de
consciência e presença no palco. Essa expressão de vulnerabilidade que fluía em
seu corpo, ao ins de atrapalhar a sua performance acabou potencializando e
transformando essa experiência no palco de forma positiva e inesquecível era um
estado extremamente alterado, estando em níveis tão extremos de ansiedade,
mas felizmente, isso se tornou positivo”8 (Simmonds e Southcott, 2012, p. 323).
Embora reconheça a alteração em seu estado de consciência, a artista considera
como sorte o fato de ter gerado resultado positivo. Essa mesma entrevistada tem
a consciência e a recordação de outros momentos passados sobre o palco que
foram igualmente inesquecíveis, porém, pela via contraproducente causada pela
ansiedade que foi gerada por estar em performance:
É como se eu me tornasse uma pessoa diferente, o sou mais eu. Perco
todo o controle do meu corpo e da minha mente, muito desconectada.
Alguém descreveu isso, ao me ver atuar, como se eu estivesse paralisada,
e particularmente com a viola, minha ansiedade ia para o meu braço
esquerdo, o qual era o que mais me preocupava […] e se eu estivesse em
níveis extremos de ansiedade, minha mão ficaria literalmente paralisada
e eu não poderia tocar, o poderia fazê-la fazer o que eu queria
(Simmonds e Southcott, 2012, p.323)9.
Com receio de que todo o seu trabalho possa vir por água abaixo durante a
apresentação, seja por causa de um pico de adrenalina trazendo uma cascata de
reações desagradáveis, ou por uma auto cobrança de que tudo tem que sair de
maneira perfeita, ainda os atuadores que veem a plateia como um inimigo
7
Anxiety is the expectation of, or preparation for danger, even if unknown danger; fear is much more
specifically of a definite object; and fright occurs when a person “runs into” danger without being prepared
for it and is surprised by it. (Tradução nossa)
8
It was an extreme altered state being at such extreme levels of anxiety, but luckily, that turned into a positive
one. Tradução nossa)
9
Someone described it as, when watching me perform, as if I’m paralyzed, and particularly with the viola, my
anxiety would go to my left arm, which is the one that I was most concerned about [...] and if I was in
extreme levels of anxiety, my hand would be literally par- alyzed and I couldn’t play, I couldn’t get it to do
what I wanted. (Tradução nossa)
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durante a apresentação. Desta maneira, alguns encontram uma forma de se isolar
do público, seja mantendo o seu foco nos refletores que os impedem de ver a
plateia, seja criando uma quarta parede, ou, até mesmo, se convencendo de que
a presença da plateia durante a performance é irrelevante: o é sobre o que os
outros pensam de você, é o seu momento e é o seu concerto, é o seu desempenho
e é para você aproveitar. Nós o estamos fazendo isso para o blico, estamos
fazendo isso por nós....”10 (Simmonds e Southcott, 2012, p.324), como relatado por
um músico sobre o momento da apresentação. Curioso, pois a performance
artística é feita para o blico. Que sentido para um atuador se preparar para
se apresentar para um público e no momento da apresentação, de forma
voluntária, decide anular da sua mente a presença desse público?
Apesar da identificação das autoras de um espectro amplo com relação ao
medo do palco, que vai da sensação de pavor à de alegria, a perspectiva geral
deste estudo qualitativo implica na vulnerabilidade artística enquanto componente
mais debilitante do que produtivo. Em outras palavras, um estado psicológico
muito mais contraproducente ou que pode atrapalhar ao invés de potencializar a
performance de um artista.
Mas, se artistas que conseguem de fato sentir alegria ao estar no palco;
se a imensa maioria enfrenta o palco, a plateia e seus parceiros de cena mesmo
diante do medo, do pavor, da ansiedade, da paralisia e tantos outros efeitos
psicofísicos vulnerabilizantes; e se a vulnerabilidade é necessária para a
sensibilidade artística; como então compreender a vulnerabilidade artística de tal
forma que seja possível identificar seus diferentes modos de operação? Como
criar uma relação mais produtiva com a vulnerabilidade em prol da atuação? Uma
que não seja dependente de pura sorte?
A pesquisadora e cientista social Brené Brown (2013, p. 25), em seu livro
A
Coragem de Ser Imperfeito
propõe: “Vulnerabilidade não é algo bom nem mau:
não é o que chamamos de emoção negativa e nem sempre é uma luz, uma
experiência positiva. Ela é o centro de todas as emoções e sensações. Sentir é
10
[...] It’s not about what anyone else thinks of you, it’s your moment and it’s your concert, it’s your
performance and it’s for you to enjoy. We’re not doing it for the audience, we’re doing it for us [...]. (Tradução
nossa)
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estar vulnerável”. Se sentir é estar vulnerável, e é impossível uma atuação
desconectada do sentir no seu sentido mais amplo, a princípio parecemos retornar
à condição de estarmos sempre vulneráveis na atuação, mas sabemos não ser
este o caso. Também segundo esta autora,
Nossa rejeição da vulnerabilidade deriva com frequência da associação
que fazemos entre ela e as emoções sombrias como o medo, a vergonha,
o sofrimento, a tristeza e a decepçãosentimentos que não queremos
abordar […] O que muitos não conseguem entender […] é que a
vulnerabilidade é também o berço das emoções e das experiências que
almejamos. Quando estamos vulneráveis é que nascem o amor, a
aceitação, a alegria, a coragem, a empatia, a criatividade, a confiança e a
autenticidade (Brown, 2013, p.25).
Ainda segundo Brown (2013, p.25), “a percepção de que estar vulnerável seja
sinal de fraqueza é o mito mais amplamente aceito sobre a vulnerabilidade e
também o mais perigoso”. Esta perspectiva explica a rejeição à vulnerabilidade e
permite compreender melhor os estudos anteriores sobre o medo do palco. Ao
mesmo tempo, abre possibilidades para entender a vulnerabilidade como ponte
para sentimentos fundamentais na atuação como a criatividade, a coragem e a
confiança.
Brown (2013, p.26) define vulnerabilidade como “incerteza, risco e exposição
emocional”. Dentro do escopo desta pesquisa e em comparação às perspectivas
da bioética, da medicina, da psicologia e da psiquiatria vistas anteriormente, esta
definição avança na eleição de critérios em vida mais diretamente aplicáveis à
atuação. diferentes possibilidades de interpretação de vulnerabilidade e elas
não são excludentes, entretanto, a definição de Brown (2013) permite identificar
fontes de vulnerabilidade sobre as quais o atuador pode se debruçar em sua
trajetória e por isso se revela promissora. Ainda assim, quando aplicamos esta
definição às especificidades da atuação, precisamos questionar: incerteza, risco e
exposição emocional a quê? Ou a quem? Ou ainda, quando? Cada processo criativo
de atuação gerará variáveis contextuais de incerteza, risco e exposição emocionais
completamente únicas e singulares. E é possível imaginar também que cada
atuador dialoga de forma absolutamente particular às incertezas, riscos e
exposições emocionais de cada processo em questão.
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Caminhos para Aplicabilidade da Vulnerabilidade na Atuão
Pensando na complexidade das variáveis elencadas acima e na definição de
Brown (2013), a Coletiva Teatro11 realiza, entre 2016 e 2022, uma rie de
experimentos práticos e ações artísticas12 de atuação e tem como um de seus
objetivos responder às perguntas acima. Os experimentos incluem projetos de
iniciação científica13, ações de performance, espetáculos teatrais, ações de
palhaçaria e contação de histórias, bem como práticas docentes, que, somadas,
apontam para a seguinte proposta: olhar para as etapas do processo criativo e as
respectivas vulnerabilidades sentidas durante essas etapas como uma solução
para o desafio em questão.
Propomos cinco insncias de estado de vulnerabilidade ao longo de um
processo artístico: V1, V2, V3, V4 e V5, cada uma atrelada a uma etapa do respectivo
processo (Lopes, 2022, p.12). Ainda que a dinâmica de atuação seja complexa,
cíclica e cheia de turbulências, a divisão linear temporal, no qual estamos inseridos,
permite aprofundamento com o acumular de experiências ao longo do tempo.
Nesse mesmo estudo propomos:
o V1 é a vulnerabilidade sentida durante a exploração do trabalho cênico
que inclui os momentos iniciais de um projeto quando os integrantes
estão, por exemplo, buscando referências, realizando explorações ou
investigando sobre a temática ; V2 é a vulnerabilidade sentida desde a
composição do trabalho cênico até a compilação final resultante da
exploração; V3 é a vulnerabilidade sentida durante a durante a pré-
11
A Coletiva Teatro é uma das linhas do Grupo de Pesquisa Criação em Coletivo para a Cena do Departamento
de Artes Cênicas da Universidade de Brasília. Informações sobre o grupo e sua práxis estão disponíveis no
site www.coletivateatro.unb.br ou no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq em
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7177380416036993.
12
Optamos, por razões mencionadas no corpo do texto, bem como limitações de tamanho, em manter o
foco deste artigo na análise teórico-conceitual e metodológica da temática, mas os experimentos práticos
e as ações artísticas que ancoraram esta pesquisa entre 2016 e 2022 estão disponíveis no site da Coletiva
Teatro em www.coletivateatro.unb.br.
13
Os dois projetos de iniciação científica (PIBIC) que deram o pontapé inicial para este estudo foram: A
Vulnerabilidade como Ferramenta na Criação em Coletivo Diante da Plateia de Pedro Henrique Silva Lopes
e A Vulnerabilidade como Elemento Técnico do Ator na Criação em Coletivo de Alexandre da Silva Batista
(2017) ambos com financiamento do CNPq. No ano seguinte, Lopes (2018) aprofunda a temática com
segundo PIBIC intitulado A Vulnerabilidade como Dispositivo cnico do Palhaço diante da Plateia, com
financiamento da FAPDF. Os dois PIBICs compõem seu trabalho de conclusão de curso denominado A
Vulnerabilidade Como Ferramenta Técnica na Coletiva Teatro e com o Palhaço Baú (2019). Em 2022, Lopes
defende sua dissertação de mestrado intitulada A Vulnerabilidade como aspecto de atuação na Coletiva
Teatro. Alguns conteúdos teórico-conceituais destes trabalhos se encontram neste artigo.
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apresentação cênica que vai desde o período onde o trabalho pré-
apresentação cênica que vai desde o período onde o trabalho art
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stico
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pronto para ser dividido com o p
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blico at
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recebimento de cr
í
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çõ
es externas sobre o trabalho
apresentado (Lopes, 2022, p.21).
Ao longo destas etapas, diversos sentimentos podem assolar os atuadores, por
exemplo, a vergonha de fazer uma exploração artística sem qualidade, o medo de
esquecer uma marca ensaiada, de cometer erros ou de esquecer o seu texto
durante a apresentação, a insegurança e as vidas sobre o que a plateia está
achando da performance, o medo de atrapalhar os outros atuadores, de ser
atrapalhado pelos parceiros, da quantidade de adrenalina que es passando pelo
seu corpo e de como ela afetará o seu desempenho. Essas sensações todas
provocam uma variedade de percepções e reações psicofísicas em quem está
atuando, alterando sua sensação de vulnerabilidade. No entanto, com essa divisão
de estados de vulnerabilidade atrelada às etapas do processo criativo, é possível
que cada atuador identifique com maior precisão o que está lhe gerando incerteza,
risco e/ou exposição emocional em cada etapa em particular.
É importante notar que esta divisão em etapas se revelou extremamente útil
para a Coletiva Teatro na aplicação do conceito de vulnerabilidade à atuação (e,
por extensão, à direção). Mas, para destacar a aplicabilidade do conceito enquanto
aspecto de atuação de forma mais abrangente, conceitual e metodologicamente,
e para além das especificidades da Coletiva Teatro14, optamos neste artigo por
examiná-la em obras amplamente conhecidas e referenciais entre atuadores e
pesquisadores das artes da cena.
Iniciemos por um trecho do livro
A Preparação do Ator
de Constantin
Stanislavski (2001), um dos autores mais celebrados pela sua contribuição nas
14
Um exemplo específico de vulnerabilidade aplicada à atuação dentro da práxis da Coletiva Teatro encontra-
se descrito no artigo Portas Poéticas: espaço para a imprevisibilidade poética em cena.
Urdiment
o - Revista
de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 38, p. 1-30, 2020. Disponível em:
https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/18144. Um exemplo de vulnerabilidade
aplicada à direção encontra-se descrito no artigo Direção e Direcionalidade na Criação em Coletivo. ILINX -
Revista do LUME - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais, UNICAMP, v. 7, p. 1-9, 2015. Disponível em
https://orion.nics.unicamp.br/index.php/lume/issue/view/21.
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artes nicas. Em um contexto de avaliação de interpretão da personagem
ficcional criado pelo autor para representar sua própria trajetória na arte da
atuação, Kostia relata, ao criar a personagem Otelo de Shakespeare, em seu
primeiro ensaio: “Tive a impressão de que muitos desses momentos deram ótimo
resultado. Eu trabalhara quase cinco horas sem ver o tempo passar. Isto me
parece uma prova de que a minha inspirão era real” (Stanislavski, 2001, p.28).
Em V1, ou seja, na etapa inicial de exploração do trabalho realizada na privacidade
da residência da personagem-atuador, as incertezas relacionadas às escolhas de
atuação geram desafios que o impulsionam à criatividade. A vulnerabilidade
sentida neste caso parece operar em prol da atuação. Mas no dia imediatamente
posterior, Kostia relata: “esta noite queria deitar-me cedo, porque estava com
medo de trabalhar no meu papel. […] nada de novo inventei: repeti, apenas, o que
fizeram ontem, e agora, parece que não tem mais propósito” (2001, p.29). E no
terceiro ensaio, se questiona:
Por que a minha atuação de ontem é exatamente igual à de hoje e à de
amanhã? Será que minha imaginação secou ou que não tenho material
de reserva? Por que meu trabalho corria tanto facilmente a princípio e
depois estacava num determinado ponto? (Stanislavski, 2001, p.30).
Muito rapidamente, quando adentra na etapa V2 de composição do trabalho,
Kostia sente medo de trabalhar no seu papel e se questionar sobre sua falta de
imaginação. Embora o tenha respostas para várias das suas próprias perguntas,
fica explícito que sente medo enquanto agente vulnerabilizante no sentido
contraproducente. Ao longo desta pesquisa, veremos que podem ser inúmeros e
muito variados os fatores que acionam a vulnerabilidade do atuador, que, a partir
de agora, definiremos como agentes vulnerabilizantes. No sétimo ensaio, desta vez
no palco, Kostia relata: “dentro daquele caos seria inútil buscar a quietude na qual
me habituara, em casa, a encenar o meu papel. Antes de mais nada, precisava
ajustar-me ao novo ambiente(Stanislavski, 2001, p.32). Ele identifica o caos no
novo ambiente como agente vulnerabilizante no sentido contraproducente à sua
atuação, mas como consegue identificá-lo de forma precisa, também é capaz de
buscar soluções. Importante notar aqui a consciência do atuador sobre sua
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13
vulnerabilidade e a busca ativa por soluções para transformá-la em prol da sua
atuação. Kostia ainda descreve:
estava excitado demais, esperando a minha vez. Essa espera tem o seu
lado bom. Deixa-nos em tal estado que podemos ansiar pela nossa
vez, para ficarmos livres daquilo que tememos. […] mas desde o instante
em que o pano se ergueu e o auditório surgiu na minha frente, senti-me
outra vez sua presa. […] comecei a sentir-me apressado, tanto no falar
como nos gestos. […] A menor hesitação e uma catástrofe seria inevitável
(Stanislavski, 2001, p.33).
Novamente Kostia identifica agentes vulnerabilizantes geradores de incerteza
e risco, desta vez tanto os que o atrapalham (excitação em excesso, sensação de
estar apressado, medo de hesitar, medo de uma catástrofe inevitável); quanto os
que o beneficiam na atuação (ansiedade). Essa identificação, registrada no diário
de bordo da personagem-atuador, continua por toda a narração detalhada por
Stanislavski. Entendemos como fundamental a identificação dos agentes
vulnerabilizantes na atuação, seja no sentido produtivo ou contraprodutivo, para
que seja possível criar uma relação saudável com a vulnerabilidade. Se não
conhecimento do que está gerando a incerteza, o risco ou a exposição emocional,
fica muito complicado buscar soluções em prol da atuação. Continuando o relato
de stia, no livro
A Preparação do Ator
de Stanislavski (2001, p. 35), temos:
É hoje o dia da prova de atuação. Pensei que podia prever exatamente o
que aconteceria. Senti-me cheio da máxima indiferença até que entrei no
meu camarim. Mas, uma vez dentro, o coração disparou e eu quase
tive um enjôo.
Identifica-se neste trecho a vulnerabilidade do atuador agindo em seu corpo
no momento de pré-apresentação ou de acordo com as definições propostas
nesta pesquisa, a etapa V3. Atuadores se preparam previamente de maneira
intensa para o momento chave, a apresentação propriamente dita, porém, quando
acreditam que possuem um controle sobre o que pode ocorrer, ou que podem
prever como a apresentação ocorrerá, percebem rapidamente que essa visão é
uma iluo e o entendimento dessa verdade os abala emocionalmente. A
personagem no livro
A Preparação do Ator
de Stanislavski
(2001) afirma que se
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sente indiferente, porém, ao chegar mais próximo do evento, seu coração dispara
e seu corpo reage com enjoo. A sensação de vulnerabilidade sentida, devido à
aproximação do momento da apresentação, é frequente entre atuadores. Lopes
(2022, p.22-23) diz que:
entender como lidar com essa vulnerabilidade não neste momento,
mas em todo o processo, pode ser uma potente alavanca para atuador.
Ele pode aproveitar as circunstâncias do momento para potencializar seu
estado de presença e alerta para a apresentação ao invés de se sentir
fragilizado diante do desafio que se aproxima.
Conseguir gerenciar, conscienciosamente, os pensamentos a fim de mediar
alguns processos físicos pode servir como suporte para o atuador. Assim, ao invés
de se sentir refém daquele estado/situação, o atuador pode trabalhar com e em
prol do seu desejo/necessidade nica. Mais adiante no trecho do livro de
Stanislavski (2001, p. 35-37), Kostia segue narrando:
no palco, a primeira coisa que me perturbou foi a extraordinária
solenidade, o silêncio e a ordem que ali reinavam. Passando da escuridão
dos bastidores para a plena iluminação da ribalta, das gambiarras, dos
refletores, senti que estava cego. O brilho era tão intenso que parecia
formar uma cortina de luz entre mim e a plateia. Senti-me protegido
contra o público e, por um momento, respirei livremente, mas os meus
olhos logo se habituaram à luz, pude enxergar no escuro e tanto o temor
quanto a atração do público pareceram-me mais fortes do que nunca.
Em pesquisa de mestrado de Lopes (2022, p.23), identificamos que a
vulnerabilidade percebida durante a apresentação, iniciada no instante em que o
atuador entra no palco, até o momento final de sua apresentação, é definida como
V4. De acordo com esse estudo, muitos são os agentes que ativam a
vulnerabilidade do atuador no momento da apresentação, em V4, e Kostia, a
personagem de Stanislavski, revela alguns deles. Observamos ainda que, os
agentes vulnerabilizantes podem se apresentar de múltiplas maneiras: uma
situação, uma sensação corpórea, um pensamento, uma ação física, ou mesmo
qualquer coisa que incite o estado de vulnerabilidade no atuador. Como
apresentado por Kostia, o silêncio e a ordem são exemplos de agentes que podem
perturbar, durante o tempo em que ele se protege por detrás de uma cegueira
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provocada pelo brilho da forte iluminação. Quando Kostia acredita estar “protegido
contra a plateia”, é um alerta de que a percebe como algo que possa desestabilizá-
lo, uma potencial ameaça. Essa autopercepção da personagem aponta uma
identificação de alguns dos seus agentes vulnerabilizantes. Graças ao
impedimento visual, ele pode respirar aliviado, porém, conforme se habitua, tudo
se transforma e ele reconhece em seu corpo o temor aumentar. Ainda de acordo
com o observado na pesquisa de Lopes (2022, p.23-24), o sentimento de exposição
e ou incerteza no momento em que está sendo assistido, analisado ou julgado
pela plateia pode provocar gatilhos internos que por consequência liberam doses
de adrenalina no corpo do atuador, o que pode aparentar serem toneladas, e que,
como numa reação em cascata, acarreta em outras manifestações mentais e
físicas. O atuador desenvolve ao longo de sua prática uma certa ideia do quanto
uma apresentação ao vivo pode desestabilizá-lo. Além dos diferentes causadores
externos que podem se mostrar naquele momento como possíveis agentes
vulnerabilizantes, o atuador necessita ainda mediar os possíveis agentes
vulnerabilizantes de ordem interna, ou seja, suas emoções e sentimentos de
caráter privado que podem, também, se apresentar e evitar que se tornem
emboscadas para si. No estudo de Lopes (2022, p.24) percebemos que o atuador
trabalha com diferentes fontes que produzem incertezas, riscos e exposição
emocional, internos e externos simultaneamente, o que pode ativar um estado de
vulnerabilidade ainda mais intenso. Ser capaz de observar, reconhecer e
administrar esses vetores, os agentes vulnerabilizantes, que atravessam o corpo
do atuador antes, durante e após uma apresentação, e que dispõem de tamanhos
e direções diferenciadas, pode lhe garantir uma melhor e mais eficaz
experiênciação da atuação, em oposição a uma equivocada sensação de controle.
Kostia segue narrando:
Estava disposto a me virar pelo avesso, a dar-lhes todo que tinha e,
entretanto, dentro de mim, nunca me sentira tão vazio. O esforço para
espremer mais emoção do que eu possuía e a incapacidade de fazer o
impossível encheram-me de um temor que petrificava minhas mãos e
meu rosto. Todas as minhas forças se gastavam em esforços infrutíferos
e inaturais. Minha garganta contraiu-se, todos os meus sons pareciam
subir para uma nota aguda. Minhas mãos, meus pés, meus gestos, minha
fala tornaram-se, todos, violentos. Senti vergonha de cada palavra, de
cada gesto. Chorei, cerrei os punhos e me apertei contra o espaldar da
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poltrona. Estava fracassando e, na minha impotência, raiva de súbito me
dominou (Stanislavski, 2001, p. 35-37).
Lopes (2022, p.24) descreve que o atuador em seu desejo em acertar e
executar o que foi ensaiado, segue para a apresentação com o propósito de dar
tudo de si, sem hesitação, como identificado como atitude produtiva durante os
ensaios. Entretanto o que acontece durante a apresentação é diferente do ensaio.
Neste caso, o atuador almeja sentir, estar em completude e conectado
internamente com suas emoções. A questão é: e quando o atuador não sente
nada? A performance ainda tem deve acontecer e ele se num ‘vazio’. A
incapacidade de concretizar o idealizado, ou o que o atuador projeta como sendo
o ideal, termina sendo o oposto, gerando sentimentos negativos e auto
depreciativos quanto a sua capacidade técnica. Como referido anteriormente, a
parte mental possui efeitos notórios sobre o corpo e pode trazer consequências
físicas indesejadas, piorando a situação que não era favorável para o atuador
nesse momento de acentuada insegurança, incerteza e risco emocional. Cada vez
que Kostia tenta se desvencilhar da situação em que se encontra, mais ele se
prende em si. Ele tem noção de que, ao sentir raiva e o fracasso, percebe que
perde o controle ao se permitir ser engolido por esses sentimentos. Este ponto é
salutar, no que diz respeito sobre a importância de saber identificar e desenvolver
os próprios sentimentos e emoções, trabalhar o autoconhecimento e, sobretudo,
ser capaz de perceber suas vulnerabilidades (Lopes, 2022, p.24).
Observamos neste trecho a energia que transborda como uma possível
trajetória de atuação. Como observado no trabalho de Lopes (2022, p.25),
entendemos as múltiplas direções que se pode seguir, em que o atuador poderá
se experimentar a vulnerabilidade pela perspectiva producente, em outras
palavras, quando o atuador identifica que a vulnerabilidade favorece seu trabalho
técnico artístico; ou pela contraproducente que é quando ele percebe que a
vulnerabilidade o desfavoreceu, prejudicando-o. As duas vias são importantes e
podem ser identificadas no momento imediato em que a vulnerabilidade nos
atinge. É importante notar que o atuador pode aprender com uma experiência
contraproducente e por consequência transformá-la em producente.
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Quando o caminho escolhido para percorrer é a perspectiva producente, o
atuador identifica que está vulnerável e, manuseando suas forças internas e tudo
o que lhe toca de alguma maneira, não reprime suas emoções ou tem intenção de
fugir delas, disfarçando-as. Porém, observa o poder transformador que é se abrir
para o jogo e cria, em tempo real, com a sensação de vulnerabilidade (Lopes, 2022,
p.25). Frequentemente, quando o atuador ao se sentir vulnerável tenta evitar a
todo custo os agentes vulnerabilizantes, o caminho pela perspectiva
contraproducente se instaura com rapidez e produz efeitos inesperados. Nestes
casos, o atuador segue num fluxo contrário ao da sua vulnerabilidade, se perde
tentando evitá-la e se fragiliza tecnicamente. A possibilidade de lidar com a
vulnerabilidade em prol da atuação exige que o atuador use justamente o que
sente e identifica enquanto agentes vulnerabilizantes no aqui e agora do momento.
Esta abordagem mais técnica da vulnerabilidade, enquanto aspecto da atuação,
pode representar um grande ganho para o trabalho técnico do atuador, seja pela
perspectiva producente ou contraproducente. Na producente, porque ele
conseguiu lidar de forma a alavancar sua performance no momento em que a
ação ocorreu; e na contraproducente, porque no momento após a ação, ao analisar
o que funcionou, terá uma perspectiva nova sobre seu trabalho e poderá aprender
com ela alterando suas escolhas conforme sua análise. Ao longo das experiências
vivenciadas no futuro será capaz de perceber, entender e lidar com a sua
vulnerabilidade a favor da atuação e o contra ou à despeito dela. Ainda que este
parâmetro de analise binário seja uma simplificação do processo criativo de
atuação que é reconhecidamente complexo, é um ponto de partida útil para o
desenvolvimento da temática.
Mas Stanislavski (2001, p.36-37), através da experiência de Kostia, nos motiva
a compreender ainda mais profundamente a lição:
Arremessei o verso célebre: “Sangue, Iago, sangue! Senti nessas palavras
todo o ultraje à alma de um homem confiante. A interpretação dada por
Leão a Otelo subiu-me de repente à memória e despertou-me a emoção.
Além disso, parecia quase que os ouvintes, por um instante, se haviam
inclinado, tensos, e que um murmúrio percorria a plateia.
Assim que senti essa aprovação, uma espécie de energia referveu em
mim. Não posso lembrar-me de como terminei a cena, porque a ribalta
e o buraco negro desapareceram do meu consciente e eu fiquei livre de
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qualquer temor. Recordo-me de que Paulo, a princípio, ficou atônito com
a mudança em mim. Depois, ela o contagiou e ele se pôs a atuar com
abandono.
Kostia, todavia, se esforçando para sentir, descobre na sua fala algo que lhe
trás incentivo. A emoção que ele tanto desejava é despertada por uma memória.
Acrescido a esse novo fato vem a nova percepção que ele começa a ter do blico
(Lopes, 2022, p.25-26). Então, entre alguns murmúrios que vem da plateia ele
consegue captar uma aprovação e se sente estimulado, o que não ocorre quando
ele tenta se esconder dela. Em seu interior percebe uma energia aquecer, ferver,
o que indica que essa mesma energia estava lá, talvez resfriada ou estranha a
ele. Liberto do pavor que o acometia anteriormente, ele é tomado por essa energia
de tal maneira que, ao finalizar a cena, não se lembra de como a terminou. Nota-
se que, segundo o que Kostia descreve, uma transformação tanto no
pensamento quanto na energia dele. Explicitamente, a perspectiva de Kostia muda
a respeito do que está sentindo. Então, ele sai de uma via contraproducente e
enxerga o que está sentindo por uma via mais producente. Também é visível que,
mesmo lidando de forma producente com o que está sentindo, ainda, certa
insegurança que o limita. O final do trecho traz:
O pano baixou, ouviram-se aplausos na plateia e eu me senti cheio de
confiança em mim mesmo. Com ares de astro em tournée, com fingida
indiferença, desci para a plateia, no intervalo. Escolhi um lugar de onde
podia ser visto facilmente pelo diretor e seu assistente e sentei-me, na
expectativa de que me chamariam para tecer-me comentários elogiosos
(Stanislavski, 2001, p. 35-37).
A vulnerabilidade sentida após as apresentações é a etapa aqui definida como
V5. Notamos que as apresentações com blico ao vivo têm uma influência
significativa no trabalho do atuador, onde as reações do público podem estimulá-
lo ou provocar o inverso. O atuador, ao estar com a plateia, pretende se conectar
e ter sua aprovação. Caso a aprovação não aconteça, como o que aconteceu com
o Kostia, uma desestabilização do atuador, que percebe sua vulnerabilidade
crescer, regularmente, na forma contraproducente (Lopes, 2022, p.26). Com
frequência a sensação de depender da resposta do público, somada a insegurança
ocasionada por essa dependência, levam a um caminho sem retorno, uma
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avalanche que desliza morro a baixo e em aceleração. Aprender a tratar
ativamente a sensação de vulnerabilidade, procurando maneiras proveitosas, no
instante presente dos objetivos que se quer atingir durante a prática, bem como
durante os retornos, poderá abrir oportunidades novas, sem cobrança ou pressão.
Desta maneira pode proporcionar revisões produtivas do material artístico
criativo em vez de lamentações, frustrações e sentimentos de impotência ou
fracasso ao receber uma crítica.
Ainda em V5, percebemos que é onde o atuador calcula o seu nível de
aprovação (Lopes, 2022, p.26). Os variados tipos de retorno, seja a opinião do
público, ou dos companheiros de trabalho, ou da dirão, ou todos juntos,
oferecerão uma visão externa ao atuador de como foi a performance. Ao finalizar
uma apresentação o atuador, que passou por variados estados emocionais
durante a apresentação, está muito sensível física, psíquica e emocionalmente.
Receber esses retornos logo após o espetáculo é delicado e pode ocasionar
percepções que afetarão severamente as suas apresentações futuras. Caminhar
pela via producente ou contraproducente, especialmente nesta fase de perceão
dos resultados obtidos, poderá definir importantes decisões daquele momento
em diante. Saber gerenciar a recepção dessas opiniões alheias, filtrando-as com
critérios definidos, poderá auxiliar o atuador num recebimento cada vez mais
técnico e saudável, direcionando-as exclusivamente para o seu crescimento
técnico e profissional, descolado das críticas que tenham outros objetivos que não
esses.
Vulnerabilidade em experiências performativas
Ampliemos a aplicabilidade da presente perspectiva de vulnerabilidade para
além do trabalho do atuador, para abarcar também uma perspectiva mais
experiencial e performativa de atuação. Lopes (2022, p.27) traz que
uma vez que vulnerabilidade é incerteza, risco e exposição emocional, a
vulnerabilidade do atuador está diretamente relacionada a sua vivência e
suas experiências. Logo, ela variará de indivíduo para indivíduo.
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Entendo que o sentido de risco, incerteza e exposição emocional não serão
os mesmos para diferentes atuadores, também não o serão nas diferentes etapas
do processo criativo. O momento do aqui e agora em cena, e os eventos sucedidos,
provocarão uma reação particular e que guiará a forma de lidar com ele. Lopes
(2022, p.27) reflete que
não como padronizar um tipo de reação a eventos inesperados ou
perturbadores e que vulnerabilizam o atuador, mas é possível pensar em
caminhos e estratégias para seguir no jogo com a plateia, ao invés de
ignorá-la diante da dificuldade surgida ou se perder na avalanche das
emoções durante uma experiência.
A pesquisadora Fabião (2008, p.237), ao definir um programa de performance,
propõe:
um programa é um ativador de experiência. Longe de um exercício,
prática preparatória para uma futura ação, a experiência é a ação em si
mesma. Em Do Ritual ao Teatro, o antropólogo Victor Turner entrelaça
diferentes linhas etimológicas do vocábulo “experiência” e esclarece:
etimologicamente a palavra inclui os sentidos e risco, perigo, prova,
aprendizagem por tentativa, rito de passagem.
Neste sentido, é possível se colocar em estado de vulnerabilidade, de forma
consciente, por meio da percepção do que está acontecendo ao redor de si, ao
utilizar os sentidos para experienciar o mundo. Assim, entendemos
que quanto maior for a afinidade e autoconhecimento com a sua pr
ó
pria
vulnerabilidade maior ser
á
a capacidade de experi
ê
ncia
çã
o do atuador
por uma perspectiva produtiva, seja em qualquer uma das etapas de um
processo art
í
stico, em V1, V2, V3, V4 e V5. (Lopes, 2022, p.28).
Compreender melhor a vulnerabilidade não é apenas relevante no que tange
à experiência, mas também para a compreensão de como operam a performance
e a arte contemporânea. Segundo Fabião (2008, p.239):
como a performance indica, desafiar princípios classificatórios é um dos
aspectos mais interessantes da arte contemporânea. A suspensão de
categorias classificatórias permite o desenvolvimento de “zonas de
desconforto” onde sentido se move, onde espécimes ontológicos
híbridos, alternativos e sempre provisórios podem se proliferar. Porém, é
preciso frisar: não se trata de um elogio à falta de clareza, de fetichisar o
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misterioso, muito pelo contrário: trata-se simplesmente de reconhecer e
investigar a extrema vulnerabilidade dos ditos “sujeitos” e “objetos” e
torná-la visível.
A possibilidade de surgimento de novas ideias e perspectivas diante do
desconforto se encontra precisamente nos momentos em que se identifica a
vulnerabilidade. É preciso caminhar “no escuro sem se retrair ou evitar as
sensações de desconforto ao desconhecido ou ao inesperado. Ao contrário, é
preciso reconhecer e absorver a potência que nisso, é enxergar na
vulnerabilidade uma oportunidade e ferramenta criativa enquanto aspecto de
atuação.
Podemos ainda refletir dentro do teatro performativo sobre as possibilidades
que o desconforto pode proporcionar para o atuador. Segundo a pesquisadora
cênica Josette Féral (2015, p. 133), no teatro performativo, o ator é chamado a
fazer”, a estar presente”, a assumir os riscos e a mostrar o fazer”, em outras
palavras, a armar a
performatividade
do processo”. Segundo a autora, esse atuador
é convidado a estar presente, a fazer e assumir os riscos que por ventura se
apresentem, que são possíveis graças à presença da vulnerabilidade. Uma tomada
de atitude arriscada” quase sempre contém altos níveis de incerteza e exposição,
ou seja, de vulnerabilidade, que será o combustível que moverá, neste caso, a
performatividade. A sensação de vulnerabilidade por si possui características que
implicam organicidade, pulsação, calor e movimento para a atuação.
A performatividade também pede que a troca com a plateia seja a mais
desnuda e honesta possível. O atuador precisa estar disposto a ofertar e jogar com
tudo o que possui, embora nem sempre a plateia queira se envolver, se permitir
estar vulnerável. O atuador precisa ter ciência de que no jogo com a plateia um
risco e que este risco pode ser potência criativa durante a performance. Isso vai
depender de como e o quanto ele investirá de si naquele momento. ral (2015, p.
130) sugere:
que havia duas ideias principais no cerne da obra performativa. A segunda
consiste no
engajamento total do artista
, colocando em cena o desgaste
que caracteriza suas ações (Nadj, Fabre). Não se trata necessariamente
de uma intensidade energética do corpo no modelo grotowskiano, mas
de um investimento de si mesmo pelo artista. Os textos evocam a
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“vivicidade” (
liveness
) dos
performers
, de uma presença fortemente
armada que pode ir até uma colocação em risco real e um gosto pelo
risco.
Vulnerabilidade implica em entrega, exposição, engajamento. Ao reconhecer
e utilizar a sua vulnerabilidade, o atuador pode usufruir dela a seu favor para
atingir a completude de que fala Féral (2015). O atuador, quando se sente em risco
numa determinada situação-problema-desafio, procura ser honesto e busca se
desvencilhar de subterfúgios que o impossibilitem de encarar de frente essa
mesma situação, aceita a sua vulnerabilidade. Isso lhe auxilia no enfrentamento
das incertezas, direta e criativamente, sem esconder o que está sentindo naquele
momento, mas usando a favor do momento (Lopes, 2022, p.31). O atuador pode,
assim, se permitir mergulhar em águas turvas, sentindo a adrenalina do risco em
que está de forma conscienciosa. O mergulho pode proporcionar uma fagulha
que logo se tornará uma erupção de sensações e emoções graças a esse risco
sentido. Admitir estar exposto diante da plateia e se recusar se blindar,
entendendo que é uma entrega sincera que se quer ofertar, lhe permite não
apenas uma relação mais saudável com a sua vulnerabilidade, mas também uma
relação mais produtiva, independe de sorte e, sim, dependente de uma tomada de
decisão pessoal que pode impactar sobremaneira a sua atuação (Lopes, 2022,
p.31).
Féral (2015, p.133) aponta ainda que:
No ator, as forças do simbólico sempre superam o instinto que, no
entanto, surge com frequência de modo imprevisto. A beleza do jogo do
ator provém, precisamente, desse combate incessante entre a maestria
de seu corpo e o permanente transbordamento que o ameaça.
Essa beleza entre a maestria e o transbordamento que ameaça o atuador
é vista graças à exposição e ao uso da sua vulnerabilidade que pode, conforme
visto neste estudo, ser observada e identificada a partir de agentes
vulnerabilizantes e, em última insncia, ser utilizada como aspecto técnico de
atuação.
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Considerações em processo
Como demonstramos neste estudo, pode-se pensar no uso da
vulnerabilidade como aspecto importante de atuação, seja dentro de uma
proposta mais interpretativa, como a de Stanislavski (2001), ou mais performativa,
conforme Fabião (2008) e ral (2015). Ainda assim, é preciso lembrar do alerta do
ator e palhaço Ricardo Puccetti (1998 p. 124): nunca esquecer que qualquer técnica
seria vazia sem o detalhe da vulnerabilidade”. A técnica pela técnica nem sempre
permitirá momentos que afetam, que emocionam. Entendemos, assim, a
vulnerabilidade como o coração que bombeia possibilidades criativas para
complementar a execução de uma técnica. Puccetti (1998, p.113) reflete ainda
como o espectador percebe o estado de vulnerabilidade no atuador:
o espectador o jogo de fricções e tensões perceptível na ação cênica.
Tem prazer em reconhecer os signos que se expõem a seu olhar e sua
subversão permanente pelo próprio ato de ilusão. Dessa forma, nota o
esforço do ator para controlar a tensão profunda no interior do jogo
tensão que o coloca em perigo, em estado contínuo de vulnerabilidade.
Observa-se que a tensão não tem um controle, mas sim um direcionamento
para a afetação que se almeja. Para manter vivo o interesse, e a ligação com a
plateia, o atuador manuseia sua presença e, através da manutenção contínua no
lidar com sua vulnerabilidade, mantém o jogo sempre ativo, pulsante.
diferentes maneiras pelas quais o público pode se conectar, ou não, com a
performance. Féral (2015, p.130-131) propõe que o
espectador, ele está, assim como o
performer
,
situado na intimidade da
ação
, absorvido por seu imediatismo ou pelo risco colocado em jogo (Le
Dortoir, de Gilles Maheu), mas ele pode também ficar no exterior da ação,
gravar com frieza as ações que se desenrolam diante dele, mantendo um
direito de olhar que permanece exterior, como ele o faz diante de certas
performances.
O atuador, ao notar que uma frieza paira sobre a plateia, percebe a dificuldade
que tem naquele momento de permanecer quente, vulnerável, e cujo o intuito é
manter viva a chama entre ele e a plateia, que arredia espia de forma distanciada
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(Lopes, 2022, p. 32). Entretanto a percepção desta distância pode, por si só, ser
compreendida e utilizada enquanto agente vulnerabilizante pelo atuador.
Finalmente, concluímos este trabalho ressaltando a relevância da
vulnerabilidade como um aspecto importante de atuação, identificada
conceitualmente tanto no trabalho de interpretação teatral e performance quanto
no teatro performativo. Para chegarmos a este resultado utilizamos a definição de
vulnerabilidade de Brené Brown, que permite maior aplicabilidade dentro da
complexidade constituinte das artes da cena. No intuito de apontar caminhos para
esta aplicabilidade, propomos a divisão de um processo criativo em cinco etapas
(V1 a V5) para a observação individualizada da sensação de vulnerabilidade e seus
respectivos agentes vulnerabilizantes em cada etapa. Esta observação permite a
tomada de consciência da vulnerabilidade por parte do atuador, identificando seus
modos de operação, e a consequente busca ativa por soluções criativas que lhe
permitam criar uma relação mais produtiva com a vulnerabilidade e em prol da
sua atuação. É preciso lembrar que o uso da dela dependerá da maneira que será
observada, in-gerida e trans-formada pelo atuador. Assim, este trabalho convidou
à compreensão da experiênciação da vulnerabilidade em cena em companhia dos
riscos, que são intnsecos à vida, como potências. A vulnerabilidade é entendida
como um paraquedas que, num mergulho de exposição diante da plateia, se abre
majestoso. Porém, a corda de acionamento está na vontade do atuador. Sempre
que ele desejar direcionar seu voo para diferentes propostas de ação e flutuar
através das diferentes correntes imaginativas geradas e trazidas quando um
acolher da sua vulnerabilidade, poderá se deleitar durante queda, livre, e assim,
conseguirá criar de forma mais relaxada no meio da intranquilidade (Lopes, 2022,
p.31).
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Disponível em https://orion.nics.unicamp.br/index.php/lume/issue/view/21. Acesso
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Recebido em: 21/10/2022
Aprovado em: 25/04/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
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