Traduções

Uma teoria formal de funções tonais generalizadas

Formal theory of generalized tonal functions

Teoría Formal de Funciones Tonales Generalizadas

 Felipe Defensor Martins 1

Universidade de São Paulo, Brasil

 

Revista Orfeu

Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

ISSN: 2525-5304

Periodicidade: Contínua

vol. 7, núm. 2, 2022

revistaorfeu@gmail.com

Recepção: 11 Maio 2022

Aprovação: 12 Julho 2022

 

URL: https://periodicos.udesc.br/index.php/orfeu/article/view/22011

DOI: https://doi.org/10.5965/2525530407022022e0401

Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação.


Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.

Resumo: Tradução do seminal artigo A Formal Theory of Generalized Tonal Functions de David Lewin, publicado em 1982, que prefigura algumas ideias mais tarde desenvolvidas em Generalized Musical Intervals and Transformations (LEWIN, 1987) e que dariam origem à teoria transformacional e à teoria neorriemaniana. No artigo é construída, por meio de formalização matemática, uma estrutura denominada Sistema Riemann, que generaliza certos conceitos pertinentes à teoria da música tonal, como o de função harmônica e o de função melódica. São também conceituadas transformações que relacionam Sistemas Riemann entre si, abarcando e estendendo o escopo das transformações riemanianas tradicionais. Tais transformações podem ser interpretadas como correspondentes a outras noções teóricas familiares, como a transposição, a inversão, o “se tomar a relativa”, o “se tomar a mediante”, entre outras. Algumas pequenas análises de excertos de Wagner, Brahms, Stravinsky e Beethoven são elaboradas a título de mostrar a pertinência da teoria desenvolvida para a análise musical.

Palavras-chave: Funções Tonais Generalizadas, David Lewin, teoria transformacional, Hugo Riemann, análise musical.

Abstract: Translation of the seminal article A Formal Theory of Generalized Tonal Functions by David Lewin, published in 1982, which foreshadows some ideas later developed in Generalized Musical Intervals and Transformations (LEWIN, 1987) and which would give rise to transformational theory and neo-Riemanian theory. The author builds, through mathematical formalization, a structure called the Riemann System, which generalizes certain concepts pertinent to the theory of tonal music, such as harmonic function and melodic function. Transformations that relate Riemann Systems to each other are also conceptualized, embracing and extending the scope of traditional Riemannian transformations. Such transformations can be interpreted as corresponding to other familiar theoretical notions, such as transposition, inversion, “taking the relative”, thetaking the mediant”, among others. Some short analyzes of excerpts from Wagner, Brahms, Stravinsky and Beethoven are elaborated in order to show the relevance of the theory developed for musical analysis.

Keywords: Generalized Tonal Functions, David Lewin, transformational theory, Hugo Riemann, musical analysis.

Introdução

O texto a seguir é uma tradução do artigo A Formal Theory of Generalized Tonal Functions de David B. Lewin, publicado pela Duke University Press em 1982 no primeiro número do 26º volume do Journal of Music Theory. O artigo é conhecido por apresentar o embrião de ideias que seriam posteriormente desenvolvidas em Generalized Musical Intervals and Transformations, a obra mais influente do autor, que inaugura a teoria transformacional e prefigura o que se conhece atualmente como teoria neorriemaniana. Além de seu caráter precursor, Generalized Tonal Functions traz uma construção teórica com valor autônomo, o Sistema Riemann, que generaliza diversos aspectos tradicionais da teoria sobre música tonal.

David B. Lewin (1933–2003) foi um compositor, intérprete e prolífico teórico americano, já chamado de “o mais original e abrangente teórico de sua geração” (COHN, 2001). Graduado em matemática pela Universidade de Yale, estudou composição com Roger Sessions e teoria com Milton Babbit (COHN, 2001). É o mais relevante pesquisador da segunda geração de teóricos do que hoje conhecemos como teoria pós-tonal, seus escritos englobam, entre outros assuntos, o desenvolvimento de formalizações matemáticas voltadas para teoria e análise musical (e.g. (LEWIN, 2007)), análise musical propriamente dita (LEWIN, 1993) e metodologia da teoria e análise musical (LEWIN, 1969, 1986).

Um Sistema Riemann, o construto matemático central de A Formal Theory of Generalized Tonal Functions, é elaborado pela generalização de um método comum de se obter “um sistema de funções e relações tonais” a partir de uma tônica, de um intervalo dominante e de um intervalo mediante. Essa construção permite que sejam generalizados, entre outros, os tradicionais conceitos de tônica, dominante, subdominante, mediante e submediante. Lewin também relaciona os Sistemas Riemann entre si por certas operações. Algumas delas correspondem a conceitos familiares como “tomar a tonalidade relativa”, “tomar a tonalidade dominante”, “transpor por N semitons” e “inverter” enquanto outras estabelecem relações originais. Combinando as transformações de certas maneiras, é possível obter diversos grupos, no sentido matemático, antecipando o papel que esse conceito viria a ter em Generalized Musical Intervals and Transformations (LEWIN, 2007). Relevante também é o fato de que três dessas operações (TDINV, TMINV e MDINV) se tornariam posteriormente as operações neorriemanianas básicas P, L e R. O artigo também conta com breves exemplos de aplicações analíticas dos conceitos trabalhados, em composições de Wagner, Brahms, Stravinsky e Beethoven.

Uma Teoria Formal de Funções Tonais Generalizadas

David Lewin

Nosso ponto de partida é um método comum para construir um sistema de relações e funções tonais, dados uma classe de altura tônica T, um intervalo dominante[2] d e um intervalo mediante m. Esse método é retratado na Fig. 1.

Na Figura, vemos um sistema de Dó maior[3] construído dados a classe de altura tônica T = C, o intervalo dominante d = quinta (módulo a oitava) e o intervalo mediante m = terça maior (módulo a oitava). Da nota tônica., construímos notas distantes por um intervalo de dominante e um intervalo de mediante, isto é, G = C+d e e = C+m. Junto com a nota tônica, essas notas, dominante e mediante, constituem a tríade tônica do sistema. Em seguida construímos uma tríade dominante, que consiste na nota dominante G junto com as notas D = G+d e b = G+m que distam os intervalos d e m, respectivamente, de .. De forma similar, construímos uma tríade subdominante abarcando a nota tônica ., a nota subdominante F da qual C dista o intervalo ., e a nota submediante a, que dista o intervalo m da nota subdominante .. Como F é construída para satisfazer a relação F+d = C, podemos escrever simbolicamente F = C-d; dessa maneira a = F+m = C-d+m.

A união pela teoria dos conjuntos das três tríades geradas até o momento pode ser denominada “conjunto diatônico” para o sistema, isto é, o conjunto não-ordenado composto pelas sete classes de altura sob consideração. O método de geração sugere um ordenamento específico para o conjunto diatônico, condensando e agrupando a estrutura desenvolvida na parte superior da Fig. 1. Essa ordenação é exibida pela série FaCeG. na parte inferior da Figura. A série será chamada de “lista canônica” para o conjunto diatônico do sistema que está sendo construído. Letras maiúsculas são utilizados para denotar classes de altura geradas pela nota tônica e por vários múltiplos do intervalo dominante: C, F = C-d, G = C+d, D = G+d = C+2d. Letras minúsculas denotam classes de altura cuja geração envolve o intervalo de mediante: e = C+m, b = G+m, a = F+m.



Figura 1
Construção de um sistema de Dó maior

Certas características do sistema, como será notado, são condições necessárias do próprio método construtivo, independente dos tamanhos de d e m. Por exemplo, as tríades dominante e subdominante devem necessariamente ser formas transpostas da tríade tônica. O intervalo da nota mediante T+m para a nota tônica T deve ser -m, e o intervalo da nota mediante T+m para a nota submediante T-d+m deve ser -d; dessas relações, segue que a “tríade submediante”, isto é, o conjunto que abarca as notas T-d+m, T e T+mT + m, deve ser uma inversão da tríade tônica. E assim por diante.

Para além de tais características internas necessárias do sistema, o método construtivo também induz algumas relações formais necessárias entre o sistema e certos sistemas construídos de forma similar. Por exemplo, o sistema da Fig. 1, cuja lista canônica é FaCeGbD, possui certas relações necessárias com outros sistemas de construção similar, por exemplo, aqueles com as listas canônicas FA.Ce.Gb.D, Db.Ge.Ca.F, CeGbDf#A, DfAcEgB, e assim por diante.

Nesse artigo, iremos generalizar os métodos construtivos adotados para a Fig. 1. Veremos até que ponto características tradicionais da teoria tonal dependem formalmente apenas desse método, ao invés dos d e m específicos. Iremos explorar alguns sistemas não-tonais que podem ser construídos pelo método, sistemas para os quais características pertinentes e análogas valem. Tais sistemas, ao mesmo tempo que iluminam as características formais análogas da teoria tonal, também sugerem possibilidades interessantes de composição e análise por si mesmos.

Há uma longa e rica tradição na história da teoria tonal por trás da Fig. 1. A abordagem formalista da discussão acima sobre questões como as interrelações de tríades e sistemas pode ser particularmente associada com o espírito e trabalho de Hugo Riemann. Por essa razão, chamarei a estrutura abstrata básica que estudaremos de “Sistema Riemann” (daqui em diante “SR”)[4].

Sistemas Riemann. Todas as notas e intervalos serão entendidas módulo a oitava, a menos que dito o contrário. Para adotar uma convenção consistentemente, usaremos notação aditiva para intervalos, como na discussão da Fig. 1. Portanto se X é uma classe de altura e i é algum intervalo (cada qual módulo a oitava) então X+i é uma classe de altura tal que o intervalo entre X+i de X é i, assim como o intervalo entre X-i e .. Como o contexto pode sugerir, i pode ser imaginado como medido em semitons temperados módulo 12, ou em cents módulo 1200, ou como o logaritmo de uma razão justa módulo log2, e assim por diante.

DEFINIÇÃO 1. Por um Sistema Riemann (SR) entenderemos um trio ordenado (T, d, m), onde T é uma classe de altura e d e m são intervalos, sujeitos às restrições de que d ≠ 0, m ≠ 0, e m ≠ d.

As restrições são necessárias e suficientes para garantir que as classes de altura T, T+m e T+d serão distintas, de maneira que possamos falar de “tríade” sem desconforto[5]. T será chamada de “classe de altura tônica” do sistema; d e m são seus “intervalos dominante e mediante”.

DEFINIÇÃO 2. A tríade tônica do SR (T, d, m) é o conjunto não-ordenado (T, T+m, T+d). A tríade dominante do sistema é (T+d, T+d+m, T+2d). A tríade de subdominante do sistema é (T-d, T-d+m, T). Essas tríades são as tríades primárias do sistema.

Pode-se ver que as tríades primárias são formas transpostas, cada uma de qualquer outra.

DEFINIÇÃO 3. O conjunto diatônico de (T, d, m) é o resultado da união (pela teoria dos conjuntos) não-ordenada das tríades primárias, abarcando as várias classes de altura T-d, T-d+m, T, T+m, T+d, T+d+m, e T+2d.

Dadas as restrições da Definição 1, pode haver de três a sete (classes de altura) distintas no conjunto diatônico. Por exemplo, se d é exatamente um terço da oitava, então T-d e T+2d serão a mesma nota, aqui representando duas funções distintas: subdominante e dominante da dominante.

DEFINIÇÃO 4. A lista canônica para (o conjunto diatônico) do SR (T, d, m) é a série ordenada (T-d, T-d+m, T, T+m, T+d, T+d+m, T+2d).

Essa série ordenada sempre terá exatamente sete entradas, mesmo que a mesma nota seja inserida mais de uma vez. Por exemplo, se d é exatamente a metade de uma oitava e m é exatamente um quarto de uma oitava, então a lista canônica para (C, d, m) pode ser escrita como F#aCe..♭♭.♭♭, com a convenção de que F# e . são a mesma classe de altura, e assim por diante. Essa série tem sete entradas, representando as sete funções do sistema, mas o conjunto diatônico não-ordenado tem apenas quatro notas distintas.

O método construtivo discutido até aqui está visualmente representado na Fig. 2, que generaliza a Fig. 1.



Figura 2
Construção generalizada de um Sistema Riemann

As tríades primárias estão retratadas na lista canônica no fim da Fig. 2, como as entradas 1 a 3, 3 a 5 e 5 a 7 naquela lista. Os conjuntos de três notas compreendendo as entradas 2 a 4 e as entradas 4 a 6 também desempenham papéis formais na generalização da situação tonal. A Definição 5 fornece as formalidades.

DEFINIÇÃO 5. A tríade mediante do SR (T, d, m) é um conjunto não-ordenado (T+m, T+d, T+d+m). A tríade submediante é o conjunto não-ordenado (T-d+m, T, T+m). Essas são as tríades secundárias do sistema.

Como já notamos, as tríades secundárias são necessariamente formas invertidas das tríades primárias.

O conjunto não-ordenado que compreende as entradas 7, 1 e 2 na listagem canônica, isto é T+2d, T-d e T-d+m, não tem, necessariamente, a forma de uma tríade secundária. De fato, ele nem precisa ser composto de três classes de alturas distintas. Por exemplo, se m = 3d (módulo a oitava), então -d+m+2d e T-d+m = T+2d. Para que T+2d, T-d e T-d+m formem um conjunto de tipo tríade secundária, é necessário e suficiente que T-d+m esteja a um intervalo dominante de T+2d, isto é, que T-d+m seja igual a (T+2d)+d, ou seja, que T-d+m seja igual a T+3d. Um pouco de aritmética mostra que este será o caso se e somente se m for igual a 4d. A condição é satisfeita pela tonalidade maior temperada, usando qualquer temperamento em que a “terça maior” seja equivalente a quatro “quintas”, módulo a oitava. A condição, no entanto, não é característica de Sistemas Riemann em geral[6].

 

 

Sistemas redundantes e irredundantes

DEFINIÇÃO 6. Um Sistema Riemann será chamado redundante se o seu conjunto diatônico tem menos de sete membros e irredundante se o seu conjunto diatônico tem exatamente sete membros.

A Tab. 1 lista alguns Sistemas Riemann redundantes, usando temperamento igual de doze alturas e medindo intervalos em semitons iguais. As listas canônicas da Tabela usam nomes de letras para classes de altura, com as convenções usuais sobre grafia enarmônica. Os conjuntos diatônicos na tabela são escritos usando a notação inteira para classes de altura (0 para ., 1 para C#, ... , 11 para .).

A Tab. 1 mostra que o conjunto diatônico de um Sistema Riemann redundante tem 3, 4, 5 ou 6 membros. A Tabela também mostra como alguns conjuntos de classes de alturas interessantes dessas cardinalidades podem ser gerados como conjuntos diatônicos para vários Sistemas Riemann. Isto pode se mostrar interessante na análise ou composição de música que envolva esses conjuntos. Um conjunto de classes de altura particular pode ser o conjunto diatônico para mais de um tipo de Sistema Riemann: por exemplo, a escala de tons inteiros é gerada por dois sistemas essencialmente diferentes na Tabela.



Tabela 1
Alguns Sistemas Riemann redundantes

Uma questão teórica natural surge: quais são as condições necessárias e suficientes sobre d e m para que o Sistema Riemann (T, d, m) seja irredundante? O Teorema 1 responde a essa pergunta.

TEOREMA 1. Para o SR (T, d, m) ser irredundante é necessário e suficiente que as condições (1) e (2) que seguem sejam satisfeitas.

(1) Para N = 1, 2 ou 3, Nd não é zero. (Isto é, um, dois ou três intervalos dominante não somam um número exato de oitavas. Isso é, d não é 0, 6, 4, ou 8 semitons temperados por igual.)

(2) Para N = 0, ±1, ±2 ou ±3, m não é igual a Nd. (Esta condição não exclui a possibilidade que m possa ser igual a -3d.)

O teorema pode ser verificado por uma inspeção sistemática das várias relações intervalares entre as várias notas T-d, T-d+m, T, T+m, T+d, T+d+m, e T+2d. Por exemplo, T-d e T+d+m, são a mesma nota se e somente se -d = d+m o que é o caso se e somente se m = -2d. A Tab. 2 abaixo lista essencialmente todos os Sistema Riemann irredundantes no temperamento igual de doze alturas. O significado preciso de “essencialmente” aqui ficará claro durante a discussão subsequente.



Tabela 2
Todos os Sistemas Riemann (essencialmente)

As duas primeiras colunas da Tab. 2 contêm todas as combinações de valores para d e m que atendem às condições do Teorema 1, de d = 0 até d = 5. Por exemplo, d = 1 é permitido pela condição (1) do Teorema; para d = 1, a condição (2) não permite m = 1, m = -1 (= 11), m = 2, m = -2 (= 10) e m = 3. Os demais valores possíveis para ., ou seja, m = 4, 9, 5, 8, 6 e 7, estão listados na segunda coluna da tabela, ao lado de d = 1 na primeira coluna. A ordem em que esses valores para m estão listados será discutida mais adiante. Veremos que é suficiente listar apenas na tabela os valores de d a d = 0 até d = 5: sistemas irredundantes com d = 7, 9, 10 ou 11 podem ser derivados de sistemas com d = 5, 3, 2 ou ., respectivamente. A terceira coluna da Tab. 2 contém os nomes dos sistemas Riemann com nota[7] tônica C e intervalos dominante e mediante correspondentes às entradas na primeira e segunda colunas da tabela. A quarta coluna contém as listagens canônicas geradas pelos Sistemas Riemann inseridos na coluna três. As convenções usuais de grafia de equivalência enarmônica são adotadas. A última coluna contém os rótulos Forte[8] para os tipos de acordes dos conjuntos diatônicos em questão[9]. Quando nenhum rótulo aparece na coluna cinco da Tabela, entende-se que o último rótulo escrito acima se aplica. Por exemplo, o tipo do conjunto diatônico para (., 1, 8) é 7–5; o tipo do conjunto diatônico de (., 3, 10) é 7–31.

Com duas exceções, cada sistema na Tab. 2 é pareado com outro sistema, que iremos chamar de seu “sistema conjugado.” As exceções são (., 2, 1) e (C, 2, 7): cada um desses sistemas é o seu próprio conjugado. Para ver o aspecto matemático saliente da relação de conjugação, observe que (., 1, 4) e (., 1, 9) estão pareados, e que 4+9 = 1. (., 1, 5) é pareado com (., 1, 8), e 5+8 = 1. (., 2, 3) é pareado com (., 2, 11), e 3+11 = 2. (., 3, 7) é pareado com (., 3, 8), e 7+8 = 3. (., 2, 1) é auto-conjugado, e 1+1 = 2. Em geral, (T, d, m) e (T, d, m’) são sistemas conjugados se m+m’ = d. Algumas definições formais são necessárias.

DEFINIÇÃO 7. O sistema conjugado do SR (T, d, m) é o Sistema (T, d, d-m). A operação que transforma um dado SR em seu conjugado será chamada “CONJ”. Escreveremos, simbolicamente, CONJ(T, d, m) = (T, d, d-m).

A operação de conjugação pode ser aplicada a qualquer Sistema Riemann, irredundante ou redundante. Formalmente, é necessário verificar que (T, d, d-m) é, de fato, sempre um “Sistema Riemann” sempre que (T, d, m) o é. Isto é, deve-se verificar se d ≠ m, d-m ≠ 0, e d ≠ d-m, supondo que d ≠ 0, m ≠ 0 e d ≠ m.

Isso é feito facilmente. Ao discutirmos transformações subsequentes de Sistemas Riemann, devemos sempre considerar que tais pormenores metodológicos foram levados a cabo.

Dado um Sistema Riemann (T, d, m), vamos definir m’ = d-m. O sistema conjugado articula o intervalo dominante d, dentro de cada tríade primária, como d = m’+m, em vez de como d = m+m. Veja a Fig. 3.



Figura 3
Articulação do intervalo d nos sistemas original e conjugado

A relação entre as subdivisões original e conjugada do intervalo ., assim, generaliza noções tradicionais tais como a divisão aritmética-versus-harmônica de ., e relações tradicionais tais como a de CeG para Ce.G[10].

Estendendo o formato da Fig. 3 para abarcar as listas canônicas comple-tas dos sistemas em análise, obtêm-se a relação retratada visualmente pelos dois terços superiores da Fig. 4.



Figura 4
Articulação dos intervalos m e m’ nos sistema original conjugado e retrógrado do conjugado

Leiamos agora a lista conjugada de trás para frente. Isso produz uma lista para um sistema “conjugado retrógrado”. Como a parte inferior da Fig. 4 indica, este sistema tem o intervalo dominante -d e intervalo mediante -m. Neste sentido, é uma inversão de um determinado sistema. Na verdade, a lista canônica para o sistema RETCONJ é uma inversão serial da lista canônica para o sistema original. A Fig. 4 esclarece esta relação: as sete notas sucessivas da lista original abrangem os seis sucessivos intervalos m, m ‘, m, m ‘, m, m ‘, enquanto as sete notas sucessivas da lista do conjugado-retrógrado (lendo da direita para a esquerda, na parte inferior da Fig. 4) abrangem os seis intervalos sucessivos -m, -m’, -m, -m’, -m, -m’. Como a Fig. 4 indica, a nota tônica do sistema conjugado-retrógrado é a nota dominante do sistema original; da mesma forma a nota dominante do sistema conjugado-retrógrado é a nota tônica do sistema original. Já que a relação conjugado-retrógrado troca as notas tônica e dominante dos sistemas envolvidos, enquanto inverte serialmente as listas canônicas envolvidas, nós iremos chamar a transformação “Inversão-TD”.

DEFINIÇÃO 8. A inversão-TD do SR (T, d, m) é o Sistema Riemann (T+d, -d, -m). A transformação que leva qualquer SR à sua inversão-TD será chamada “INVTD”. Escreveremos, simbolicamente, INVTD(T, d, m) = (T+d, -d, -m).

Vamos agora voltar à Tab. 2. Ao lermos as várias listas canônicas na quarta coluna da tabela de trás para frente, estaremos lendo, en masse, as listas canônicas para as inversões-TD dos diversos Sistemas que aparecem na coluna 3 da Tabela. Por exemplo, o Sistema Riemann de Fá maior (., 7, 4) tem a nota dominante .; portanto, ele é a inversão-TD do Sistema (C, -7, -4) = (C, 5, 8). Como o inversão-TD de (., 5, 8), (., 7, 4) também é o retrógrado-conjugado de (., 5, 8). Portanto, a lista para (., 7, 4) pode ser lida, na Tab. 2, como o retrógrado da lista para o sistema conjugado de (., 5, 8), que é como o retrógrado da lista para (., 5, 9).

Generalizando esse exemplo, podemos ver agora em que sentido a Tab. 2 lista “essencialmente” todos os tipos de Sistemas Riemann irredundantes no temperamento igual de doze alturas. Se d = 1, 2, 3 ou 5 e o par (d, m) satisfaz as condições do Teorema 1, então o Sistema (C, d, m) aparece diretamente na Tab. 2. Se d = 7, 9, 10 ou 11 e o par (d, m) satisfaz as condições do Teorema 1, então o par (-d, -m) também irá satisfazer as condições do Teorema, de forma que o Sistema (C, -d, -m) aparecerá na Tabela. Pode-se em seguida ler a lista canônica para um Sistema com intervalo dominante d e intervalo mediante ao se ler de trás para frente a lista canônica para o sistema conjugado de (C, -d, -m) da Tabela.

Já que o retrógrado da lista conjugada é uma inversão serial de uma determinada lista, segue que a lista conjugada em si é uma inversão retrógrada dessa mesma lista. Esta propriedade é facilmente vista e ouvida como manifestada entre as listas da Tab. 2; ela explica por que as listas pareadas na Tabela soam tão intimamente relacionadas.

Dado um Sistema Riemann e o seu conjugado, uma vez que as listas canônicas de seus conjuntos diatônicos são inversões-retrógradas uma da outra segue que os próprios conjuntos diatônicos não-ordenados têm de ser inversões de classe de altura um do outro. Portanto, se os Sistemas são irredundantes, eles terão o mesmo número Forte inserido na coluna 5 da Tab. 2.

Também se pode ver por que a cada Sistema Riemann irredundante que aparece na Tabela com intervalo dominante d = 3 deve ter 7-31 como o número Forte de seu conjunto diatônico. Em tal Sistema, as notas T-d, T, T+d e T+2d serão T-3, T, T+3 e T+6; estas quatro notas constituirão uma “acorde de sétima diminuta.” E as três notas de T-d+m, T+m e T+d+m vão constituir uma “tríade diminuta”, que será disjunta do acorde de sétima diminuta (já que o Sistema é irredundante.) Portanto, as sete notas do conjunto diatônico formarão uma escala octatônica com uma nota a menos, e qualquer coleção desse tipo deve ter a forma Forte 7–31. Ignorando relações de conjugação, o número Forte 7–7 aparece, essencialmente, duas vezes na quinta coluna da Tab. 2. Isto está evidentemente relacionado com a presença de trítonos nas listas canônicas envolvidas. Os Sistemas Riemann cujos conjuntos diatônicos têm esse tipo Forte são precisamente aqueles Sistemas irredundantes (!) (T, d, m) tais que m = 6 ou m’ = d-m = 6.

É interessante que o número Forte 7-35 apareça essencialmente duas vezes na Tabela, uma vez para o “círculo de quintas” (Sistema de ., 2, 7) e uma para os Sistemas “tonais” (invertidos) (., 5, 8) e (., 5, 9). Vê-se a importância do temperamento como um meio de conciliar as afinações Pitagórica e justa que as listas canônicas respectivas mais “naturalmente” sugerem. Os sistemas que compartilham o número Forte 7–1 na coluna 5 são as transformações pelo círculo das quintas[11] daqueles que partilham o número Forte 7-35.

Os sistemas irredundantes da Tab. 2, assim como os sistemas redundantes da Tab. 1, podem mostrar-se úteis para a análise de música apropriada; eles também sugerem interessantes possibilidades de composição.

O grupo serial. Quando dizemos que a inversão-TD de um Sistema Riemann é o “conjugado-retrógrado” do sistema, estamos, implicitamente, invocando a noção de transformação de um Sistema, e não apenas de uma lista, por uma operação chamada de “retrogradação.” Devemos agora ser mais formais em relação a esta noção. Por “sistema retrógrado” de um determinado SR (T, d, m) nós claramente nos referimos ao SR cuja lista canônica é o retrógrado da lista canônica para (T, d, m). A Fig. 5 apresenta algumas características salientes da estrutura envolvida.

Inspecionando a Fig. 5, vemos que a nota tônica do sistema retrógrado será a nota dominante T+d do sistema original. O intervalo dominante do sistema retrógrado será -d, e o seu intervalo mediante -m’, onde m’ = d-m. Podemos colocar tudo isso em uma definição formal.

DEFINIÇÃO 9. O retrógrado do SR (T, d, m) é o Sistema Riemann (T+d, -d, m-d). As transformações que levam qualquer SR ao seu retrógrado serão chamadas “RET”. Escreveremos, simbolicamente, RET(T, d, m) = (T+d, -d, -m).

Será útil agrupar vários aspectos das Figs. 3, 4 e 5 na Fig. 6, que apresenta algumas interrelações entre as estruturas das tríades primárias de um Sistema Riemann original, seu retrógrado, seu conjugado e a sua inversão-TD.


Figura 5
Articulação dos intervalos m e m’ nos sistemas original e retrógrado

 



Figura 6
Articulações dos intervalos m e -m nos sistemas original, conjugado, TD-invertido e retrógrado, formando uma coleção simétrica

Como a Fig. 6 sugere, visualmente, a conjunção de um Sistema Riemann com seu sistema conjugado, TD-invertido e retrógrado dá origem a uma coleção simétrica e fechada de Sistemas Riemann mutuamente interdependentes. Podese ouvir isto nas características que agrupam auditivamente qualquer par de listas conjugadas e seus retrógrados, na Tab. 2, como distintas de todas as outras listas naquela tabela. A concisão e a simetria sugeridas pela Fig. 6 refletem o fato de que as operações CONJ, INVTD e RET, juntamente com a operação de “deixar estar” um sistema, formam o que os matemáticos chamam de um “grupo de operações” na família de todos os Sistemas Riemann. Vamos examinar mais a fundo as implicações deste fato. Primeiro, precisamos de um rótulo formal para a operação de “deixar estar” qualquer Sistema Riemann, produzindo o determinado Sistema, idêntico, como resultado da operação.

DEFINIÇÃO 10. Pela operação identidade na família de Sistemas Riemann, nos referimos a operação IDENT que, quando aplicada ao espécime SR(T, d, m), produz como resultado (T, d, m) ele mesmo. Escreveremos, simbolicamente, IDENT(T, d, m) = (T, d, m).

Exploraremos agora várias relações que são verdadeiras entre combinações de operações de IDENT, INVTD, RET e CONJ. Os tipos de relações que nos dizem respeito, aqui, são aquelas que podem ser expressas por o que chamaremos de equações operacionais. Um exemplo de uma dessas equação é a afirmação simbólica RET CONJ = INVTD. Esta equação coloca que o retrógrado do conjugado, de qualquer SR dado, é o mesmo Sistema que sua inversão-TD. A declaração é verdadeira, como recordamos da discussão pertinente anterior (ver discussão que acompanha as Definições 7 e 8). Podemos também demonstrar a veracidade da afirmação aplicando algumas substituições e manipulações algébricas às definições das operações envolvidas. Realizarei esta demonstração no parágrafo seguinte, para aqueles leitores que estão interessados; aqueles que não estiverem podem omitir ou postergar o estudo deste exercício, que é paradigmático para a demonstração rigorosa da verdade de tais equações.

Devemos mostrar que, dado qualquer Sistema Riemann (T, d, m), o Sistema RET(CONJ(T, d, m)) é o mesmo que o Sistema INVTD(T, d, m). Vamos denotar por (T#, d#, m#)), o Sistema CONJ(T, d, m); em seguida, devemos mostrar que RET(T#, d#, m#)) é o mesmo sistema que INVTD(T, d, m). Invocando a Definição 9, inferimos que devemos mostrar a relação (T#+d#, -d#, m#-d#) = INVTD(T, d, m). Agora (T#, d#, m#) é o conjugado de (T, d, m); pela Definição 7 sabemos que esse último Sistema é (T, d , d-m); portanto T# = T, d# = d e m# = d-m. Fazendo essas substituições, conforme apropriado, vemos que o Sistema (T#+d#, -d#, m#-d#) é o Sistema (T+d, -d, (d-m)-d) ou (T+d, -d, -m). Então, o que devemos mostrar é que (T+d, -d, -m) = INVTD(T, d, m). E esse é de fato o caso, conforme indicado pela Definição 8.

Outro exemplo de uma equação operacional é RET RET = IDENT. Esta equação afirma que o sistema retrógrado do sistema retrógrado de um dada RS, é idêntico ao dado SR em si. A veracidade da equação é facilmente intuída considerando as listas canônicas envolvidas. Pode-se também provar a equação pelas técnicas de substituição e álgebra utilizadas para a prova do exemplo anterior. Vê-se no formato da presente equação a utilidade de ter uma operação formal chamada IDENT para participar de tais relações.

As equações básicas que se dão entre os membros de nossa família de quatro operações podem ser apresentadas sinopticamente pela Tab. 3, a qual matemáticos poderiam chamar de uma “tabela de combinação” para a família. O formato da Tab. 3 é similar ao de uma tabela de multiplicação corriqueira: se a operação Z é inserida na tabela, na fileira com X na extrema esquerda e na coluna com Y como cabeçalho, então a equação operacional X Y = Z é verdadeira. Por exemplo, na fileira da Tab. 3 com INVTD na esquerda, e na coluna RET encabeçada por RET, encontramos a entrada CONJ. Isto significa que a equação INVTD RET = CONJ é verdadeira. I.e.: a inversão-TD do sistema retrógrado, de qualquer SR dado, é o sistema conjugado desse dado SR.


Tabela 3
Tabela de combinação para as operações IDENT, INVTD, RET e CONJ

Analisando a Tab. 3, é fácil verificar que a família composta IDENT, INVTD, RET e CONJ forma um grupo de operações, no sentido matemático. Ela satisfaz os dois requisitos que uma família (não vazia) de operações deve satisfazer para formar um grupo. Primeiro, os membros da família, combinados entre si, sempre irão produzir um resultado que é operacionalmente igual a algum membro da família: eles não irão gerar quaisquer operações novas quando aplicados um após o outro. Formalmente, se X e Y são membros da família (possivelmente o mesmo membro), então existe um Z na família (possivelmente o próprio X ou Y) que satisfaz a equação operacional X Y = Z.

Segundo, para cada membro X da família, há algum membro Y da família (possivelmente X) que satisfaz as equações X Y = Y X = IDENT. Nesta situação, Y é exclusivamente determinado por X; é chamado de “(operação) inversa” de X. Dado X e seu inverso Y, se X transforma o operando 1 no operando 2, então Y transforma o operando 2 no operando 1. Já que (operando 2) = Y(X(operando 1)) = IDENT(operando 1) = operando 1. Assim, dado um par de operações inversas, cada uma “desfaz” o efeito da outra. No caso da família envolvida na Tab. 3, cada membro-operação se combina com si mesmo para formar a operação identidade e, portanto, é seu próprio inverso, se “desfazendo” quando aplicado uma segunda vez após a sua primeira aplicação.

DEFINIÇÃO 11. A família que compreende as quatro operações IDENT, INVTD, RET e CONJ será chamada de grupo serial de operações sobre (o conjunto de todos os) Sistemas Riemann. O grupo será denotado por GSER.

O nome que eu dei a este grupo surge dos efeitos que suas operações induzem em uma lista canônica de um determinado Sistema. Como já observamos, as operações citadas na Definição 11 preservam, invertem, retrogradam e retrogradam-invertem, respectivamente, a lista canônica de um determinado SR em listas canônicas dos Sistemas respectivamente transformados. Este aspecto do grupo serial relaciona certas transformações tonais tradicionais, quando generalizado, a outras conhecidas estruturas transformacionais normalmente consideradas apenas no contexto de músicas ocidentais mais recentes. Essa relação, em seus aspectos tanto formais quanto histórico-culturais, é certamente mais do que fortuita. Ela justifica, penso eu, uma reflexão mais profunda. Por agora, vamos apenas observar que o aspecto “serial” de GSER é crucialmente dependente da ordenação para conjuntos diatônicos dada pelo conceito de lista canônica; uma organização escalar dos conjuntos diatônicos envolvidos obscureceria, em vez de revelar, a função estrutural das transformações seriais.

Dados Sistemas Riemann SR1 e SR2, iremos definir que “SR2 é uma forma de SR1 (mod GSER)” quando algum membro de GSER transforma SR1 em SR2, isto é, quando algum membro X de GSER satisfaz X(SR1) = SR2. Devido à homogeneidade induzida pela estrutura do grupo, essa relação entre os Sistemas Riemann é tanto simétrica quanto transitiva. Isto é, se X(SR1) = SR2, então Y(SR2) = SR1, onde Y é o inverso de X; então, se SR2 é uma forma de SR1, SR1 é uma forma de SR2 (mod GSER). E supondo que X(SR1) = SR2 e Y(SR2) = SR3, X e Y sendo membros de GSER, segue-se que Z = YX é um membro de GSER, tal que Z(SR1) = SR3; assim se SR2 é uma forma de SR1 e SR3 é uma forma de SR2, então SR3 é uma forma de SR1 (mod GSER).

Dessas propriedades, um fato importante resulta. Dados quatro (ou dois) Sistemas Riemann inter-relacionados pelas quatro operações de GSER, nós não podemos atribuir prioridade estrutural ou formal para qualquer um desses Sistemas tendo como base exclusivamente a rede de relações-GSER entre eles; todos podem ser igualmente considerados formas de qualquer um dos outros. Por exemplo, dados os sistemas (F, 2, 3), (F, 2, 11), (G, 10, 1) e (G, 10, 9), podemos de fato dizer que o segundo, terceiro e quarto Sistemas são, respectivamente, o conjugado, retrógrado e inversão-TD do primeiro; mas podemos também dizer que o primeiro, o segundo e o quarto são, respectivamente, o retrógrado, a inversão-TD e o conjugado do terceiro, e assim por diante. A menos que queiramos atribuir prioridade especial por algum outro fundamento para uma das classes de altura F ou G, ou para algum dos intervalos de 2, 10, 3, 11, 1 e 9, em detrimento de outros, não temos nenhuma maneira de afirmar que qualquer um dos quatro Sistemas deve ser considerado “primário”, “primo” ou “básico” e os outros três “derivados” em algum sentido subordinante; no que concerne relações entre os grupos, qualquer um dos quatro Sistemas pode ser derivado a partir de outro qualquer de modo absolutamente igualitário.

É útil ter feito esta observação antes de passar a investigar especificamente os quatro Sistemas Riemann no temperamento igual de doze alturas que podem ser derivados do Sistema de “Dó maior” (., 7, 4) pelas operações de GSER: Dó maior é igualmente uma forma derivada de qualquer um dos outros três Sistemas, que são igualmente formas derivadas de si próprios. A discussão anterior deixa claro que, se pretendemos atribuir prioridade a Dó maior em preferência aos outros três Sistemas, é apenas porque desejamos atribuir prioridade para a “quinta” e a “terça maior” como intervalos estruturais nesta conexão[12].

O Sistema (., 7, 3) é o conjugado de Dó maior. Vamos chamá-lo de “Dó menor.” Como já mencionado, a relação de conjugação coloca na terminologia do presente artigo noções tais como a divisão harmônica e aritmética da quinta, ou a inversão (renversement) das tríades maior e menor dentro da quinta.

O Sistema de (., 5, 8) é a inversão-TD de Dó maior. Vamos chamá-lo de “Sol menor dual.” Sua tríade tônica projeta, desde a nota tônica G, as notas dominante e mediante C = G+5 e . = G+8, isto é, as notas, respectivamente, uma quinta e uma terça maior “abaixo” da tônica. A estrutura será familiar para estudantes das teorias de Riemann; Riemann recomendou esta tríade como a forma “natural” das tonalidades menores, apesar de ter recuado de forma um tanto ilógica de chamar Ca. de “tríade dominante” de Ge. neste contexto[13].

O Sistema de (G, 5, 9) é o retrógrado de Dó maior. Vamos chamá-lo de “Sol maior dual.” Sua tríade tônica projeta, a partir da nota tônica G, as notas dominante e mediante C = G+5, e = G+9, isto é, as notas, respectivamente, uma quinta e uma terça menor “abaixo” da tônica. Até onde sei, nenhum aspecto desse sistema foi até agora investigado, muito menos recomendado, por qualquer teórico da tonalidade. As formalidades do presente contexto fazem com que essa observação seja um tanto impressionante. Se admitirmos a cogência musical da relação “Dó menor = CONJ(Dó maior)” e da relação “Sol menor dual = INVTD(Cmaj),” e se adicionalmente considera-se a tonalidade menor como sendo tão básica quanto a maior, em vez de estritamente subordinada à maior, então deve-se admitir como igualmente convincentes relações como “Sol maior dual = CONJ(Sol menor dual)” ou “Sol maior dual = INVTD(Dó menor)”. Sol maior dual viria, assim, naturalmente à consideração e, tendo-se admitido duas espécies de menor que são uma retrógrada da outra, seria nada mais do que lógico admitir duas espécies de maior que são uma retrógrada da outra, sempre supondo que se coloque o menor em paridade estrutural com o maior.

Assim, pode-se analisar a ausência de Sol maior dual na literatura da teoria tonal da seguinte forma. Primeiro, alguns teóricos consideram a tonalidade maior corriqueira, com d = 7 e m = 4, como tendo uma forte prioridade, devido a certos aspectos dos intervalos de 7 e 4, ou dos intervalos justos que eles aproximam. Para esses teóricos, qualquer espécie de tonalidade menor deve ser considerada como derivada da maior em uma relação assimétrica de estrita subordinação. Portanto, não se pode fazer necessariamente as mesmas coisas que fazemos em Dó maior em Dó menor, ou em Sol dual menor; nem se pode necessariamente fazer a um dos sistemas menores as coisas que podem ser feitas em Dó maior. Segundo, dentre os teóricos que consideram ou Dó menor ou Sol menor dual como tendo a mesma prioridade estrutural de Dó maior, ninguém considera que ambos os sistemas maior e menor dual tenham essa prioridade simultaneamente. Então, um teórico que dá a Dó menor um status igual ao de Dó maior, em uma relação simétrica, pode enfatizar a transformação conjugada como cheia de importância enquanto nega implicitamente a significância musical da inversão-TD e da retrogradação. Dó maior e Dó menor são, então, simetricamente relacionados, cada um como o conjugado do outro. Sol menor dual e Sol maior dual também estão nessa relação, mas o fato não tem mais significância musical, para tal teórico tonal, do que o fato de que (., 2, 11) e (., 2, 9), são conjugados: nenhum desses sistemas tem nada a ver com a “tonalidade” como concebida por tal teórico. Matematicamente, o grupo tido como significante para a teoria tonal compreenderia apenas os dois membros IDENT e CONJ. Em um espírito semelhante, um teórico diferente (tal como Riemann) pode aceitar Dó maior e Sol dual menor como tendo a mesma prioridade, mas descartar Dó menor e Sol dual maior como estruturas “tonais”. Nesse caso, Dó maior e Sol menor dual são simetricamente relacionados pela transformação INVTD. Dó menor e Sol maior dual também são relacionados por essa transformação, mas esse fato não tem mais relevância, para tal teoria, do que a relação INVTD entre os sistemas igualmente “atonais” (., 1, 9) e (., 11, 3). O grupo que essa teoria tem como relevante compreende apenas os dois membros IDENT e INVTD.

Vale a pena explorar em que medida o conceito de “dual maior” faz sentido para a análise de várias passagens tonais. Pessoalmente, eu acho que faz tanto sentido quanto o de dual menor. Por essa razão, e também porque a maioria dos leitores americanos contemporâneos irão sem dúvida compartilhar a minha própria inclinação a não “acreditar em” menor dual, muito menos em “maior dual”, discutirei uma série de exemplos musicais nos quais eu, pessoalmente, sinto que faz sentido afirmar o funcionamento dos conceitos de “dual menor” e “dual maior” ou ambos, pelo menos no que diz respeito à estrutura triádica e, em certa medida, além disso.

O Ex. 1 é retirado da abertura de Sacre du Printemps de Stravinsky. Dentro da sonoridade agrupada pelas semicolcheias, a altura de referência é claramente B4[14], e não E4. B4 participa do gesto geral linear básico, de C5 passando por B4 e indo até A4. E4 fica abaixo de B4, assim como G4, ambos em relação consonante à altura referencial B4. Da mesma forma, se analisaria a sonoridade de semicolcheias como uma tríade de Si menor dual: E e G aparecem como uma quinta e uma terça maior abaixo de .. Certamente se faz violência ao sentido da passagem se tentamos ouvir E como fundamental para a tríade.



Exemplo 1
Trecho da abertura de Sacre du Printemps, de Stravinsky.

O Ex. 2, tirado da abertura de Parsifal, de Wagner, mostra uma situação semelhante no que tange a estrutura descrita pela sucessão G4-C4-(D4)-E.. Nossa atenção aqui está em G4, não no C4. G4 foi apenas ouvido como sensível de ..; agora .. torna-se um vizinho superior a G4 e resolve de fato em G4, revertendo a relação de tendência anterior. C4, e .., ouvidos recentemente como 3ª e 5ª de uma tríade de ., agora são ouvidas como 5ª e 3ª abaixo do G4, em uma tríade de Sol menor dual. Tudo isso é um exemplo clássico do que Riemann chamou de Leittonwechsel.


Exemplo 2
Trecho da abertura de Parsifal, de Wagner.

O Ex. 3 é da abertura do Intermezzo Op. 119, no. 1, de Brahms. Quase parece que o compositor construiu um exercício acadêmico na projeção composicional não apenas de tríades duais menores mas, para além disso, de grandes segmentos seriais da lista canônica inteira do Sistema Riemann de Fá# maior. Pode-se ler estes


Exemplo 3
Trecho da abertura do Intermezzo Op. 119, no. 1, de Brahms.

A análise faz sentido porque o ouvinte se orienta harmonicamente, neste contexto, pelos topos e inícios das cadeias de 3ªs, mais do que por seus pontos baixos e terminações (antecipadas). A passagem sugere uma modulação a um Sistema maior relacionado, e a peça como um todo explora tais modulações. Dada a análise da Fig. 7, o Sistema relacionado certamente não é Ré maior; em vez disso é Lá maior dual: as tríades maiores em questão são apresentadas e desenvolvidas exatamente da mesma forma como são as tríades menores. A Fig. 8 tenta analisar a passagem toda como uma projeção de segmentos da lista canônica de Lá maior dual. É esta estrutura, e não um Ré maior usual, que está em contenda com a estrutura da Fig. 7.

A estrutura de Lá maior dual não é muito poderosa nas quatro primeiras linhas da Fig. 8; torna-se forte, porém na quinta linha da Fig. 8, mais forte do que o Fá# menor dual colocado pela quarta linha da Fig. 7 para a mesma música. A sexta linha da Fig. 8 e a quinta linha da Fig. 7 são de igual poder na disputa para afirmar suas respectivas estruturas. A contenda aqui não é apenas entre notas tônicas, mas também, e talvez mais, entre letras maiúsculas e minúsculas para os nomes das notas em questão: C# ou c#? a ou .?, e assim por diante. Isto é, uma dada nota é aqui uma fundamental-ou-quinta de algo (maiúscula) ou é uma terça de algo (minúscula)? Esta questão, que teria encantado Hauptmann, destaca o estado único da nota .: ela é maiúscula em ambas as figuras.


Figura 7
Análise do trecho do Intermezzo Op 119 no 1 de Brahms em relação ao SR de Fá# maior


Figura 8
Análise do trecho do Intermezzo Op. 119, no. 1, de Brahms em relação ao SR de Lá maior dual.

O E é, portanto, exclusivamente liberado da tensão maiúsculas/minúsculas, e, de fato, o encontraremos usado para iniciar material cadencial seguindo imediatamente a passagem em questão, agora que as listas canônicas completas de ambos Fá# menor dual e Lá maior dual foram expostos. O leitor que consultar a partitura verá o singular caráter de pivô do ., confirmado pelas semicadências elididas, em Fá# menor dual no compasso 4 e em Lá maior dual no compasso 6: ambas as cadências começam do E crucial com música similar.

A relação nesta peça entre as listas canônicas de Fá# menor dual e Lá maior dual exemplifica uma transformação que chamaremos mais tarde de “deslocamento”. Cada lista pode ser deslocada para a outra, movendo-a, por assim dizer, um estágio adiante para sua esquerda ou direita, letras maiúsculas e minúsculas sendo ajustadas de acordo. Vide a Fig. 9.



Figura 9
Relação de deslocamento entre Fá# menor dual e Lá maior dual

O Ex. 4 mostra o sujeito da Fuga em Dó# maior do Livro II do Cravo Bem-temperado de Bach, junto com uma versão desse sujeito transformada por “inversão tonal na quinta.” Em nossa terminologia, a relação é, ao invés disso, de retrogradação, obtida entre as estrutura das tríades de Dó# maior e Sol# maior dual. Vide a Fig. 5. A situação é claramente típica: “inversão tonal na quinta” vai retrogradar estruturas maiores ou menores em estruturas maiores duais ou menores duais, e vice-versa.



Exemplo 4
Sujeito da Fuga em Dó# maior do Livro II do Cravo Bem-temperado de Bach.

O Ex. 5 é interessante, neste contexto, porque ele apresenta tal relação (envolvendo um motivo semelhante, curiosamente) entre duas obras diferentes, mas relacionadas, do mesmo compositor. O Ex. 5 mostra aspectos dos temas dos dois movimentos de Danças Germânicas de Beethoven. O primeiro, em Sol maior, é da Sonata para Piano op. 79. A segunda em “Ré maior dual”, é do Quarteto de Cordas op. 130.[15] O primeiro segmento termina com uma appoggiatura para a harmonia subdominante de Sol maior. O segundo segmento da mesma forma (ou “duplamente”) termina com uma appoggiatura para harmonia “subdominante” de Ré maior dual. O leitor, se confuso com a última frase, pode rever a Definição 2 e aquelas que a seguem para verificar que Af#D é de fato a “tríade subdominante” do Sistema Riemann cuja lista canônica é Af#DbGeC, ou seja, de Ré maior dual.


Exemplo 5
Comparação entre trecho da Sonata para Piano op. 79 e do Quarteto de Cordas op. 130, ambos de Beethoven.

O Ex. 6 mostra o tema da Rapsódia sobre um Tema de Paganini op. 43, de Rachmaninoff, junto com alguns aspectos da Variação XVIII. A situação é complicada aqui pela relação tonal remota e também pelo uso de f# e g# no tema original. Mesmo assim, a técnica melódica claramente exemplifica a noção de que inverter um sistema menor produz um sistema dual maior, assim como inverter um sistema maior produz um sistema dual menor. A ideia de Lá maior dual para a variação é suportada harmonicamente: justamente no ponto onde o tema se move harmonicamente de dominante para tônica (veja o Ex. 6), a variação também se move da harmonia “dominante” para tônica (veja o Ex. 6). Deve-se, claro, lembrar que ... é a harmonia “dominante” do Sistema Riemann cuja lista canônica é .cA.fD.., isto é, o de Lá maior dual.



Exemplo 6
Tema e da Rapsódia sobre um Tema de Paganini op. 43, de Rachmaninoff e alguns aspectos de sua Variação XVIII.

O grupo deslocamento. Ligado à nossa análise do Intermezzo de Brahms, que introduziu a ideia de “deslocar” a lista canônica para um Sistema Riemann até a lista canônica para outro, a Fig. 9 apresentou os sistemas de Fá# menor dual e Lá maior dual em uma relação de deslocamento. O deslocamento, naquele caso, foi de apenas uma posição, ao longo de uma lista estendida. Podemos generalizar essa situação a nosso favor.

Dado um número inteiro N, positivo, zero ou negativo, vamos definir uma operação formal de DESLOC(N), que opera em qualquer SR dado para produzir um SR transformado cuja lista canônica é “deslocada N lugares” em relação àquela do Sistema dado. Seja (T, d, m) um SR amostra, e escrevamos m’ ao invés de d-m. A lista canônica para (T, d, m) abrange os seis intervalos sucessivos m, m’, m, m’, m, m’. Vamos agora imaginar essa lista canônica estendida indefinidamente, tanto para frente quanto para trás, de forma a gerar uma alternância indeterminada de intervalos sucessivos m e m’. A lista canônica para o Sistema deslocado por N é aquela série de sete notas que aparece como um segmento da lista estendida N estágios à direita da lista canônica original. Se N é negativo, “N estágios para a direita” será interpretado como “-N fases para a esquerda.” Se N for ímpar, será necessário imaginar os papéis conceituais de maiúsculas e minúsculas revertidos na visualização da lista canônica para o sistema transformado. (Se entende que esta reversão não afeta a afinção). A Fig. 10 ilustra essas ideias, usando o Sistema Riemann de Dó maior como ponto de referência.

Na Fig. 10, podemos ler as relações entre Si bemol maior = DESLOC (-4)(Dó maior), Fá# menor = DESLOC(4)(Mi menor), Mi menor = DESLOC(5)(Si maior), e assim por diante. Para os sistemas menores em questão, podemos imaginar os papéis conceituais de maiúsculas e minúsculas revertidos nas listas canônicas afetadas, tal como aparecem na Fig. 10. Em certos sistemas de afinação, isso pode exigir mais sutilezas da notação; por exemplo; em um afinação justa a nota escrita “.” na Fig. 10 não irá pertencer a exatamente a mesmo classe de altura da nota escrita “.” na mesma figura. No entanto, não iremos nos preocupar com tais problemas de notação aqui.



Figura 10
Relações de deslocamento entre os SR’s de Dó maior Mi menor Fá# menor e Si maior

Observando a Fig. 10 e imaginando a sua estrutura generalizada para aquela de uma lista estendida para um (T, d, m) genérico, podemos ver como calcular o efeito de DESLOC(N) em (T, d, m). Primeiro, se . é par, vemos que o Sistema deslocado terá os mesmos intervalos dominante e mediante do original, e a nova nota tônica será a nota tônica antiga deslocada N lugares ao longo da lista, e, portanto, transposta por (N/2) dominantes. Assim DESLOC(N)(T, d, m) = (T+i, d, m), onde o intervalo de transposição é i = (N/2)d. Observe que o intervalo de transposição depende não apenas de ., mas também do intervalo dominante . do Sistema no qual o deslocamento está operando.

Segundo, no caso N = 1, podemos ver que o Sistema deslocado terá o intervalo dominante d, o intervalo mediante de m’ = d-m, e a nota tônica T+m, ou seja, a nota mediante do Sistema original. Assim, DESLOC(1)(T, d, m) = (T+m, d, d-m).

Finalmente, se N é um número ímpar qualquer, podemos escrever DESLOC(N) = DESLOC(1)DESLOC(N-1) em termos operacionais. Isto é, DESLOC(N)(T, d, m) = DESLOC(1)((DESLOC(N-1)(T, d, m)). Como N-1 é par, nós vimos que DESLOC(N1(T, d, m) = (T+i, d, m), onde i = ((N-1)/2)d. O Sistema que nós queremos é, portanto, DESLOC(1)(T+i, d, m) que, como vimos no parágrafo anterior, é (T+i+ m, d, d-m). Podemos resumir todos os cálculos anteriores em uma definição formal.

DEFINIÇÃO 12. A operação de “deslocar por N lugares” um sistema Riemann (T, d, m) é executado algebricamente da seguinte forma: se N é par, DESLOC(N)(T, d, m) = (T+i, d, m), onde i = (N/2)d. Se N é ímpar, DESLOC(N)(T, d, m) = (T+i+m, d, d-m), onde i = ((N-1)/2)d).

Se deslocarmos por . lugares o resultado do deslocamento de um determinado SR por . lugares, o resultado terá de ser deslocado por um deslocamento líquido de (M+N) lugares. Isso se intui facilmente observando a Fig. 10 e a generalizando. (Deve-se lembrar que um valor negativo de . ou . significa um deslocamento à esquerda por (-M) ou (-N) lugares.) A nossa intuição, isto é, argumenta pela validade da equação operacional DESLOC(M)DESLOC(N) = DESLOC(M+N). A verdade da equação pode ser verificada formalmente usando as técnicas padrão de substituição e álgebra em conjunto com a Definição 12. (Ao leitor é pedido, no entanto, para que renuncie esse exercício, que envolve tomar separadamente todos os subcasos possíveis que dependem dos M’s serem pares ou ímpares e dos N’s serem pares ou ímpares.) DESLOC(0) é, claramente, a operação identidade IDENT em Sistemas Riemann. Segue-se que DESLOC(N)DESLOC(-N) = DESLOC(0) = IDENT; daí, segue-se que a DESLOC(-N) é a operação inversa de DESLOC(N). Observamos que o resultado de se aplicar uma operação de deslocamento em seguida da outra é (operacionalmente igual a) uma operação de deslocamento; também observamos que cada operação de deslocamento tem uma operação inversa que é também uma operação de deslocamento. Consequentemente, as operações de deslocamento formam um grupo matemático.

DEFINIÇÃO 13. O grupo que compreende todas as operações de forma DESLOC(N) será chamado de grupo deslocamento de operações sobre Sistemas Riemann; ele será denotado por GDESLOC.

Pode haver um número finito ou infinito de formas deslocadas de um dado Sistema Riemann, dependendo do tamanho exato de seus intervalos dominante e mediante. A afinação é importante neste contexto. Por exemplo, é claro que se considerarmos a Fig. 10 em afinação justa, não haverá duplicação exata de classes de altura na lista estendida; portanto, haverá um número infinito de Sistemas tanto maiores quanto menores entre as formas deslocadas de Dó maior. Também haverá um número infinito (ainda maior) de sistemas justos maiores ou menores que não são formas deslocadas de Dó maior justo, a saber, todos os Sistemas justos maiores ou menores cuja tônica não puder ser derivada a partir da nota C adicionando-se ou subtraindo-se quintas justas ou terças maiores justas módulo a oitava. Embora tais Sistemas sejam, de fato, transposições de Dó maior justo, ou de Lá maior justo, as relações transpositivas não têm significado funcional no contexto da Sistemática Riemann. Observe, particularmente, que o Sistema de “Dó menor justo”, que podemos ler na Fig. 10 como Dó maior deslocado -7 lugares, não é o Sistema conjugado de Dó maior justo, já que o c minúsculo e o C maiúsculo na Fig. 10 diferem, em afinação justa, por um coma sintônico.

Por outro lado, se considerarmos a Fig. 10 no temperamento igual fica claro que existirão apenas 24 Sistemas Riemann distintos cujas listas canônicas estarão incorporadas à lista estendida; essa lista irá repetir-se indefinidamente, a cada 24ª entrada. Neste caso, qualquer Sistema menor envolvido será, de fato, o conjugado do Sistema maior envolvido que tem a mesma nota tônica, e vice-versa. No entanto, mesmo nesta pequena família de 24 Sistemas Riemann, DESLOC(-7) e CONJ operam com efeito diferente. Isto é, enquanto Dó menor, neste contexto, é igualmente DESLOC(-7) = (Dó maior) e CONJ(Dó maior), não é verdade que Dó maior é tanto DESLOC(-7)(Dó menor) quanto CONJ(Dó menor). Ao invés disso, Dó maior é DESLOC(7)(Dó menor); DESLOC(-7)(Dó menor) não é Dó maior, mas sim Dó maior = Si maior. Assim, as operações DESLOC(-7) . CONJ não têm o mesmo efeito em todos os 24 Sistemas Riemann em questão.

Para outro exemplo, vamos estudar o Sistema de (C, 3, 7) no temperamento igual e inspecionar suas formas deslocadas. Vê-se que a lista canônica AeCgE.. vai se estender para a direita da mesma forma que . . . .AeCgE. . . . A lista estendida é, assim, uma ordenação serial do conjunto de uma escala octatônica que se repete a cada oitava entrada ad infinitum. Por isso, haverá apenas oito formas deslocadas de (., 3, 7). (., 3, 7) irá reaparecer como DESLOC(8)(., 3, 7). No entanto, seu Sistema conjugado (., 3, 8) não aparecerá entre as suas formas deslocadas. Deslocamentos ímpares de (., 3, 7) irão, de fato, produzir Sistemas com intervalos dominante e mediante 3 e 8, respectivamente, mas as notas tônicas disponíveis para esses Sistemas serão apenas E, G, B e ., nunca .. A lista canônica estendida impõe uma certa ordenação simétrica à escala octatônica, um recurso que pode ter interessantes implicações analíticas e composicionais.

Voltemos para a fórmula básica DESLOC(M)DESLOC(N) = DESLOC(M+N), e para o caso especial DESLOC(N)DESLOC(-N) = DESLOC(0) = IDENT. Se . e . forem ambos pares, então M+N . -N também serão pares. Podemos concluir que os deslocamentos pares, combinando-se entre si, formam um grupo de operações. Os matemáticos o chamariam de um “subgrupo” de GDESLOC.

DEFINIÇÃO 14. A família de todas as operações DESLOC(N) tal que N é par será chamada de grupo deslocamento par e denotada por GDESLOCPAR.

É claro a partir da Definição 12 que as formas deslocadas por N’s pares de um SR (T, d, m) serão precisamente todas as transposições desse Sistema por um número qualquer de seus próprios intervalos dominante .. Deve-se reconhecer o importante papel GDESLOCPAR no contexto da teoria tonal.

Entre os deslocamentos pares, DESLOC(2) e o seu inverso DESLOC(-2) gozam de um status especial. Eles transformam um dado Sistema (T, d, m), respectivamente, em seu “Sistema dominante” (T+d, d, m) e em seu “Sistema subdominante” (T-d, d, m). Essas transformações interagem de um modo tão idiomático com as relações construtivas das tríades primárias com (T, d, m) que faz sentido dar a essas operações nomes especiais. Podemos também dar nomes especiais para DESLOC(1) e DESLOC(-1).

DEFINIÇÃO 15. Como sinônimos para DESLOC(1), DESLOC(2), DESLOC(-1), DESLOC(-2) iremos escrever MED, DOM, SUBM e SUBD respectivamente. Essas são as operações “mediante”, “dominante”, “submediante” e “subdominante” que transformam, respectivamente, um dado Sistema Riemann (T, d, m) em seu “Sistema mediante” (T+m, d, d-m), seu “Sistema dominante” (T+d, d, m) seu “Sistema submediante” (T-d+m, d, d-m) e seu “Sistema subdominante” (T-d, d, m).

Qualquer conjunto de operações que contenha DOM deve também conter DOM DOM, DOM DOM DOM, e assim por diante; ele deve também conter SUBD, o inverso do DOM, e, portanto, também SUBD SUBD, e assim por diante; portanto, deve conter toda operação de deslocamento par. Neste sentido, podemos dizer que DOM “gera” GDESLOCPAR. De forma análoga, MED gera GDESLOC.

Algumas outras transformações inversivas. Enquanto MED . SUBM generalizam formas de se relacionar os Sistemas de Dó maior e Lá menor entre si, nenhuma dessas transformações generaliza a relação simétrica que entendemos como “tomar a tonalidade relativa.” Isso é, Dó maior e Lá menor são “relativas” uma da outra, mas nem MED nem SUBM expressam adequadamente a reciprocidade desta relação. Dó maior = MED(Lá maior), mas Lá menor ≠ MED(Dó maior); Lá menor = SUBM(Dó maior), mas Dó maior ≠ SUBM(Lá menor).

Para obter uma operação simétrica que transforma Sistemas tonais “relativos” de forma indiferente um no outro e que seja formalmente plausível no contexto geral do presente estudo iremos generalizar a noção da relação Parallelklang de Riemann. Em conexão com Dó maior utiliza-se Mi menor dual, ao invés de Lá menor; invertem-se, então, as tríades, listas e Sistemas de Dó maior e Mi menor dual, uns nos outros. A Fig. 11 ilustra essa ideia.

Conforme a Fig. 11 mostra, a relação de inversão troca as notas tônica e mediante dos Sistemas envolvidos: a nota tônica de um torna-se a nota mediante do outro e vice-versa. Então, podemos chamar operação generalizada de “inversão tônica-mediante” ou “inversão-TM.”

DEFINIÇÃO 16. Inversão-TM é aquela operação INVTM que transforma um dado SR no Sistema Riemann SRINVTM(T, d, m) = (T+m, -d, -m).



Figura 11
Intervalos em um exemplo de inversão tônica-mediante

A correção da definição algébrica pode ser vista observando a Fig. 11 e generalizando a imagem. De forma semelhante, podemos definir uma “inversão mediante-dominante.”

DEFINIÇÃO 17. Inversão-MD é aquela operação INVMD que transforma um dado SR no Sistema Riemann INVTM(T, d, m) = (T+d+m, -d, -m).

A nota dominante do Sistema transformado aqui é a (T+d+m+(-d)) = T+m, ou seja, a nota mediante do Sistema original. A nota mediante do Sistema transformado, é (T+d+m)+(-m) = T+d, isto é, a nota dominante do Sistema original. INVMD transforma Dó maior dual em Si menor e Si dual menor em Dó maior. Isto é, em sistemas maiores e menores duais ela corresponde formalmente à operação Leittonwechsel de Riemann. É claro, INVMD não tem implicações gerais envolvendo condução de vozes, como tem a Leittonwechsel.

Já estudamos agora três operações de inversão particulares em Sistemas Riemann, INVTD, INVTM e INVMD. Cada uma generaliza, ao menos formalmente, uma relação apontada por Riemann como importante ao relacionar Sistemas maiores e menores duais entre si. Para além disso, estas três inversões em particular possuem status especial e privilegiado na teoria generalizada. Cada uma das três mantém invariável uma das três díades incorporadas à tríade tônica de um determinado Sistema, transformando-a em uma díade de função equivalente na tríade tônica do Sistema transformado. INVTD mantém invariante a díade tônica-e-dominante, INVTM a díade tônica-e-mediante, e INVMD a díade mediante-e-dominante. A Fig. 12 ilustra essas propriedades, usando Dó maior e seus Sistemas transformados como exemplos. Em cada caso, usei uma caixa para indicar a díade invariante. Os nomes das transformações aparecem à esquerda da Fig. 12; na direita escrevi os símbolos riemanianos convencionais para as relações tonais envolvidas, para indicar como nossas transformações generalizam as dele.



Figura 12
Inversões de díades das tríades principais nas operações INVTD INVTM e INVMD e em suas contrapartes riemanianas

Considerações variadas adicionais. As transformações estudadas até agora se combinam entre si em uma variedade de formas, algumas simples e outras complicadas. Por exemplo DOMINVMD(T, d, m) = DOM(T+d+m, -d, -m), pela Definição 17; a última = (T+d+m+(-d), -d, -m) = (T+m-d-m), que por sua vez é INVTM(T, d, m), pela Definição 16. Portanto DOM INVMD = INVTM. De forma semelhante, pode-se mostrar que INVMD SUBD = INVTM, que INVMD = SUBD INVTM = INVTM DOM, que INVTM INVMD = DOM, e que INVMD INVTM = SUBD. O leitor irá lembrar-se da importância intuitiva de tais equações operacionais. A última equação acima, por exemplo, afirma que a inversão-MD da inversão-TM de qualquer Sistema Riemann é o Sistema subdominante desse Sistema.

A partir das equações que acabamos de discutir, junto com o fato de que INVTM é a sua própria inversa, segue-se que deslocamentos pares juntamente com transformações de forma DESLOC(2N) INVTM constituem um grupo de operações. O grupo contém INVMD, assim como INVTD, já que INVMD = DESLOC(-2) INVTM. Quando aplicado a Dó maior, os membros deste grupo geram Sol maior, Fá maior, Ré maior, e assim por diante, como as formas deslocadas por N pares de Dó maior, e também Mi menor dual, Si menor dual, Lá menor dual, Fá# menor dual, e assim por diante, como as formas deslocadas por N pares de INVTD(Dó maior). Qualquer um destes Sistemas é uma “forma” de qualquer outro, módulo este grupo.

Outra rede de inter-relações razoavelmente simples entre as nossas transformações surge do fato de que DOM CONJ = CONJ DOM (a validade da equação pode ser estabelecida pelas técnicas usuais). Segue-se que os deslocamentos pares, em conjunto com as transformações de forma DESLOC(2N) CONJ, constituem um grupo de operações. As formas de Dó maior, mod este grupo, são Dó maior, Dó menor, Sol maior, Sol menor, Fá maior, Fá menor, e assim por diante. Qualquer um destes Sistemas é uma forma de qualquer outro, módulo o grupo.

Outro grupo interessante compreende todos os deslocamentos juntamente com todas as transformações de forma DESLOC(N) RET. Pode-se provar que o DESLOC(N) RET = RET DESLOC(-N). As listas canônicas para as várias formas de um determinado Sistema, mod deste grupo, são os vários segmentos de sete notas da lista canônica estendida, lidos de frente para trás, ou vice-versa. Portanto, as formas de Dó maior, por exemplo, são Dó maior, Sol maior dual, Mi menor, Si menor dual, Lá menor, Mi menor dual, Sol maior, Ré maior dual , Fá maior, Dó maior dual, etc. As transformações INVTM e INVMD são membros deste grupo, uma vez que INVTM = DESLOC(1) RET e INVMD = DESLOC(-1) RET. (As equações podem ser provadas da forma habitual. O formato visual da Fig. 11, quando generalizado, torna a validade da equação acima intuitivamente evidente.)

Outras formas de combinar as transformações em questão levam a transformações mais remotas e a grupos de operações maiores e mais complexos. Por exemplo, vamos temporariamente definir uma operação X: transpor um determinado Sistema Riemann por seu intervalo mediante. Assim, X(Dó maior) = Mi maior, X(Dó menor) = Mi menor, e assim por diante. Em geral, (T, d, m) = (T+m, d, m). Vamos também definir Y: transpor um determinado Sistema Riemann pelo seu intervalo dominante-menos-mediante. Assim, Y(Dó maior) = Mi maior, Y(Dó menor) = Mi menor, etc. Em geral, (T, d, m) = (T+d-m, d, m). Pode-se provar que as equações a seguir são verdadeiras. CONJ MED = X, MED CONJ = Y, INVTM INVTD = Y, INVMD INVTD = o inverso de X, e assim por diante. Disso segue: qualquer grupo que contenha CONJ e MED deve conter ambos X e Y; da mesma forma, qualquer grupo que contenha INVTM, INVMD e INVTD deve conter ambos X e Y, e assim por diante. Qualquer grupo que contenha X e Y deve conter a operação Z = Y-inversa X. Já que X transpõe o Sistema (T, d, m) por m e Y-inversa transpõe o Sistema resultante pelo complemento de m’, que é m-d, Z transpõe o dado Sistema por m-m’, ou seja, por m-(d-m) ou 2m-d. Z, por exemplo, leva Dó maior a Dó# maior e Dó menor a Dó menor. Deixando uma exploração mais aprofundada de tais transformações “pós-Wagnerianas” generalizadas para aqueles que possam estar interessados, passemos agora a outro tópico.

DEFINIÇÃO 18. O tipo do Sistema Riemann (T, d, m) é o par ordenado de intervalo (d, m). Dois Sistemas Riemann “têm o mesmo tipo” ou “são do mesmo tipo” se eles tiverem o mesmo intervalo dominante e o mesmo intervalo mediante.

Assim, Dó maior e Fá# maior são do mesmo tipo, supondo a mesma afinação. No temperamento igual de doze alturas, (., 2, 5) e (., 2, 5) são do mesmo tipo, a saber, o tipo (2, 5). Também do tipo (2, 5) é (C+j, 2, 5), onde j representa uma quinta justa. O conceito de tipo nos permite relacionar a estrutura intervalar de (C+j, 2, 5) com a estrutura intervalar de (., 2, 5), sem ter que atribuir qualquer significado funcional para a relação transpositiva entre eles.

O conceito de tipo é também útil para fazer generalizações sobre as estruturas intervalares de Sistemas que são funcionalmente relacionados, sem ter de se preocupar com suas notas tônicas. Por exemplo, dado qualquer SR (T, d, m), o seu Sistema conjugado será de tipo (d, d-m), assim como seus sistemas deslocados por N ímpares. Nesse sentido, podemos dizer que os Sistemas deslocados por N ímpares são todos de “tipo conjugado” mesmo que o Sistema conjugado em si não apareça como um Sistema deslocado.

Em sentido semelhante, podemos dizer que as formas TD-invertidas, as TM-invertidas e MD-invertidas de (T, d, m) são todas de um mesmo tipo, ou seja, (-d, -m), o “tipo invertido” de (d, m). E podemos dizer que qualquer Sistema menor é “de tipo retrógrado” em relação a qualquer Sistema menor dual, de maneira similar. Para fazer tal discurso formalmente preciso, precisamos apenas definir as operações de conjugação, inversão e retrogradação em tipos.

DEFINIÇÃO 19. Dado um tipo (d, m), o tipo conjugado é conj(d, m) = (d, d-m). O tipo invertido é inv(d, m) = (-d, -m). O tipo retrógrado é ret(d, m) = (-d, m-d). O grupo que compreende as três operações conj, inv e ret, junto com a operação identidade ident, será chamado de “grupo serial de operações-de-tipo” em tipos de Sistemas.

É fácil verificar que as operações definidas formam um grupo. Se verifica que as equações entre elas são análogas àquelas que foram agrupadas na Tab. 3 para as operações-de-Sistema análogas; o análogo da Tab. 3 é válido para estas operações-de-tipo.

O grupo serial de operações em tipos é de fundamental importância. Vê-se que todas as operações que examinamos até agora, até mesmo as nossas exóticas operações “pós-Wagnerianas”, levam Sistemas Riemann a Sistemas Riemann de tipo idêntico, conjugado, invertido ou retrógrado.

Passemos novamente para outro tópico. É interessante notar que as categorias riemannianas de Uberklang e Unterklang podem ser generalizadas em nossa terminologia presente, pelo menos formalmente.

DEFINIÇÃO 20. O SR (T, d, m) será chamado de “direcionado para cima” quando, dado uma altura representando a classe de altura T, a próxima altura acima representando T+m acima é mais grave que a próxima altura acima representando T+d. O SR (T, d, m) será chamado de “direcionado para baixo” quando, dado uma altura representando a classe de altura T, a próxima altura abaixo representado T+m é mais alta que a próxima altura abaixo representando T+d. O tipo (d, m) será chamado de “direcionado para cima/para baixo” se todos os Sistemas Riemann daquele tipo forem direcionados para cima/para baixo.

Pode-se verificar que todo SR é direcionado para cima ou direcionado para baixo, mas não ambos. O mesmo é verdade para todos os tipos. O conjugado de qualquer Sistema ou tipo é direcionado no mesmo sentido que aquele Sistema ou tipo; Sistemas invertidos ou retrógrados são direcionados no sentido contrário.

É quase desnecessário ressaltar que há importantes tradições na teoria tonal que o trabalho deste artigo não generaliza. A mais significativa destas tradições envolve o estudo de condução de vozes e do contraponto em relação à funcionalidade tonal; nossa teoria, com suas listas canônicas, deve forçosamente permanecer calada em relação a tais questões em geral, apesar de se poder, é claro, desenvolver protocolos para a condução de vozes e o contraponto ligados a Sistemas Riemann específicos que não os tonais.

A literatura de outra importante tradição expõe certos sistemas em que se mede vários intervalos harmônicos de interesse (oitavas, dominantes, mediantes) não como vindos de um gerador, mas indo a um gerado comum. Para ver a distinção, note que nosso formalismo nos permitiu analisar a tríade menor como compreendendo uma quinta “acima” e uma terça menor “acima” a partir de um gerador comum (por exemplo, de C para G e de C para e). Nosso formalismo também nos permitiu analisar a tríade menor como uma estrutura “dual”, constituída por uma quinta “abaixo” e uma terça maior “abaixo” a partir de um gerador comum (por exemplo, de G para C e de G para e ). Mas o nosso formalismo não nos habilitou e não pode nos habilitar a analisar a tríade menor como constituída de uma quinta “para cima” e uma terça maior “para cima” em direção a um gerado comum (por exemplo, de C para G e de e para G).

Sistemas envolvendo relações gerados-comuns, sejam ligados a tríades menores ou em outros contextos, podem ser chamados de “fônicos”, em oposição a “sônicos.”[16] Um formalismo mais geral ainda que o do presente artigo talvez pudesse ser desenvolvido para generalizar sistemas intervalares fônicos e sônicos e interrelacionar todos os sistemas, tanto fônicos quanto sônicos, entre si e uns com os outros. No entanto, as formalidades do presente artigo são, imagino, amplamente gerais para satisfazer a maioria dos leitores por enquanto.

 

 

REFERÊNCIAS

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Notas

2 N.T. Dominant interval, no original. Tanto “intervalo dominante” quanto “intervalo de dominante” são traduções possíveis, sendo que a segunda parece ser a forma mais comum na qual o termo aparece em português. Dado que, neste artigo, um conceito de dominante externo à sistemática elaborada não é relevante para a construção das tríades do sistema, não vejo justificativa para o uso da preposição, já que esse indicaria a relevância tal conceito. Em outras palavras, neste contexto, os intervalos não são de uma função (pré-existente), ao invés disso, eles determinam o que é aquela função. Considerações análogas valem para a traduções que envolvem as demais funções (mediante, subdominante, etc) e que utilizam “tríade” no lugar de “intervalo”.

3 N.T. Lewin utiliza, neste artigo, sempre a notação germânica para se referir às classes de altura. As “notas de solfejo” (Dó, Ré, Mi, etc.) serão utilizadas doravante quando associadas aos adjetivos “maior” e “menor”, enquanto a notação germânica será mantida para os demais casos, em especial para a aritmética dos Sistemas Riemann.

4 Uma bibliografia e crítica de escritos de e pertinentes a Riemann, conveniente para leitores americanos, pode ser encontrada em Mickelsen (1977). Entre a variedade de obras fornecendo fundação para a abordagem escolhida por Riemann e continuada nas formalidades deste artigo, deve-se chamar particular atenção para o trabalho de Jean-Phillipe Rameau (1726) em seu Nouveau système de musique théorique et pratique. Aqui Rameau cunha a palavra “subdominante”. Ele analisa a importância da relação proporcional: a fundamental da subdominante está para a fundamental da tônica assim como a fundamental da tônica para a fundamental da dominante. Essa relação pode ser vista como subjacente ao aspecto triádico do método construtivo retratado na Figura 1; ele será mais tarde generalizado pela Figura 2. No Nouveau système, Rameau analisa a escala (melhor, nosso “conjunto diatônico”) como surgindo da conjunção de três tríades primárias, uma características também manifesta na Figura 1 e a ser generalizada na Figura 2. Antes dessa obra, a afirmação de Rameau de que a melodia era subordinada teoricamente à harmonia coexistiu de uma forma bem desconfortável com a sua adoção da escala maior Ptolemaica, ao invés da justa. Ver Rameau (1726, livro 1, capítulo 5). Outro trabalho importante que requer citação aqui é o de Moritz Hauptmann (1853), Die Natur der Harmonik und der Metrik. Ao adotar uma abordagem filosófica, ao invés de numérica e acústica, para construções como a da Figura 1, Hauptmann dá um passo considerável em direção ao formalismo, evitando, aliás, alguns problemas metodológicos que atormentam Rameau. Em particular, sua concepção da tríade menor como uma “unidade negativa” filosófica ao invés de uma estrutura acústica de “harmônicos inferiores” se mostra vantajosa em relação à concepção de Riemann sobre a tríade, concepções que, no fim, levam para a mesma análise formal. O formato da lista canônica na Figura 1 é tomado diretamente de Hauptmann, junto com a notação de maiúsculas e minúsculas. Como veremos, essa notação é conveniente e sugestiva em muitos contextos. A ideia de usar a lista canônica, ao invés da ordem escalar, como a ordenação fundamental para o conjunto diatônico tem muitas e importantes implicações formais, como também veremos.

5 N.T. Apesar das restrições, o uso do termo ainda causa estranheza, já que o termo “tríade”, no mínimo atualmente, é normalmente associado exclusivamente aos membros das classes de conjunto de número Forte 3–10, 3–11 e 3–12. “Tricorde” é o termo mais usual a ser empregado aqui. Lewin talvez estivesse ciente dessa alternativa e tenha escolhido, mesmo assim, “tríade” devido às conotações do termo enquanto uma entidade harmônica que é fundamental para um sistema tonal. Devido a essa possiblidade, mantive o termo original. É importante notar que a escolha do termo, no entanto, não tem impacto na formalização elaborada durante o artigo, ainda que possa ter para a interpretação da significância dessa formalização para a teoria musical em geral.

6 Na verdade, se restringirmos nossa atenção ao temperamento igual de doze alturas e questionarmos quais Sistemas Riemann têm a propriedade em discussão e também sete notas distintas em seus conjuntos diatônicos, encontraremos essencialmente apenas quatro desses sistemas. Um é o sistema maior tonal, por exemplo (C, 7, 4) com a lista canônica FaCeGD. (As notas da tríade em questão estão em itálico). Outro é o sistema tonal “dual menor”, o qual estudaremos mais a frente, por exemplo (G, 5, 8) com lista canônica DbGeCaF. Os outros dois sistemas são as transformações pelo círculo das quintas (ou pela “multiplicação) dos dois acima, por exemplo (C, 1, 4) e (C#, 11, 8) com as listas BeCeC#fD e DbC#aCaB.

7 N.T. Aqui e em algumas outras passagens deste artigo Lewin utiliza “nota” no lugar de “altura”, apesar dos termos não serem, em geral, sinônimos. Feita essa ressalva, não indicarei as demais ocorrências dessa substituição.

8 N.T. Lewin, curiosamente, escolhe o termo “Forte label”, traduzido por “rótulo Forte”, ao invés do, atualmente padrão, “Forte number” (número Forte) ou ainda do menos comum “Forte name” (nome Forte). A nota de rodapé abaixo deixa claro que o termo de refere, de fato, ao construto familiar à teoria pós-tonal.

9 Pelo “rótulo Forte” correspondendo a um conjunto de classes de altura, eu me refiro ao rótulo numérico atribuído a esse conjunto no trabalho de Allen Forte (1973).

10 No que concerne a sombra histórica da Figura 3, pode-se mencionar em particular a discussão da divisão harmônica e aritmética da quinta em conexão com a estrutura triádica maior e menor dada por Gioseffo Zarlino (1573, livro 3, capítulo 31). A relação de tríades paralelas maiores e menores à maneira da Figura 3 é discutida por Rameau no livro 1, capítulo 3, artigo 5 do Traité. Rameau chama a troca de m e m’ uma “nova espécie de renversement,” significando uma redisposição dos intervalos no registro supostamente análogo à redisposição de alturas no registro que produz a inversão de acordes. Essa atitude em relação ao menor seria, no entanto, superada nos trabalhos posteriores de Rameau por uma grande variedade de outras ideias.

11 N.T. Circle-of-fifths transforms, no original. Obter um circle-of-fifths transform de um determinado conjunto equivale, algebricamente, a se multiplicar (módulo 12) cada uma de suas classes de altura por 7 (o inteiro correspondente à classe de altura da quinta justa), as levando para a sua “posição” no círculo das quintas.

12 O temperamento igual é apenas uma convenção notacional aqui. O trabalho que segue poderia ser conduzido usando quaisquer outros tamanhos razoáveis de “quintas” e “terças maiores” como intervalos de dominantes e mediantes para o Sistema maior. Seria uma tarefa quase interminável catalogar todas as razões levantadas na história da teoria tonal para atribuir prioridade especial a esses intervalos. Novas razões ainda estão sendo levantadas ativamente na literatura. Peter Westergaard (1975, p. 411-427), por exemplo, segue a grande tradição de construir a tonalidade ex nihilo em An Introduction to Tonal Theory. Sua discussão da quinta (justa) é uma sensível e atrativa amálgama de muitas atitudes históricas, numéricas, filosóficas e psico-acústicas. Sua discussão da terça maior, junto com o coma sintônico e a necessidade de temperamento, também invoca algumas ideias tradicionais. É, no entanto, único, para o meu conhecimento, o mordaz argumento adicional que, se nós não tivéssemos um intervalo consonante com aproximadamente esse tamanho, não conseguiríamos fazer análises schenkerianas para os backgrounds de peças tonais. Uma teoria recente de Benjamin Boretz (1971, p.232-270) fornece um argumento interessante, rigorosamente anti-historicista e anti-acústico, para atribuir prioridade especial para a quinta como o intervalo dominante na música tonal . Começando (!) com o temperamento igual de doze alturas e certos requisitos formais para um certo tipo de sistema musical, Boretz mostra que o intervalo 7 é a única escolha disponível para dividir a oitava e ser ele mesmo dividido de uma forma a satisfazer esses requisitos.

13 O leitor encontrará uma exposição ampla dessas ideias em Mickelsen (1977). Como indicado na Nota 1, Hauptmann havia anteriormente favorecido essa análise formal da tríade menor. O próprio Rameau (1737) havia flertado com ela temporariamente.

14 N.T. Foi mantida nesta tradução a numeração de oitavas do original, onde C4 (e não C3) se refere ao dó central.

15 A curiosa relação entre os temas foi apontada por Ludwig Misch em seu artigo “Alla danza tedesca,” (MISCH, 1953, p. 14-18.)

16 A nomenclatura generaliza a terminologia de Artur von Oettingen (1866). O próprio Rameau (1750) apresentou uma teoria fônica da tonalidade menor entre as suas muitas tentativas de reconciliar a tonalidade maior com a menor. Em tempos mais recentes, explicações fônicas para vários fenômenos tonais foram levantadas por Paul Hindemith (1942) em The Craft of Musical Composition.

Autor notes

1 Felipe Defensor Martins é Técnico em Piano Popular pelo Conservatório Musical Souza Lima e Mestre em Teoria e Análise Musical pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Tem como tópicos de interesse matemática aplicada à música, filosofia da música e forma musical. Participa de um grupo de leitura do Generalized Musical Intervals and Transformations composto por pesquisadores e alunos da do Programa de Pós Gradução em Música da UFRJ e do Conservatório Musical Souza Lima.