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Poéticas Afro-ameríndias no ensino superior
de Dança: Corpos insurgentes em
performances de (re)existência
Renata de Lima Silva
Carolina Laranjeira
Gabriela Di Donato Salvador Santinho
Para citar este artigo:
SILVA, Renata de Lima; LARANJEIRA, Carolina; SANTINHO,
Gabriela Di Donato Salvador. Poéticas Afro-ameríndias no
ensino superior de Dança: Corpos insurgentes em
performances de (re)existência.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1 n. 43, abr. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101432022e0106
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Poéticas Afro-ameríndias no ensino superior de Dança:
Corpos insurgentes em performances de (re)existência
Renata de Lima Silva; Carolina Laranjeira; Gabriela Di Donato Salvador Santinho
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-29, abr. 2022
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Poéticas Afro-ameríndias no ensino superior de Dança:
Corpos insurgentes em performances de (re)existência
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Renata de Lima Silva
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Carolina Laranjeira
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Gabriela Di Donato Salvador Santinho
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Resumo
Este artigo discute a formação de professores/as de dança por meio de
abordagens artístico-pedagógicas baseadas nas noções de ancestralidade e
espiritualidade vindas de culturas afro-ameríndias, a partir de três
experiências docentes no ensino superior. A combinação entre estrutura
curricular, projetos pedagógicos e artísticos em consonância com as histórias
de vida dos estudantes, colabora com a abertura de fissuras na monocultura
do saber instaurada na universidade. O reconhecimento e a produção de
poéticas afro-ameríndias se materializam por meio de processos criativos e
pedagógicos em vivências com práticas culturais tradicionais, donde reflete-
se performances de (re)existência a partir de corporalidades e narrativas
insurgentes.
Palavras-chave
: Ensino de dança. Poéticas afro-ameríndias. Processo de
criação. Graduação em dança.
1
Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Bárbara Mór da Mata. Graduada em Letras pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). barbara.mor@outlook.com.
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Doutorado em Artes pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em Artes (UNICAMP).
Graduação em Dança (UNICAMP). Professora associada na Universidade Federal de Goiás (UFGO), atuando
na graduação do curso de Dança e nos Programas de Pós-graduação em Artes da Cena e Interdisciplinar
em Performances Culturais. renatazabele@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/9684039080990993 https://orcid.org/0000-0002-7551-1468
3
Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado em Artes pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduada (bacharelado e licenciatura) em Dança pela
UNICAMP. Professora adjunta dos cursos de Licenciatura em Dança, Licenciatura e Bacharelado em Teatro
do Departamento de Artes Cênicas e do Mestrado Profissional em Artes (PROFARTES) da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB). ca.laran@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4025820535884749 https://orcid.org/0000-0001-7002-4516
4
Doutorado em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestrado em Artes Cênicas
(Unicamp). Graduação em Dança (Unicamp). Professora dos cursos de Licenciatura em Dança e em Teatro
e do Mestrado Profissional em Educação (Profeduc) da UEMS e do Mestrado Profissional em Artes (Prof.-
Artes) da UFMS. gabrieladdsalvador@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3087559848065820 https://orcid.org/0000-0002-4756-137X
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Afro-Amerindian poetics in higher education in Dance: Insurgent
bodies in (re)existence performances
Abstract
This article discusses university dance education through artistic-pedagogical
approaches according to notions of ancestry and spirituality from Afro-
Amerindian cultures, based on three teaching experiences in higher
education. The combination of curricular structure, pedagogical and artistic
projects, in line with the students' life stories, collaborates with the opening
of fissures in the monoculture of knowledge established at the university. The
recognition and production of Afro-Amerindian poetics is materialized
through creative and pedagogical processes in experiences with traditional
cultural practices, which reflect (re)existence performances based on
insurgent corporeality and narratives.
Keywords
: Dance teaching. Afro-Amerindian poetics. Creation process.
University dance education.
Poética afro-amerindia en la educación superior en Danza: Cuerpos
insurgentes en performances de (re)existencia
Resumen
Este artículo analiza la formación de profesores de danza a través de
enfoques artístico-pedagógicos basados en nociones de ancestralidad y
espiritualidad de las culturas afroamerindias, a partir de tres experiencias
docentes en la educación superior. La combinación de estructura curricular,
proyectos pedagógicos y artísticos, en línea con las historias de vida de los
estudiantes, colabora con la apertura de fisuras en el monocultivo del
conocimiento establecido en la universidad. El reconocimiento y producción
de las poéticas afroamerindias se materializan a través de procesos creativos
y pedagógicos en experiencias con prácticas culturales tradicionales, que
reflejan performances de (re) existencias basadas en corporeidades y
narrativas insurgentes.
Palabras clave
: Enseñanza de la danza. Poéticas afro-amerindias. Proceso de
creación. Graduación en danza.
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Introdução: Ponto de Encontro
Este artigo, escrito a seis mãos, é reflexo de um encontro que se deu,
primeiramente, em 1998, com o ingresso das três autoras no curso de graduação
em Dança da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Herdeira de um
legado modernista, marcado pela busca de uma linguagem brasileira para as Artes,
a proponente do curso, Marília Antonieta de Oswald de Andrade, filha de Oswald
de Andrade, apresenta, desde a criação do curso, uma preocupação com a questão
da cultura brasileira. Vale mencionar que a cultura da dança cênica no Brasil é
fortemente influenciada pelos modelos europeus e estadunidenses, tanto no que
diz respeito ao Balé Clássico, como às chamadas danças modernas. Assim, a
abertura de um curso de Dança, em 1985, com a previsão de componentes
curriculares voltados para a cultura brasileira, parece-nos ser algo que mereça
destaque, no sentido de afirmar uma postura política, pois um Projeto Pedagógico
é sempre político.
Mencionamos, aqui, o curso de Dança da Unicamp no sentido de demonstrar
a maneira como essa formação impactou nossas trajetórias e escolhas
profissionais e como ela se reflete em nossas propostas como docentes
implicadas em processos educacionais contra-coloniais a partir de poéticas afro-
ameríndias. Aqui, nos inspiramos no conceito do filósofo quilombola Antônio Bispo
dos Santos ao definir "[...] por contra-colonização todos os processos de
resistência e de luta em defesa dos territórios dos povos contra colonizadores, os
símbolos, as significações e os modos de vida praticados nesses territórios"
(Santos, 2015, p.12). Compreendemos que uma ação educacional contra-
colonizadora dá-se, justamente, pela proposição de acionar ou aprender com as
formas, os pensamentos e os modos de viver desses povos. Nesse sentido, o
conceito dialoga com a ideia de processos decoloniais ou de descolonização.
Nosso ponto de encontro, o curso de Dança da Unicamp, no interior de São
Paulo, sem dúvida, impulsionou-nos para os lugares que ocupamos hoje, em
universidades públicas, em cursos de Dança e Teatro, uma no nordeste do país e
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as duas outras no centro-oeste. Compreender esse ponto como sendo de
encontro e de impulsionamento não significa dizer que nessa formação não tenha
havido conflitos no que concerne a uma hegemonia ou, ao menos, à forte presença
de padrões do norte global sobre as concepções de corpo e dança. Além do mais,
hoje somos capazes de refletir sobre como uma abordagem generalizante de
cultura brasileira, advinda de uma concepção modernista, a despeito de bem
intencionada, pode deixar passar processos de invisibilidade da pluralidade e da
complexidade existente no interior das comunidades indígenas e negras. Também
nos tornamos sensíveis ao fato de que, nos contextos estéticos, ligados às
distintas danças que acontecem no território brasileiro, encontramos cosmologias
sobre as quais devemos aprender mais sobre e com ela. Entendemos que, a partir
das narrativas da alteridade, como formula o professor e pesquisador Jorge das
Graças Veloso (2016), das falas e dos léxicos dos sujeitos e dos grupos culturais,
possíveis diálogos artísticos e pedagógicos podem se estabelecer:
Para as narrativas da alteridade, os saberes e fazeres culturais, na sua
pluralidade, são reconhecidos por suas falas internas, formuladas pelos
próprios fazedores. […] Aqui, como não se formula um pensamento
generalizante, cada manifestação é estudada a partir de seu interior e do
que compreendem que estão fazendo os seus fazedores. [...] Finalmente,
me estabelecendo nesse último grupo, de reconhecimento do direito que
o outro tem de exercer sua própria narrativa, levanto a questão da
utilização de léxicos próprios a cada fazer e a cada grupo de fazedores.
Inegavelmente, toda e qualquer manifestação expressiva humana, seja
ela tradicional (das antigas ou das novas tradições) ou não, tem um léxico
próprio, que é capaz de dar conta de tudo que lhe diz respeito. Não estou,
com isto, negando o direito que seus fazedores têm de incorporar
definições de outras áreas. O que estou afirmando é: o que melhor define
o saber e o fazer de cada grupo cultural é o léxico adotado por eles
mesmos (Veloso, 2016, p.92-93).
Na graduação em Dança, tivemos a oportunidade, entre os anos de 1998 e
2001 em meio a disciplinas de Exercícios Técnicos, Balé Clássico, Improvisação
e Composição, para citar algumas –, de cursar 6 disciplinas voltadas para a
aquisição de habilidades técnicas e criativas desenvolvidas com as danças
tradicionais e populares, de origem afro-brasileiras e indígenas. Tais disciplinas
eram chamadas, na época, de Danças Brasileiras. Passados 20 anos, o projeto e,
quiçá, o próprio curso de Dança da Unicamp, sofreu reformulações, todavia, aqui,
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interessa-nos apenas acionar esse lugar como um momento. Momento que,
embora ainda muito distante do projeto de uma atuação docente em nível
superior, semeou algumas sementes que agora germinam em nós. Com isso,
queremos dizer que, naquele momento, talvez, nossas carreiras docentes ainda
não estivessem em pauta, mas, sim, o desejo de dançar. Coisa que esse curso de
Dança estimulava bastante, com farta carga horária destinada às disciplinas
práticas, e, dentre essas, o componente voltado para as poéticas populares.
No componente em questão, ministrado no citado período, ao longo de
seis semestres, por Inaycira Falcão dos Santos
5
, Graziela Rodrigues
6
e Lara
Rodrigues Machado
7
, fomos incentivadas a, primeiramente, mergulhar na história
de nossas famílias e nos percebermos implicadas nelas; a experimentar no corpo
algumas matrizes oriundas de poéticas populares; a realizar pesquisas de campo
e, por fim, a friccionar a experiência da pesquisa de campo com nossa memória
corporal e afetiva.
Essas experiências, a partir desse componente curricular, somadas a outras
práticas e desejos individuais de cada uma de nós, sem dúvida, foram a mola
propulsora para que déssemos continuidade à carreira acadêmica, articulando a
criação artística com questões relacionadas ao rito, ao mito, às práticas e aos
imaginários que, em alguma medida, dialogam com o contexto das culturas de
povos e de comunidades tradicionais.
É, sobretudo, o contexto de formação na pós-graduação que nos abre como
possibilidade de campo profissional a docência no ensino superior e, em
5
Professora aposentada do curso de Dança da Unicamp. Possui Graduação em DANÇA pela Universidade
Federal da Bahia, Mestrado em ARTES TEATRAIS, dissertação; "The ritual dance in Bahia" University of Ibadan/
Nigéria. Doutorado em EDUCAÇÃO pela Universidade de São Paulo/Brasil; Livre-docente na área de PRÁTICAS
INTERPRETATIVAS/ Dança do Brasil; Atualmente é Professora Colaboradora do Curso de Pós-graduação da
Escola de Dança UFBA (Fonte: Currículo Lattes)
6
Professora Titular (MS-6) da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP onde atua na Graduação em
Dança e no Programa de s-graduação Artes da Cena. Criadora do método Bailarino-Pesquisador-Intérprete
(BPI). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Dança: pesquisa e criação em dança, dança do
Brasil, Imagem Corporal, Bailarino-Pesquisador-Intérprete (BPI). (Fonte: Currículo Lattes)
7
Professora Associada do IHAC / Centro de Formação em Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia.
Professora Colaboradora do Programa de Pós-graduação em Dança da UFBA. Professora Colaboradora do
Programa de Pós-graduação do Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFRN. Possui Graduação em Dança (1994), Mestrado (2001) e Doutorado (2008) em Artes Cênicas pela
Universidade Estadual de Campinas - SP (UNICAMP) e Pós-doutorado na UFRN (2016-2017). (Fonte: Currículo
Lattes)
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decorrência da escolha pela carreira acadêmica, ingressamos, todas, em
universidades públicas, para atuar com ensino, pesquisa e extensão no campo das
Artes da Cena, com especial atenção às questões relacionadas à Dança.
No que diz respeito à nossa inserção em centros de ensino no estado da
Paraíba, cidade de João Pessoa, Carolina; no estado de Mato Grosso do Sul, cidade
de Campo Grande, Gabriela e no estado de Goiás, cidade de Goiânia, Renata, a
primeira questão que se coloca em relação a nossa formação inicial é o
deslocamento para fora do grande centro econômico que o estado de São Paulo
representa, para realidades bastantes distintas. Um outro aspecto é o fato das
universidades brasileiras, na última década, terem passado por expressivo
processo de readequação à realidade populacional do país, por meio de políticas
afirmativas, como, por exemplo, a Lei de Cotas (Lei 12.711 de 2012). O que significa
dizer que nosso corpo discente é muito mais diverso e crítico com a falta de
diversidade do que era quando fizemos nossa graduação, haja vista que, em uma
universidade considerada uma das melhores do país e, também, uma das mais
elitistas, podíamos perceber, em nossa própria turma (ingresso em 1998), o baixo
número de pessoas negras e a inexistência de indígenas; apenas uma estudante
negra, que, inclusive, é uma de nós
8
.
Frente a esse contexto, que é, ao mesmo tempo, estimulante e desafiador,
intentamos, cada uma de nós, em sua unidade de ensino, promover ações
pedagógicas e de investigações cênicas em que a diversidade sociocultural e racial
seja plataforma para aprendizagens coletivas, inclusive nossas.
A partir do nosso histórico de formação, que marca possibilidades de
continuidade e de rupturas, buscamos relatar, analisar e relacionar as experiências
docentes com as culturas afro-indígenas em suas atuações nas universidades, na
formação de professores de dança e, também, discutir abordagens artístico-
pedagógicas baseadas nas noções de ancestralidade e de espiritualidade, trazidas
por tais culturas.
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O sistema de cotas com reserva de 25% de vagas para pretos e pardos, assim como o vestibular indígena,
foram implementados a partir de 2019, nessa universidade.
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Algumas abordagens preliminares
Existe graduação em Dança?
Essa era uma questão que frequentemente
precisávamos responder quando cursávamos a graduação, em um momento que
existia menos de meia dúzia de cursos superiores de Dança no Brasil. Embora a
quantidade de cursos, entre cursos de bacharelado e licenciatura, tenha saltado
para aproximadamente 40, em todas as regiões do país, nossas estudantes e
nossos estudantes frequentemente ainda precisam lidar com a surpresa ou
descrença das pessoas diante de suas escolhas de cursarem Dança. Mas, afinal,
para que cursar uma graduação em Dança? Essa é uma questão que, sem dúvida,
nos fizeram, direta ou indiretamente, naquele final de década dos anos 1990,
diante de um mercado de trabalho ainda restrito e, certamente, nossas estudantes
e nossos estudantes ainda se deparam com tal interpelação.
De fato, não é necessário cursar uma graduação em Dança para se ter
contato com dança que se faz presente em muitas dimensões da vida –, todavia,
os cursos de graduação em Dança, em geral, oferecem não apenas a possibilidade
de se dançar, mas, também, a de refletir a dança, em suas inúmeras possibilidades
expressivas como arte e linguagem corporal, contemplando desde seus aspectos
históricos, antropológicos, técnicos, estéticos, pedagógicos até criativos.
Dito isso, é importante, ao discutirmos práticas metodológicas do ensino da
dança, pautar alguns aspectos conceituais que dão sustentação para essas
abordagens. Nesse sentido, faz-se necessário, primeiramente, posicionar a
compreensão do corpo como elemento central na relação e na percepção que
temos do mundo e, consequentemente, como soma de diversas dimensões:
políticas, sociais, emocionais, espirituais, biológicas, sexuais, psicológicas,
religiosas, etc. Assim, entendendo esse corpo como uma soma em constante
transformação, também entendemos a dança como o movimento expressivo
dessas dimensões, ou seja, ao dançar, o corpo revela quem dança justamente por
acessar e movimentar essas dimensões e tantas outras que nos compõe. Seja nas
danças contemporâneas, modernas, clássicas ou nas diversas danças tradicionais,
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o corpo de quem dança ressignifica e revela suas memórias, histórias, sensações
e, também, as crenças e a cosmovisão de quem dança. Todavia, nosso interesse
em poéticas populares, negras e indígenas, nos faz reconhecer e ressaltar, em
nossos processos de formação acadêmica, a potência dos saberes e fazeres
tradicionais não apenas para os processos de criação e ensino em Dança de forma
isolada, mas, sobretudo, para pensar e agir no mundo com o corpo e através dele.
É nessa perspectiva que uma de nós, em sua tese de doutorado, propôs-se
a pensar o
corpo mitológico
como uma proposta de corpo cênico que considera
as dimensões espirituais sagradas e de composição cultural desse corpo que
dança, que é também considerado, nessa perspectiva, como manifestação, ou
canal de trânsito das dimensões sagradas que habitam o corpo e que,
consequentemente, podem revelar a relação entre o humano e o mito (Santinho,
2019). Portanto, podemos definir o
corpo mitológico
como um tipo de corpo cênico
que alcança o sagrado mitológico no momento da dança.
Para a discussão desse tipo de corpo cênico a partir das danças afro-
brasileiras e indígenas, são trabalhados os conceitos de inconsciente individual e
coletivo e de memória e, no que tange à prática de dança efetiva, esses conceitos
dialogam com visitas aos campos de pesquisa (comunidades indígenas e afro-
brasileiras que dançam seus mitos, que, por sua vez, revelam suas
espiritualidades) e posterior proposta psicofísica em laboratórios de dança, que
usa a improvisação como principal caminho de composição coreográfica.
Ao passo que outra de nós se dedicou, também em sua tese de doutorado,
a pensar o corpo limiar e as encruzilhadas. A hipótese central desse trabalho é a
de que, na capoeira angola e nos sambas de umbigada (batuque, jongo, tambor de
crioula e samba de roda), que se ressignificam na cidade de São Paulo na forma
de performance com caráter de jogo e/ou ritual, existe um corpo limiar.
O corpo limiar que transborda a cotidianidade, ocupa um lugar na
encruzilhada, onde identificações corporais de matriz africana banto,
elaboradas no processo histórico da formação cultural brasileira, são
atualizadas e recriadas. Trata-se de um corpo munido de uma potência
de expressividade e de símbolos que considero relevantes para serem
abordados no âmbito da cena contemporânea, pois representam parte
significativa da pluralidade que tece a cultura brasileira e a possibilidade
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da criação de novas encruzilhadas (Silva, 2010, p.xi).
Em contato com a manifestação afro-indígena do Cavalo Marinho da Zona da
Mata pernambucana, outra de nós se dedicou a descrever e analisar um processo
criativo em Dança impulsionado por estados corporais (Godard, 2003). Em seu
trabalho, ela dialoga com Boaventura de Sousa Santos e brincadores do Cavalo
Marinho, Inácio Lucindo, Aguinaldo da Silva e Fábio Soares, partindo do
reconhecimento da diversidade epistemológica do mundo e da exclusão de
saberes fora do cânone euro-estadunidense na formação de dança. O Cavalo
Marinho é abordado enquanto campo de conhecimento com o qual podemos
aprender e traçar relações para impulsionar processos criativos, ao considerar as
relações entre as metáforas conceituais (Lakoff, Johnson, 1999) do universo da
brincadeira e de suas corporalidades. A partir de tais relações, compreende-se as
dramaturgias da brincadeira e do brincador formadas por percursos de tempo e
espaço que passam por gerações e deslocamentos que envolvem as vidas dos
brincadores e os seus trânsitos na região da Zona da Mata Norte desde o período
colonial (Laranjeira, 2018).
As investigações em Dança, guiadas pela repetição e transformação das
dinâmicas corporais do Cavalo Marinho, permitiram novas leituras sobre os
sentidos da brincadeira ao propor percepções e reflexões sobre o que emerge nos
laboratórios de criação ao dançar. Assim, o estudo do Cavalo Marinho é um estudo
das percepções que as dinâmicas e as corporalidades da brincadeira provocam na
dançarina, por meio da observação das mudanças de seus estados corporais, na
confluência entre a imaginação, a memória corporal e a materialidade do
movimento, de forma que eles sejam propulsores de novas dramaturgias
corporais (Laranjeira, 2015).
A partir dessas trajetórias de formação e pesquisa, atualmente, inseridas em
instituições públicas de ensino superior, atuamos em cursos de Dança e Teatro
buscando refletir o lugar do corpo e das performances tradicionais enquanto
insurgências que resistem a uma necropolítica (Mbembe, 2018). Por necropolítica,
a partir das discussões do filósofo camaronês Achille Mbembe, compreendemos
a política de morte reinante na nossa contemporaneidade que subjuga a vida de
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pessoas negras e indígenas, seja pela bala da polícia, ou pelo mercúrio deixado
pelos mineradores nos rios. Ao nosso ver, é justamente nesse contexto de guerra
que as poéticas afro-indígenas trazem em si modos de produzir conhecimentos
que navegam na contramão das bases do pensamento colonialista que separa
cultura e natureza, corpo e razão, espírito e matéria. Tendo em vista o
protagonismo do corpo na produção desses conhecimentos, tais performances
culturais oferecem elementos para a construção de um pensamento-movimento
pautado em modos de existir contra-coloniais que podem instaurar formas de
“adiar o fim do mundo”, tal como propõe Ailton Krenak (2019).
O líder indígena, ambientalista e um dos pensadores mais ativos sobre a
atualidade no contexto brasileiro, questiona-nos sobre qual humanidade
pensamos ser ao afirmar que indígenas, e uma parcela enorme da população, não
se encaixam na ideia unitária e homogênea de humanidade forjada por homens
brancos. Essa seria uma certa humanidade que pensa ser independente de outros
seres, que não se vê como natureza, formada por consumidores e regulada pelas
mercadorias. A crítica ao capitalismo, feita por Krenak (2019, 2020), atrela-se à
denúncia de que a existência de outras cosmologias, outras formas de viver,
integradas com a vida da Terra e ao cosmos vem sendo ameaçada desde a
colonização. Essa ameaça não significa apenas a destruição dessas populações,
indígenas, quilombolas, aborígenes, mas de modos de viver que nos apresentam
outras formas de mundo possíveis. Seu chamado é para reavivarmos a experiência
da vida e, não à toa, o autor traz a dança para entrar nessa conversa:
Nosso tempo é especialista em gerar ausências: do sentido de viver em
sociedade, do próprio sentido de experiência da vida. Isso gera uma
intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de
experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de
pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança,
canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo
convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida .[…] E
a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre
poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos
adiando o fim (Krenak, 2019, p.19-20).
Concordamos com Krenak (2019; 2020) sobre a importância de contarmos ou
apoiarmos a contação de mais uma história. Praticamos essa ideia por meio da
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escuta das histórias de vida de discentes e de mestres e mestras das culturas
populares e tradicionais. Essas histórias nos impulsionam para dançar e criar
novas danças e, também, compreender outras maneiras de experimentar o
próprio corpo em movimento e as suas relações com o tempo, o espaço, os sons
e outros seres. As concepções de mundo afro-indígenas, tão atreladas às
espiritualidades diversas, convocam-nos a sonhar outros mundos que estão em
ação no nosso presente, embora constantemente invisibilizados.
As nossas abordagens artístico-pedagógicas apontam que um caminho
possível para isso acontecer seria o de lançar um olhar sobre o presente a partir
do passado, por meio da noção de ancestralidade. Acreditamos que, ao observar
como a ancestralidade opera em nossas vidas e nas performances afro-indígenas,
talvez, ela possa nos ensinar outras maneiras de pensar o tempo. Não
percorrendo-o por uma linha reta rumo ao progresso, como nos é ensinada a
cultura ocidental, mas procurando nos mover por suas dobras, suas curvas, nos
lembrando que mortos, vivos e aqueles que estão por vir nos compõem. Como
explica Tiganá Santana Neves Santos ao traduzir Bunseki Fu-Kiau:
[...] a ancestralidade n
ã
o
é
algo pret
é
rito, encerrado num passado com
marcos temporais definitivos. Ela
é
sempre atualizada por uma ideia de
origem,
à
qual se deve referir um(a) mukongo (pessoa kongo), uma vez
dado o sentido (necessariamente, coletivo) a sua pr
ó
pria vida. O ku
mpemba, insond
á
vel mundo espiritual,
é
um espa
ç
o-tempo de onde
partem os referenciais do todo vivenciado e imagin
á
vel, na perspectiva
bakongo, mas
é
, a cada devir, a proximidade do
ú
ltimo porvir
experienciado no ku nseke, mundo f
í
sico. No ku mpemba, lócus ancestral,
por excel
ê
ncia, encontram-se, conforme desenha o Dikenga dia Kongo
(cosmograma Kongo), for
ç
osamente, os est
á
gios musoni e luvemba de
qualquer ser existente, ou seja, o in
í
cio invis
í
vel e o fim vis
í
vel, de tudo o
que h
á
e pode ser capturado pela experi
ê
ncia humana bakongo (Santos,
2019, p.155).
Contextos
Rever os percursos de docentes e pesquisadoras atuantes em cursos de
Dança em um contexto de crise sanitária, ambiental, social e econômica é um
exercício de memória difícil de fazer sem se considerar o tempo presente, pois,
tais percursos não englobam apenas o período da pandemia de covid-19, tratam-
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Corpos insurgentes em performances de (re)existência
Renata de Lima Silva; Carolina Laranjeira; Gabriela Di Donato Salvador Santinho
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se também de experiências anteriores, mas que, sem dúvida, reverberam em
nossos modos de lidar com o ensino remoto, no qual estamos inseridos e inseridas
atualmente, no âmbito do ensino universitário. Assim, mostram-se ainda mais
importantes de serem relatadas e de continuarem a serem refletidas e
repensadas, justamente nesse momento em que a pandemia evidencia e
aprofunda as desigualdades sociais, raciais, de gênero e educacionais.
Por meio do, ou pela falta de contato com discentes, é possível compreender
que grande parte deles e delas está sem acesso às aulas, por não terem rede
Wi-
Fi
em suas casas, não possuírem equipamentos adequados ou por precisarem
trabalhar e garantir sua sobrevivência. Na decisão por suspender, ou não, os
estudos, parece pesar a questão de se o curso de Dança é prioridade dentro de
uma realidade de aumento do desemprego no país. Assim, cresce a urgência pelo
“ganha pão”, como dizemos no jargão popular, no sentido de conseguir empregos
ou trabalhos informais que garantam o sustento mínimo. Também, pode-se
perceber que as estudantes mães se esforçam em cuidar de seus filhos enquanto
assistem ou tentam assistir as aulas de suas casas.
Ao comparar o ensino público e o privado, deparamo-nos com um fosso: de
um lado, crianças e adolescentes com acesso às plataformas de ensino virtual,
materiais, didáticas específicas e conteúdos e, de outro lado, crianças disputando
o celular com familiares para receberem conteúdos de aula e fazerem seus
exercícios ou recebendo cadernos de atividades que, muitas vezes, não são
devolvidos para correção. Sem políticas públicas para remediar os problemas
causados pela necessidade do ensino remoto, os professores e as professoras da
rede pública se desdobram e se reinventam, às custas de sua saúde, para dar
conta do seu cotidiano de trabalho.
É sobre essa realidade que o ensino de Dança, baseado no reconhecimento
de culturas tradicionais, em conhecimentos das populações negras e indígenas,
pode atuar de forma a diminuir um pouco as desigualdades cognitivas e
epistêmicas e, talvez, ajudar algumas pessoas a passarem por esse momento
desolador que a sociedade brasileira vive, com um pouco mais de afeto e de
consciência política.
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Consideramos, ainda, importante apresentarmos a estrutura curricular
referente às danças em questão dos cursos de Dança nas três universidades em
que atuamos, e que nos permite experimentar metodologias de ensino e de
criação artística com os e as estudantes a partir das culturas já mencionadas. No
caso da Universidade Federal da Paraíba, três disciplinas se voltam para a
“subárea” de Danças Populares, como é chamado no Projeto Pedagógico, o campo
que engloba as disciplinas voltadas para aspectos teóricos e práticos das danças
oriundas de contextos tradicionais, a saber: Dan
ç
as populares: Matrizes Étnicas e
Corporalidades; Dan
ç
as Populares: Elementos t
é
cnicos e potencialidade criativa;
Dan
ç
as populares: investigações criativas e pedag
ó
gicas.
No projeto, tais disciplinas são apresentadas tanto nas ementas quanto no
corpo de seu texto, por um caráter crítico expresso, como, por exemplo, neste
trecho: “Ao aprofundar o conhecimento pr
á
tico e te
ó
rico das dan
ç
as populares, [o
egresso] poder
á
atuar para o fortalecimento da cultura local e para supera
çã
o de
preconceitos e hierarquias historicamente constru
í
das” (Universidade Federal da
Paraíba, 2018, p.12). A necessidade de compreender e de estudar as danças que
compõem folguedos, brincadeiras e rituais pretende ser de forma contextualizada,
historicizada, por meio do reconhecimento de suas matrizes étnicas, ou seja, não
folclorizada. Dentro da estrutura curricular, o viés reflexivo e crítico sobre as
relações de poder que compõem o que chamamos de “danças populares”
9
e a
problematização dos conceitos de tradição, popular e folclore, é desenvolvido na
disciplina Tradições Brasileiras, que precede as disciplinas de danças populares.
Na primeira dessas três disciplinas, trabalhamos com o conceito de
ancestralidade de forma operacional, desencadeado pela leitura do livro “Bisa Bia
Bisa Bel” de Ana Marina Machado
10
. Tal procedimento pedagógico, vivenciado em
disciplina mencionada na introdução, ministrada pela professora Inaycira Falcão
dos Santos, no nosso primeiro ano do curso de Dança na Unicamp, faz parte de
9
É interessante ressaltar que esse termo “danças populares” é bastante difundido entre grupos de dança,
muitas vezes, periféricos da região do nordeste. Esses grupos podem recriar performances tradicionais para
apresentações ou ser seus próprios fazedores, como, por exemplo, os grupos de quadrilha que se
identificam também como grupo de danças populares.
10
O livro trata da história de Bel e de sua bisav
ó
Bia, reconectadas por meio de uma antiga fotografia, relata
um encontro intergeracional comovente que abre campo para assuntos sobre pol
í
tica, g
ê
nero, rela
çõ
es de
classe, costumes, juventude e ancestralidade.
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sua proposta artístico-pedagógica intitulada Corpo e Ancestralidade (Santos, 2015).
Essa proposta que desperta a curiosidade sobre a nossa história familiar produziu
afetos que conduziram a curtos processos criativos. Tal experiência marcou a vida
de muitas e muitos estudantes e nos levaram a revisitá-la enquanto professoras.
A partir de tais procedimentos pedagógicos, pesquisas de iniciação científicas,
TCCs e produções artísticas vêm sendo elaboradas e inseridos também nas
discussões e nas trocas no âmbito do Grupo de Pesquisa CosMover: Dança em
Perspectivas Pluriepistêmicas
11
.
Apesar do Projeto Pedagógico do curso de Dança da UFPB não explicitar que
tais estudos contribuem para experiências de educação antirracista, é possível
inferir que sua estrutura curricular permite e estimula práticas nesse sentido
12
.
Consideramos ser pertinente avançar nas discussões sobre termos e conceitos
para que se visibilizem as questões étnicas e raciais que são estruturantes nessas
disciplinas, mas, também, que essas discussões permeiem outras tantas
disciplinas. Por esse viés, acreditamos que a abertura epistemológica necessária a
ser feita na universidade pode acontecer de forma completa quando houver
mais docentes, gestores e gestoras que sejam negras, negros e indígenas, além de
mestres e mestras tradicionais ministrando disciplinas curriculares, a exemplo do
projeto Encontro de Saberes
13
.
No caso da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, há a disciplina de
“Danças Brasileiras” no curso de Artes Cênicas, um curso bivalente (que forma
11
O Grupo concentra pesquisas que produzem conhecimento na área de Dança e de Artes Cênicas,
entrecruzando saberes oriundos de contextos culturais diversos. Ele abrange pesquisas no campo artístico,
tradicional e popular, considerando a multiplicidade epistemológica, ontológica, estética e ética das danças,
rituais e brincadeiras populares. O grupo produz conhecimento com e sobre modos de mover e criar a partir
de diferentes existências e de relações com o mundo. Além disso, ele busca o (re)conhecimento de
metodologias centradas nos saberes do corpo fundamentadas em práticas somáticas em diálogo com as
corporalidades de culturas contrapostas e questionadoras da colonialidade.
12
Além dessas disciplinas, a atenção sobre questões locais e expressões regionais também se reflete em uma
das três disciplinas que aborda aspectos da história da dança, intitulada “Modernidade na Dança Brasileira
e Paraibana”, assim programada e ministrada pelo Prof. Dr. Guilherme Schulze.
13
“O projeto Encontro de Saberes é uma proposta concreta de formação intercultural para o ensino formal,
capaz de promover uma dupla inclusão: das artes e saberes tradicionais na grade curricular e,
simultaneamente, dos mestres e mestras tradicionais na docência. Trata-se de uma intervenção teórico-
política de tipo transdisciplinar, que busca descolonizar o modelo de conhecimento ensinado nas
universidades” (INTCTI/UNB/CNPQ, 2015, p. 02). É um projeto, idealizado pelo professor José Jorge de
Carvalho, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na
Pesquisa (INCTI), que resulta de uma parceria estabelecida junto à Universidade de Brasília (UnB) e ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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licenciados em Teatro e em Dança), que está em extinção, dando lugar a dois
novos cursos: uma licenciatura em Teatro e outra em Dança. Nesses dois novos
Projetos Pedagógicos, investiu-se em inserir três disciplinas ligadas às pesquisas
que considerem a diversidade e a presença dos povos originários no estado do MS
e a importante discussão que essa presença gera (ou pelo menos deveria gerar)
na formação de professores e professoras. Em consonância com essa proposta
do curso, na primeira disciplina ofertada, “Danças e Expressões Brasileiras”,
ministrada no segundo ano de ambos os cursos (Teatro e Dança), busca-se a
observação, a prática e a reflexão das manifestações populares nacionais, suas
territorialidades, as fronteiras simbólicas, religiosas, mitológicas e os conteúdos
étnico-raciais que atravessam a construção de suas estéticas e poéticas na cena
e na educação. Essa disciplina visa, portanto, estabelecer um contato inicial, porém
crítico, a respeito da diversidade que compõe o Brasil e o estado de Mato Grosso
do Sul, introduzindo os principais conceitos sobre as danças e as expressões do
Brasil, a partir do pensamento e da cosmologia dos povos originários.
Na segunda disciplina, exclusiva do curso de Dança, “Danças Brasileiras e
Processos Educacionais”, a proposta é promover a prática e a reflexão acerca do
corpo brasileiro que dança e do trabalho com inventários pessoais, ancestrais e
culturais como caminho pedagógico. Nessa etapa de aprendizado, as alunas e os
alunos fazem pesquisas sobre suas próprias ancestralidades junto de seus
familiares, entendem esse conceito e buscam refletir sobre ele em práticas
pedagógicas voltadas para a educação básica. Assim, é possível, também, refletir
sobre o aspecto colonizado e colonizador dos currículos escolares e pensar sobre
possíveis formas de subvertê-los a partir do corpo expressivo das danças
populares brasileiras.
A terceira e última disciplina, também exclusiva do curso de Dança, “Danças
Brasileiras e Processos Criativos”, apresenta as danças brasileiras e suas matrizes
corporais como objetos de pesquisa e criação cênica em dança, além de promover
a experiência com a pesquisa de campo e a composição coreográfica a partir das
danças populares presentes no Mato Grosso do Sul e no Brasil e de seus
desdobramentos enquanto conteúdo da dança na educação. Nessa disciplina, os
alunos e alunas são convidados a conhecerem pessoalmente e sensivelmente as
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manifestações populares presentes no estado de Mato Grosso do Sul, a partir de
visitas às comunidades que dançam. Essa etapa é essencial para posteriores
processos criativos e artísticos que se desdobram dessas visitas e que se
concretizam como estudos coreográficos críticos e reflexivos sobre as realidades
e diversidades da dança e dos povos do Brasil.
As três disciplinas dialogam entre si e buscam promover reflexão sobre a
colonização do corpo e do pensamento em dança e subverter as propostas
educacionais que deixam de lado os conteúdos afro-indígenas das práticas de
dança. A partir dos trabalhos teóricos e práticos desenvolvidos nessas disciplinas,
os acadêmicos e acadêmicas, que se identificam com as propostas, aproximam-
se do Grupo de Pesquisa em Danças Populares Brasileiras “Renda que Roda”
14
, no
qual os estudos teóricos e práticos a partir das epistemologias e de poéticas afro-
indígenas são aprofundados.
Importante destacar que, nos três cursos em questão, Artes Cênicas (em
extinção), Licenciatura em Teatro e Licenciatura em Dança e também no grupo
“Renda que Roda”, a presença de discentes indígenas e de afrodescendentes
atualiza, ano após ano, não as disciplinas, mas o pensamento de toda a
estrutura do curso que recebe e tenta incorporar os saberes e os modos de ensinar
e aprender a dança, mesmo que ainda estejam presentes muitas resistências por
parte de toda a estrutura universitária, em que o pensamento colonizador ainda é
soberano.
o curso de Dança da Universidade Federal de Goiás foi criado a partir do
REUNI o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais, que teve o objetivo de ampliar o acesso e a permanência
na educação superior. O curso foi proposto pela Faculdade de Educação Física,
que, com importante parceria da Escola de Música e Artes Cênicas, fundou, em
2011, o curso de licenciatura em Dança, tornando-se a FEFD Faculdade de
Educação Física e Dança.
14
O Grupo de Pesquisa em Danças Populares Brasileiras Renda que Roda é um grupo vinculado aos cursos de
Dança e Teatro da UEMS e ao Mestrado Profissional em Educação da mesma universidade e ao Mestrado
Profissional em Artes da UEMS. O grupo tem duas frentes de trabalho: a cênica e a educacional, e ambas se
retroalimentam e promovem trabalhos teóricos e corporais a partir das epistemologias e do corpo afro-
indígena que dança.
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A despeito de tensões históricas entre os campos da Dança e da Educação
Física, por conta de mercado de trabalho e também de questões conceituais, o
curso, vinculado à área de Artes, foi bem recebido na unidade, contando com boa
infraestrutura e com o apoio dos e das colegas da EF, altamente engajados com a
educação, o que faz com que, desde o nascimento do curso, ressalte-se seu
caráter de formação de professores e sua preocupação com a educação básica.
O Projeto Pedagógico (PPC) do curso, vigente desde sua fundação, encontra-
se, neste momento, em fase de reformulação para adequação às novas diretrizes
para os cursos de licenciatura, todavia, mantém como objetivo “[...] possibilitar a
formação, em nível de graduação, de professores de dança para atuação em
diferentes contextos educacionais, incentivando a atividade crítica, criadora,
transformadora e interdisciplinar, afirmando a autonomia artística, científica e
pedagógica no âmbito da dança voltada à Educação” (Universidade Federal de
Goiás, 2013, p.07).
Entre os objetivos específicos do PPC aparece a preocupação em “Capacitar
os licenciados em Dança para a valorização e realização de pesquisas de
elementos extraídos do universo cultural contemporâneo e popular brasileiro para
o ensino de dança” (Universidade Federal de Goiás, 2013, p.07). A pauta relativa ao
contexto cultural popular brasileiro aparece de forma mais direta em duas
disciplinas: Fundamento das Danças Populares e Metodologia de Ensino e Pesquisa
em Dança II.
A primeira tem como ementa “[...] as danças populares brasileiras e seus
contextos de origem, suas realidades míticas, do imaginário, do ritual, da festa, do
sagrado e do profano. Aprendizado de vocabulário e apreensão de símbolos
provenientes de manifestações populares. Estudo da cultura imaterial produzida
pela sociedade brasileira e suas diversidades”. Nessa disciplina, ministrada logo no
segundo semestre de curso, a primeira intenção é a de aproximar os e as
estudantes de fatos e experiências que podem ser compreendidas como advindas
das culturas populares brasileiras. Todavia, antes de apresentar uma definição do
conceito pronto de cultura popular os e as estudantes são convidados e
convidadas a pinçar, de suas memórias, experiências que possam nos ajudar a
construir entendimentos de saberes e fazeres populares utilizando como critério
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a ideia de “vivacidade cultural” (Silva e Falcão, 2016).
O aumento da diversidade em sala de aula nos a possibilidade de ouvir
depoimentos muito distintos, de quilombolas que falam de seu contado com a
Suça, com a Folia de Reis ou de São Sebastião, de indígenas que trazem sua
experiência com rituais de passagem, maranhenses que conhecem ou ouviram
falar de Bumba meu Boi, mas, também, de estudantes, que, em função de uma
vinculação religiosa neopentecostal, não foram autorizadas ou autorizados a
participarem de nenhuma atividade relacionada aos santos católicos e/ou de
matriz africana.
Esse desafio inicial, dirigido aos e às estudantes, pode provocar, ainda, uma
expressão de estranhamento, seguido por relatos de que se tem pouco ou nenhum
contato com as manifestações oriundas das culturas populares. Até que, em um
determinado momento da roda, alguém se lembra das festas juninas da escola,
de uma aula ou outra de capoeira, de um trabalho que fez na escola etc.,
demonstrando certa dúvida se essas experiências são representativas de culturas
populares. Quando isso acontece, jogamos o estímulo para que esses e essas
estudantes contem como brincavam na infância. No sorriso no rosto e no brilho
do olho da pessoa que se lembra de brincadeiras de rua ou da fazenda, como
pular amarelinha, pular cela, soltar pipa, pega-pega e subir em árvore,
conseguimos discutir o poder da memória como um primeiro conceito chave para
se chegar à construção de um entendimento conceitual sobre cultura popular.
Assim, elegemos a memória como um primeiro elemento para se construir um
entendimento sobre o que seriam as culturas populares.
Nas divergências sobre o nome de determinada brincadeira, que pode diferir
de uma cidade para outra, ou, ainda, na surpresa do contato de alguns com
manifestações bastante específicas de sua região de origem, como, por exemplo,
uma paraense dizer que em sua terra tem carimbó, uma oportunidade para
discutirmos sobre a diversidade da cultura brasileira e como os aspectos regionais
podem implicar sobre as práticas. Seguindo na conversa, uma outra questão é
jogada na roda:
E como vocês festejam? Qual dança vocês fazem para festejar?
Com grande animação, o
k-pop
, o
funk
, o arrocha, o pagode baiano, o samba, o
axé e o sertanejo começam a pular na roda e essa é uma boa oportunidade para
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conversarmos sobre mídia, indústria cultural e suas relações com as práticas
populares. Esse debate exige delicadeza para não parecer que se desvaloriza essas
práticas que fazem parte da cultura de dança da grande maioria do corpo discente.
Evidentemente, não se trata de desvalorizar e, sim, de chamar a atenção para
saberes e fazeres pouco reconhecidos, invisibilizados ou folclorizados em nossos
processos de formação escolar. Situar a discussão em um campo político é
fundamental para se compreender a importância dessa pauta no PPC do curso,
no sentido de promover justiça sociocognitiva.
Com essas discussões, antes de adentrar o conteúdo de manifestações
expressivas, como a capoeira angola, o jongo, o bumba meu boi, o samba de roda
e etc., a turma é convidada a estar mais atenta às histórias de suas famílias e, em
especial, de seus antepassados, tendo, na escuta de seus mais velhos e mais
velhas (mães, tias, avós, bisavós), um portal para esse passado.
A ideia é que esse estado de curiosidade fique instalado até o quinto período
do curso, quando, na disciplina de Metodologia e Ensino em Dança II, essa turma
é convidada a revisitar essas memórias, dançá-las e pensar o ensino da dança a
partir daí.
A disciplina em questão tem como ementa: “Estudo dos desdobramentos
das danças populares brasileiras em conjunção com a história pessoal e com as
possibilidades de criação em dança, utilizando como recurso a pesquisa de campo.
Observação, análise e avaliação de processos de ensino-aprendizagem e
organização pedagógica, a partir do referencial das danças populares brasileiras”.
O processo de desenvolvimento dessa segunda disciplina envolve um processo de
muitas emoções e descobertas, mas, também, de tensões, tanto por conta de
aspectos mais íntimos das famílias que acabam por ser revelados, como, também,
e no que mais interessa para a disciplina, diz respeito às tensões étnico-raciais,
que frequentemente revelam memórias soterradas de antepassados indígenas e
negros e de suas práticas culturais.
As experiências vividas nesses componentes curriculares, somadas aos
esforços teóricos de docentes do curso em suas pesquisas acadêmicas, sobretudo
no que diz respeito ao Núcleo de Pesquisa e Investigação Cênica Coletivo 22
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(NuPICC)
15
, têm revelado uma necessidade de pensar esse percurso pedagógico e
de criação como uma metodologia e, ainda, de chamar a atenção para as poéticas
afro-ameríndias, tanto no intuito de evitar o campo escorregadio do debate teórico
sobre o conceito de cultura popular, que nossa preocupação, em grande medida,
é muito mais a de colocar memórias e a vivacidade cultural em movimento,
evocando a ancestralidade. Longe de apenas reproduzirmos as danças e as
tradições que buscamos destacar em nossas abordagens cênicas e educacionais,
propomos, cada uma a sua maneira, refletir e dançar a partir delas, deixando-as
como fios condutores de processos criativos, teóricos e pedagógicos.
A combinação entre estrutura curricular e projetos pedagógicos e artísticos
em consonância com as histórias de vida de estudantes, muitas vezes, oriundos e
oriundas de comunidades tradicionais, colabora com a abertura de fissuras na
monocultura do saber, instaurada na universidade desde a sua criação. Em nossos
contextos educacionais, resguardando as devidas particularidades, temos tido a
oportunidade de combinar a busca por aspectos da história pessoal de cada
estudante, que serve de materialidade em processos criativos autobiográficos com
pesquisas de campo sobre práticas culturais tradicionais. Em alguns casos,
podemos perceber que o processo pedagógico permite um processo de
reconhecimento étnico ou racial, ou o fortalecimento de um vínculo comunitário,
a partir do mergulhar na própria identidade e ancestralidade.
Algumas reflexões conceituais
[...] a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é
uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de
significação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis,
com cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos
temporariamente (Hall, 2001, p.13).
15
O NuPICC é um grupo de pesquisa que surge a partir da companhia artística Núcleo Coletivo 22. Embora
ainda bastante vinculados, a partir de 2014, cada qual assume autonomia: o NuPICC como espaço de
discussão e formação artístico-acadêmica e o Núcleo Coletivo 22 como grupo dedicado à produção artística
e cultural. Vinculado à UFG e cadastrado no diretório de grupos de pesquisa do CNPq, o NuPPIC, é constituído
de discentes e docentes que atuam na Faculdade de Educação Física e Dança, na Escola de Música e Artes
Cênicas, no Programa de Pós-graduação em Artes da Cena, no Programa de Pós-graduação em
Performances Culturais e, ainda, docentes do IFG, UFV e UEG.
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Embora neste artigo nossa preocupação seja mais a de refletir sobre nossas
práticas docentes do que a de defender conceitos, não nos cabe abordá-los de
modo leviano, sobretudo se considerarmos a importância do conceito de
identidade para as ciências humanas. Assim, é importante considerar o que alerta
Hall (2001), sobre a “[...] multiplicidade desconcertante e cambiante das
identidades possíveis”, como, também, os aspectos levantados por Denys Cuche
(2002) a respeito da identidade ser sempre uma negociação entre uma
autoidentidade e uma heteroidentidade, ou uma exoidentidade definida pelos
outros, pois a identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente
consciente, baseada em oposições simbólicas.
Assim como a noção de identidade, no ensino da dança a partir de poéticas
populares, negras e indígenas, a noção de ancestralidade também emerge como
um conceito fundamental. Ao conceituar a ancestralidade, também levamos em
conta o que ressalta Nego Bispo (2015) sobre o fato das práticas, lutas, símbolos e
metáforas dos povos tradicionais serem também produção conceitual, e, depois,
percebemos as noções de tempo, identidade, espiritualidade e memória de forma
imbricada a partir de povos e culturas tradicionais, como um posicionamento de
resistência frente a colonialidade, como nos parece indicar Silvia Riviera
Cusiquanqui (Cusiquanqui, 2010, p.54-55, apud Oliveira, 2020, p.144):
Não pós nem pré em uma visão da história que não é linear nem
teleológica, que se move em ciclos e espirais, que marca um rumo sem
deixar de retornar ao mesmo ponto. O mundo indígena não concebe a
história linearmente, e o passado-futuro estão contidos no presente: a
regressão ou a progressão, a repetição ou a superação do passado estão
em jogo em cada conjuntura e dependem de nossos atos mais do que
de nossas palavras. O projeto de modernidade indígena poderá aflorar do
presente, em uma espiral cujo movimento é um contínuo retroalimentar-
se do passado sobre o futuro, um “princípio esperança” ou “consciência
antecipante” que vislumbra a descolonização e a realiza ao mesmo
tempo.
Com semelhante concepção de tempo, Leda Maria Martins (2002) nos
apresenta a noção de ancestralidade que percebe operar em manifestações como
o congado mineiro, a partir de concepções filosóficas africanas. Para a autora, “[...]
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a primazia do movimento ancestral, fonte de inspiração, matiza as curvas de uma
temporalidade espiralada, na qual os eventos, desvestidos de uma cronologia
linear estão em processo de uma perene transformação” (Martins, 2002, p. 85).
É em processos de reconhecimento de identidades e ancestralidades que
nos parece possível ouvir vozes silenciadas e ver corpos e poéticas invisibilizadas.
Em meio a processos de reconhecimento das histórias pessoais por meio das
pesquisas dos e das estudantes, percebemos não só contribuições específicas de
cada uma dessas culturas (negra e indígena), em si mesmas plurais, mas, também,
das especificidades de seus cruzamentos, devido ao processo histórico local. O
que nos leva a concordar e procurar compreender aquilo que Márcio Goldman
(2014) e diferentes pesquisadoras e pesquisadores vêm chamando de relação
afroindígena
ao se contraporem à noção de mestiçagem em favor da ideia de
contra-mestiçagem:
Trata-se, na verdade, de identificar e contrastar não aspectos históricos,
sociais, ou culturais em si, mas princípios e funcionamentos que podem
ser denominados ameríndios e afro-americanos em função das
condições objetivas de seu encontro. Pois o que se deve comparar não
são traços, aspectos ou agrupamentos culturais, mas os princípios a eles
imanentes (Goldman, 2014, p.216).
Como define o autor, a partir do trabalho de Cecília Campello Mello, a relação
afroindígena se apresenta por situações de convergência circunstanciais, “[...] não
é algo da ordem da identidade nem mesmo do pertencimento, mas da ordem do
devir, do que se torna, do que se transforma em outra coisa diferente do que se
era e que, de algum modo, conserva uma memória do que se foi” (Mello, 2003,
p.95, apud Goldman, 2014, p.213).
A percepção das convergências se também na maneira como as
corporalidades se apresentam, nas pesquisas práticas, nos processos de criação
e nos resultados cênicos, articulados à espiritualidade. Ao dialogarem com o
campo de pesquisa e com suas ancestralidades, trazem outras formas de dançar
e produzir estados de presença (Louppe, 2007).
O reconhecimento étnico e racial, por meio da valorização de percursos de
vida, permite que a ancestralidade atue na dança de cada estudante e produza
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outras relações no tempo e expanda a noção de corpo e estados. A corporalidade
ou soma, constituído fortemente pela noção de individualidade e interioridade em
comunicação com o meio na dança, requer um pensamento que o vincule às
forças e seres cujos corpos se encontram em dimensões não visíveis, talvez, na
combinação entre materialidade e imaterialidade, ou, ainda, entre corpo e
espiritualidade.
Na urgência de sonharmos e realizarmos outros mundos, pensar a dança a
partir de perspectivas afroindígenas pode gerar estéticas, poéticas e condutas
educacionais que não fragmentem o ser humano e nem a sua condição
inseparável da natureza e do cosmos.
Na esteira desse debate, a ideia de poética afro-ameríndia assume um lugar
político de “se dar a ouvir e ver” os silêncios e invisibilidades provocadas pelo
colonialismo. Nessa poética, estão contemplados os fazeres e saberes tradicionais,
mas que são observados por meio de lentes próprias do campo da arte, como
aquelas do cinema ou da fotografia que podem revelar a potência artística de uma
cena absolutamente cotidiana.
Reencontro e desdobramentos inconclusivos
Nesse tempo que se dobra, desde o momento em que éramos estudantes
de graduação até este em que refletimos sobre nossas práticas pedagógicas,
podemos observar pequenas e grandes mudanças no contexto social e acadêmico.
Nos identificamos, ao reconhecer nos nossos e nas nossas discentes, o
encantamento, a surpresa ou a confirmação ao (re)conhecer danças e
corporalidades de contextos tradicionais como campo de investigação e criação.
Percebemos a enorme diferença em conviver no contexto universitário com a
diversidade de classe, étnica e cultural, trazida pelos próprios estudantes devido
às cotas e a não "centralidade" de nossos locais de trabalho. Na verdade, ao sair
do "centro", apenas confirmamos que a noção de centro é forjada e que podemos
estudar, produzir e compreender a dança desde muitos centros, por isso, devemos
ressaltar essa pluralidade.
Poéticas Afro-ameríndias no ensino superior de Dança:
Corpos insurgentes em performances de (re)existência
Renata de Lima Silva; Carolina Laranjeira; Gabriela Di Donato Salvador Santinho
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Ao mesmo tempo em que percebemos os avanços causados pelo maior
acesso à educação superior por meio da ampliação da oferta de cursos, das cotas
raciais e para ensino público, não podemos deixar de notar o aumento da procura
por cursos de Artes de pessoas com formação artística cristã. Os conteúdos
práticos e as reflexões sobre o fazer de danças vinculadas às cosmovisões que
não separam espiritualidade de suas elaborações estéticas, tencionam o cotidiano
universitário e nos colocam em constante desafio. Se, por um lado, os
preconceitos propagados por uma formação religiosa agonística e proselitista,
como a dos neopentecostais, podem ser desconstruídos nas aulas, por outro, a
busca por uma formação de dança que sustente fundamentos religiosos
permanece. Longe de resolvermos essas questões, reafirmamos a importância de
proporcionarmos, por meio do contato direto com interlocutores das culturas
afro-indígenas, as informações necessárias para desdemonizar suas religiões.
Também, reconhecemos a diferença entre as abordagens pedagógicas
vivenciadas em nossa graduação e as que praticamos hoje. Mesmo considerando
as nossas, metodologias em processo, identificamos que não buscamos a
universalidade ou pontos em comum dentro da diversidade das danças ditas
brasileiras, mas muito mais, as singularidades e pluralidades de modos de dançar,
compreender e produzir a dança. A noção do contemporâneo se coloca pela
necessidade de estarmos no nosso tempo e falarmos das questões emergentes
do nosso entorno, que nos atravessam e se dão por meio da escuta. Escutar
nossos e nossas estudantes e dialogar com eles e elas nos possibilita novos
processos artísticos e pedagógicos.
No nosso percurso, as noções de ancestralidade e de espiritualidade
percorrem e entrelaçam poéticas da dança ancoradas nos saberes indígenas e
afro referenciados. Os procedimentos pedagógicos pautados na busca pelas
histórias pessoais e no reconhecimento e problematização das culturas
tradicionais e populares também parecem convergir. A atenção para que os
saberes corporais, devocionais e performáticos sejam compreendidos enquanto
conhecimento também é um ponto crucial nas nossas abordagens. O
reconhecimento ontológico e epistemológico expressos nos modos de dançar,
atuar, cantar, compor, performar, festejar, celebrar e ritualizar fundamentam as
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práticas investigativas e possibilitam o diálogo com as poéticas afro-indígenas.
Poéticas essas que, por vezes, reconhecemos como afro-ameríndias por
percebermos que as questões de identidade estão para além das fronteiras
nacionais e que o reconhecimento de nossa amefricanidade (Gonzalez, 1988) é um
lugar de resistência.
O reencontro também nos proporciona a percepção das diferenças entre
nossos percursos e ações ao nos colocar como pesquisadoras em contextos
diversos. Assim, nos parece interessante levantar questões que repercutem nas
nossas pesquisas.
Os diferentes termos e denominações utilizados para se falar de danças e
práticas culturais indígenas e negras que dão título para as disciplinas as quais
ministramos precisam ser problematizados. Eles indicam o quê? Quais os
pensamentos por trás desses termos? É possível abarcar a pluralidade de sentidos
que esses termos sugerem? Danças populares, danças tradicionais, danças
brasileiras, danças do Brasil, danças afro-indígenas, danças afro-ameríndias,
danças afro-brasileiras, danças negras etc. Para essa problematização, talvez seja
importante compreender que diferentes modos de nomear as disciplinas dizem
respeito às particularidades dos Projetos Pedagógicos em seus contextos. E, ainda,
levando em consideração o que alertou Antônio Bispo dos Santos (2015) sobre
o fato de
nominar
ser uma das etapas da disputa de poder, frequentemente
utilizada para
dominar
, parece-nos que resistir a essa dominação colonial passa
por rever conceitos generalizantes em cada contexto e por compreender as pautas
políticas que emergem deles.
Vale lembrar que os conceitos, as identidades e os processos culturais têm
seus sentidos e usos definidos pelos contextos e circunstâncias. Os conceitos nem
sempre cabem nos termos e quase sempre as práticas transbordam tanto os
termos como os conceitos, dadas as suas dinamicidades. Nesse sentido, a nossa
vivência com a dança, isto é, com conhecimentos incorporados, confirmam que,
muitas vezes, o movimento é o próprio pensamento do corpo e que experiências
como essas podem escapar de definições muito categorizantes.
Assim, esse reencontro, que nos faz refletir sobre nossas práticas desde
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nosso encontro no curso de Dança da Unicamp, não chega a fornecer respostas à
realidade catastrófica em que nos encontramos em meio a uma crise política e
sanitária. Mas, sem dúvida, faz-nos levantar algumas questões: nossas práticas
apontam para futuros possíveis? Como tais abordagens artísticas e pedagógicas
podem contribuir para reformulação de práticas cotidianas, de subjetividades
capturadas pelas novas facetas da colonialidade frequentemente atualizadas pelo
capitalismo? É possível fazer do exercício profissional com a dança uma prática
de vida contra-colonial?
Para seguir em nossa trajetória de artistas e docentes, podemos, ao menos,
levar em consideração a importância de assumir a dança e o saber sensível como
lócus de produção de conhecimento. Além disso, com o trabalho específico com
os saberes e fazeres das comunidades tradicionais, podemos estimular a
compreensão de que não somos apartados e apartadas da natureza e do cosmos
e, portanto, fazemos parte de uma complexa teia de produção cultural e identitária
que se tensiona no campo político.
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Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br