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Editorial
Dossiê Temático II: As artes da cena dos e com
os povos indígenas
Imagem da Capa
Projeto Gráfico
: Marcelo Pires de Araújo
Espetáculo
:
Matemática Curva: uma série em confinamento
Supervisão do processo criativo:
André Carreira
Editorial
Comitê Editorial dos Dossiê Temático II
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-7, abr. 2022
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Comit
ê
!
Editorial
Maria Brígida de Miranda (UDESC); Tereza Mara
Franzoni (UDESC); Luciana Hartmann (UnB); Deise Lucy Montardo
(UFBA); Naine Terena (FCMT); Luiz Davi Vieira Gonçalves (UEAM);
Graciela Chamorro (UFDO)
Editorial
Comitê Editorial dos Dossiê Temático II
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-7, abr. 2022
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Neste Dossiê Temático, o Comitê Editorial teve como objetivo reunir trabalhos
realizados entre e com os povos indígenas, que envolvem tanto artistas indígenas
como também não indígenas, mas que, sobretudo, estivessem engajados nas lutas
e nos processos de visibilidade das culturas e manifestações desses povos. O
dossiê visou compilar análises sobre a presença indígena e suas cosmologias nas
artes da cena e todas as possibilidades de hibridização cênica, em seus múltiplos
contextos e possibilidades, incluindo as perspectivas antropológicas, políticas,
territoriais e ambientais, dos pontos de vista histórico, visual, sonoro, performático
e dos cruzamentos possíveis entre eles.
Assim, o propósito da revista
Urdimento
neste número é engajar-se no
recente campo dos estudos sobre a temática Teatro e Povos Indígenas e fortalecer
o debate. Consideramos o expressivo crescimento de produções acadêmicas
sobre o assunto no Brasil e identificamos a publicação de vários dossiês em
periódicos das artes da cena. Vale citar alguns exemplos dos últimos cinco anos:
a revista
Arte da Cena
, da Universidade Federal de Goiás (UFG), com o dossiê
Etnicidade e Cena: (Cri)ações, Planos de Composição, Corpo e Ritual Ameríndio
nas Artes da Cena (2018); a revista
Txai
, da Universidade Federal do Acre (UFAC),
com o dossiê Performatividades amazônicas: práticas e reflexões (2021); a revista
Teatro: criação e construção de conhecimento
, da Universidade Federal do
Tocantins (UFT), com o dossiê Experiências Estéticas, Arte e Conhecimento
Indígena: descolonizando a formação do artista-docente-pesquisador (2020) e a
revista
Fragmentum
, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o dossiê
Mulheres indígenas: entre o ontem e o hoje (2021). Destacam-se ainda as
publicações
Teatro e Povos Indígenas: Janelas abertas para a possibilidade
(2021)
e
Diálogos: Arte e Bahsesé Ukuse: Bahse Merise
(2021), cujas autorias são uma
parceria entre indígenas e não indígenas, além do grande número de
apresentações de trabalhos sobre o tema nos principais eventos científicos da
área, como os congressos e encontros da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-
Graduação em Artes Cênicas - ABRACE e o Congresso Nacional da Federação de
Arte/Educadores do Brasil – CONFAEB (Gonçalves, 2021a, 2021b, 2020a, 2020b).
Em especial, a
Urdimento
se propôs a voltar os olhares para a realidade dos
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povos indígenas no contexto político nacional. A luta pela conquista e pelo
reconhecimento de seus direitos têm percorrido estes cinco séculos desde a
chegada dos europeus ao continente americano. A Constituinte de 1988 foi um
marco importante nesse sentido, principalmente no que diz respeito à saúde e à
educação diferenciadas. Também foram estabelecidos princípios para nortear o
direito ao uso da terra ocupada tradicionalmente por esses povos, falantes de
cerca de 200 línguas distintas, que estão sofrendo ataques violentos e constantes
tanto por parte do chefe do poder executivo quanto por agentes do legislativo e
do judiciário, com o objetivo de esvaziar as políticas públicas voltadas ao
atendimento desta população, bem como votando decretos que ameaçam a sua
existência física. O chamado "Marco Temporal", uma ação no Supremo Tribunal
Federal (STF) que defende que povos indígenas só podem reivindicar as terras se
estavam nela no dia 5 de outubro de 1988, data da entrada em vigor da
Constituição Brasileira, é apenas uma das propostas que prejudica o futuro da vida
deles. Quer dizer, se essa ação for vitoriosa no STF, ela anulará inúmeras
reivindicações legítimas de retomada de seus territórios tradicionais. Outra é o
projeto de mineração em terras indígenas que está sendo votado às pressas nos
correntes meses de março e abril de 2022. Vale ressaltar que esses projetos não
foram submetidos às devidas análises técnicas. Tais ações indicam que o governo
se posiciona contra a existência dos povos e das culturas indígenas e a favor de
interesses escusos. Não vamos nos alongar aqui nesta extensa matéria, mas
apontamos estas questões para refletir sobre como as artes da cena dos e com
os povos indígenas dialoga com esse contexto de violação de direitos
constitucionais e propõe alternativas poéticas e espirituais para lidar com
conflitos. As diversas linguagens artísticas são centrais para esses povos, para o
estabelecimento de relações políticas entre seres humanos e "mais que
humanos", mas são também fundamentais nas lutas por visibilidade. Trazemos
aqui o exemplo das manifestações contra o "Marco Temporal", em Brasília, em
setembro de 2021, que reuniram mais de oito mil indígenas e tiveram nas
linguagens artísticas seu forte apelo e sua força. São inúmeras mulheres, homens
e pessoas não binárias indígenas que vêm se destacando na literatura, no cinema,
nas artes visuais, na música e nas artes da cena, rompendo barreiras de
silenciamentos, isolamentos e mesmo confinamentos e tortura, como foi feito aos
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jovens do povo Krenak durante a Ditadura Militar (1964-1985). Os artigos
selecionados nos convocam a ouvir as vozes dos povos indígenas e dos povos
"mais que humanos", para que possamos ter sabedoria para escutá-los e quem
sabe romper o laço colonial e eurocêntrico não apenas das artes da cena, mas de
nossa existência como sociedade.
O primeiro artigo deste dossiê,
Reflorestar o pensamento ou Ações
Performágycas y o ator-xamã
, dos autores Way Pury, Carolina Prymeyra, Malandro
Vermelho e Thalita Castro, aborda possíveis aproximações entre as artes da cena,
com ênfase no teatro-performativo e na performatividade dos xamanismos
indígenas das terras baixas da América do Sul.
Em seguida, as autoras Vanessa Benites Bordin e Mepaeruna Tikuna, no artigo
Diferentes tradições, vidas que se entrelaçam: O encontro de duas artistas em
Manaus
, relatam suas experiências como mulheres artistas de diferentes tradições
uma indígena e outra não indígena e as afinidades que as levaram a trilhar
um caminho juntas nos desafios poéticos e pandêmicos da Covid-19.
Cauê Krüger e Don Correa, no artigo
Os pronomes empáticos e o
perspectivismo dramatúrgico: sobre Nós Outros, da Fala Companhia de Teatro
,
analisam o processo criativo do espetáculo teatral Nós outros, concebido pela Fala
Companhia de Teatro, de Curitiba, criado a partir da vivência dos atores e do
dramaturgo e diretor Don Correa com indígenas das etnias Guarani e Kaingang,
mais especificamente da Aldeia Tupã Nhe´e Kretã, localizada em Morretes, Paraná.
No artigo
Perspectivas xamânicas sobre as artes da cena: Um diálogo
cosmopolítico com as culturas ameríndias
, Carlos Henrique Guimarães propõe
ao(à) leitor(a) considerações teórico-práticas a respeito da performatividade ritual
do xamã ameríndio e as possíveis aproximações com o campo expandido das artes
cênicas, confrontando entendimentos sobre os conceitos contemporâneo,
modernidade e arcaico.
Na sequência, a autora Flaviana Benjamin, com o artigo
A proposição
cosmopolítica na obra de Jaider Esbell e Bernal
, descreve a passagem do artista
Jaider Esbell (1979-2021) e de sua parceira, Bernal (1945 - 2020), no ano de 2019,
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pelo Projeto “Rios, roças e redes”, realizado durante o evento Jardinalidades,
produzido pelo SESC/SP.
Katia Brito, em artigo intitulado
Atuado-cena, pajelança e uma possível
rotação de perspectiva
, traz a proposição de uma aproximação desta prática e
algumas reflexões sobre os possíveis diálogos da noção de atuação com a
contemporaneidade das artes cênicas e performativas.
Por sua vez, por meio do artigo
Cenas rupestres de lutas corporais no Parque
Nacional Serra da Capivara, possíveis interpretações
, os autores Leandro Paiva,
Deise Lucy Oliveira Montardo, Michel Justamand, Gabriel Frechiani de Oliveira, Vitor
José Rampaneli de Almeida e Gabriela Rabello, analisam, com base na pesquisa
de campo realizada no sudeste do estado do Piauí e, posteriormente, no Alto Xingu
(Brasil Central), o corpus de lutas corporais nos registros rupestres e, para além
apenas do olhar de pesquisadores, remanescentes de povos originários, que se
engajavam em lutas corporais ritualizadas, apresentaram suas próprias
interpretações.
Por conseguinte, na estrutura do Dossiê, a autora Lúcia Regina Vieira Romano,
com o artigo O espanto da atriz: efeitos éticos e estéticos no encontro com
mulheres indígenas Guarani Mbya, na cena da Cia Livre, de Brecht, problematiza
duas produções da Cia. Livre, apresentadas em 2019, baseadas na peça de
aprendizado
Os Horácios e os Curiácios
(1933), de Brecht, e que tematizam a luta
pela terra no Brasil contemporâneo.
O Dossiê continua com Paloma Bianchi, por meio do artigo
Como quebrar
barragens: Outros processos políticos e artísticos para reparar o irreparável
,
apresenta algumas de suas vivências durante o Amazônia centro do mundo,
evento que reuniu ao longo de três dias lideranças indígenas, pesquisadores(as) e
ativistas em Altamira (PA), cidade onde foi erguida a segunda maior usina
hidrelétrica do mundo.
E, fechando este Dossiê temos o artigo
Plataformas digitais e as
manifestações estéticas indígenas: para recolher ao longo do caminho,
de Naine
Terena de Jesus e Flávio Justino Fêo. Este artigo apresenta a experiência dos
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fazeres estéticos indígenas, de modo especial a partir da Plataforma Tepi (Teatro
e Povos Indígenas).
Referências
GONÇALVES, Luiz Davi Vieira; BARRETO, João Paulo Lima; PALANDI, Viviane;
BARRETO, Ivan Menezes (Org.).
Diálogos: Arte e Bahsesé
- Ukuse: Bhase
Merise. 1. ed. Manaus: Editora Mamoeiro, 2021.
GONÇALVES, Luiz Davi Vieira. Performance-Ritual ÜHPÜ: o indígena e o não
indígena juntos na cena decolonial.
MORINGA
Artes do Espetáculo, [S. l.],
v. 12, n. 1, p. 11-31, 2021. Disponível em:
https://periodicos.ufpb.br/index.php/moringa/article/view/59956. Acesso
em: 04/04/2022.
GONÇALVES, Luiz Davi Vieira. Oficina de florestas: Tupi or not Tupi, that is
the question.
Sala Preta
, [S. l.], v. 20, n. 2, 185-196, 2020. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/185074. Acesso em:
04/04/2022.
GONÇALVES, Luiz Davi Vieira. Eu sou um outro você: descolonizando o saber
na prática da metodologia Kõkamõu. In: BRONDANI, Joice Aglaes;
HADERCHPEK, Robson Carlos; ALMEIDA, Saulo (Org.).
Práticas decoloniais
nas artes da cena
. São Paulo: Giostri, 2020.
Texto elaborado pelo Comitê Editorial do
Dossiê Temático II:
Corpo e(n)cena e (des)educação I
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br